Chamadas para artigos: v. 17, n. 34 (segundo semestre de 2025): ADÍLIA: VIDA COMO POESIA; v. 18, n. 35 (primeiro semestre de 2026): AUTORES CRÍTICOS E CRÍTICOS AUTORES: CURADORIA, APROPRIAÇÃO, TRANSCRIAÇÃO

2025-01-30

Adília: vida como poesia

Organizadores: Paulo Alberto da Silva Sales (IFGoiano, Brasil), Lúcia Evangelista (Universidade de Lisboa, Portugal), Joana Meirim (Universidade Nova de Lisboa, Portugal)

 

Adília Lopes, poetisa que recentemente nos deixou, é um nome incontornável da poesia portuguesa contemporânea, completando-se em 2025 quarenta anos da sua estreia poética com Um jogo bastante perigoso. A última edição da sua poesia reunida (Dobra, Assírio & Alvim, 2024) foi publicada em simultâneo no Brasil e em Portugal, continuando a ser muito pertinente a ideia de que esta obra “trouxe à literatura portuguesa o maior desassossego do final do século XX” (Almeida, 2016, p. 9).

Desde o início, suas publicações têm apresentado uma poética marcada pela fricção de discursos e gêneros, cujas fronteiras se interpenetram e se ressignificam, questionando alguns dos preceitos formalistas do século XX. Há de se destacar, também, como uma vertente de sua poética – talvez a principal –, o profundo interesse em representar a estética do instante que resgata vestígios de experiências do eu em vários momentos da vida. Esse mesmo eu se apresenta como um profundo leitor da tradição literária, de anedotas, de histórias da carochinha, de histórias orais, além de textos de outras áreas do saber – tais como os de ciências exatas, biológicas, física quântica, de arte –, a par da referência explícita, em vários poemas, aos ícones do universo dos anos 80 e 90 do século passado.

Neste vasto repertório de fontes, que vão desde as experiências de literatura canônica às representações da cultura de massa, a poesia de Adília não faz uma separação entre alta e baixa cultura. Várias são, também, as possibilidades de leitura dos poemas de Adília. No seu exercício de revisitar os pormenores vividos e lidos e ao mesclá-los, transformando-os em arte, a poetisa cria poemas que são construídos por meio de ajuntes, remissões, descrições, narrações. Sobretudo em suas últimas obras, a quase totalidade dos poemas possuem uma dicção em prosa, ou melhor, versos que compartilham de estratégias da narrativa ficcional e, também, da descrição, do diálogo, de relatos e mesmo de citações de trechos apropriados de livros e de histórias ouvidas pela autora. Traços característicos de uma escrita poética a partir das experiências do cotidiano, “do(s) resto(s) que se encontram na vida diária, rejeitando qualquer simulacro de aura e se aproximando de uma vontade expressa de comunicação” (Alves, 2008, p. 118), associada a uma tendência da sua poesia recente que trata da existência do sujeito empírico intensamente marcado pelas suas perdas (Martelo, 2008), criam uma “poética do comum”. A matéria dos poemas seria forjada a partir da tensão da experiência de vida, ou melhor, dos resquícios ou marcas do cotidiano, mescladas às experiências de leitura da tradição e, ainda, a partir da inadequação do indivíduo descentrado no cenário da contemporaneidade. Desses (des)encontros, surgem poemas híbridos, altamente irônicos, e que jogam com a emoção e com a razão ao encenar, criticamente, as “subjetividades”.

Esta chamada para a Revista Desassossego homenageia a vida e a obra de Adília Lopes, convidando estudiosos e estudiosas a enviarem trabalhos que examinem questões da poética adiliana. 

 

Além do dossiê temático, a Revista Desassossego conta com a recepção de texto em fluxo contínuo para a seção VÁRIA, para a qual recebemos artigos científicos relacionados à literatura e cultura portuguesas; e a seção OUTROS DESASSOSSEGOS, na qual publicamos textos poéticos e autorais inéditos enviados por nossos leitores. Ainda podem ser publicadas RESENHAS de livros editados nos últimos cinco anos ou ENTREVISTAS com nomes relevantes para a temática da revista.

 

PRAZO PARA ENTREGA: Os artigos, resenhas e entrevistas relacionadas ao dossiê temático Adília: vida como poesia serão recebidos impreterivelmente até 1 de maio de 2025. A publicação está prevista para novembro de 2025.

 

Referências:

ALMEIDA, Ana Bela. Adília Lopes. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016.

ALVES, Ida. O conflito de opiniões na poesia portuguesa: o esterco lírico e o grito do anjo. In: ALVES, Ida; PEDROSA, Célia. Subjetividades em devir: estudos de poesia moderna e contemporânea. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. p. 118-131.

MARTELO, Rosa Maria. Alegoria e autenticidade (a propósito de alguma poesia portuguesa recente). In: ALVES, Ida; PEDROSA, Célia. Subjetividades em devir: estudos de poesia moderna e contemporânea. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008, p. 291-303.

 

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Autores críticos e críticos autores: curadoria, apropriação, transcriação

Organizadores: Lilian Jacoto (USP), Maria Elisa Rodrigues Moreira (UPM) e Felipe Marcondes da Costa (USP)

 

Este número da Revista Desassossego pretende refletir sobre o lugar de quem escreve – como alguém que lê, pratica e reflete sobre a literatura. Essas atividades estão presentes e autoimplicadas no gesto da escrita. A literatura coloca em debate a emulação e os deslocamentos do cânone, a performance do gênio e o trabalho da citação, de modo que escrever subentende uma formulação crítica, assim como a crítica literária pode também se valer da imaginação.

Na contemporaneidade, mais do que nunca, o escritor veste a camisa do gênio não original, para usar aqui a expressão cunhada por Marjorie Perloff. Alguns expõem seus laboratórios de escrita, as redes de leitura que tecem sua lavra, suas apropriações, deformações e atritos com aqueles que nomeiam como ascendentes. Os diários, ensaios e cartas revelam essas fontes.  De acordo com Ricardo Piglia (1996, p. 51), “Escrever é uma tentativa inútil de esquecer o que está escrito (...) Por isso, na literatura, os roubos são como lembranças, nunca suficientemente deliberados, nunca inocentes demais. (...) A essência da literatura consiste na ilusão de transformar a linguagem em bem pessoal”.

Gonçalo M. Tavares inventa um bairro com personagens homônimas de grandes escritores, filósofos e pensadores do século XX, como se estivesse passando a limpo sua biblioteca afetiva, a partir de esquecimentos que acionam a “escrita com” cada personagem reinventada; Maria Gabriela Llansol reconduz à cena de escrita alguns nomes preteridos ou mal compreendidos da história europeia, convocando uma comunidade capaz de substituir e porventura consertar um mundo adoecido pelos excessos do racionalismo Também a tradução é um exercício que elege, interpreta, recicla, transcria: Herberto Helder, com seus “poemas mudados para o português”, pratica uma poética de vozes comunicantes das mais diferentes línguas e culturas – não seria esse Bebedor Noturno aquele que (pensando ainda com Piglia) trabalha com a “ex-tradição”?

Por outro lado, neste mundo em que o excesso midiático predomina, o escritor vê-se como uma espécie de curador que separa o joio do trigo, seleciona e compõe os arquivos da memória. Kenneth Goldsmith (2016, p. 22), ideólogo da escrita não criativa, adverte provocativamente que “Se você não faz arte com o propósito de fazê-la copiando, você não está fazendo arte no século XXI”. A apropriação é uma nova (velha) poética; usurpação confessa de muitas vozes alheias, que, no conjunto, inauguram uma voz autoral.

Desse modo, para este novo número, chamamos artigos que abordem esse entre-lugar que assumiu a palavra literária – entre crítica e criação – desde sempre, mas assumidamente como poética contemporânea, cujas palavras-chave podem bem aqui se resumir a curadoria, apropriação e transcriação.

 

Além do dossiê temático, a Revista Desassossego conta com a recepção de texto em fluxo contínuo para a seção VÁRIA, para a qual recebemos artigos científicos relacionados à literatura e cultura portuguesas; e a seção OUTROS DESASSOSSEGOS, na qual publicamos textos poéticos e autorais inéditos enviados por nossos leitores. Ainda podem ser publicadas RESENHAS de livros editados nos últimos cinco anos ou ENTREVISTAS com nomes relevantes para a temática da revista.

 

PRAZO PARA ENTREGA: Os artigos, resenhas e entrevistas relacionadas ao dossiê temático Autores críticos e críticos autores: curadoria, apropriação, transcriação serão recebidos impreterivelmente até 15 de julho de 2025. A publicação está prevista para janeiro de 2026.

 

Referências:

PIGLIA, Ricardo. Ficção e teoria: o escritor enquanto crítico. Tradução de Raul Antelo. Travessia, n. 33, p. 47-59, ago.-dez./1996. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/travessia/article/view/16569. Acesso em: 17 jan. 2025.

GOLDSMITH, Kenneth. Só presto atenção na teoria quando vejo que alguém dedicou toda sua vida a uma questão para a qual nunca dei muita bola. Tradução de Leonardo Gandolfi. Revista Grampo Canoa, n. 2, p. 22-38, 2016.