A "leda e triste" Inês de Castro: a figuração da vítima coletiva na epopeia camoniana
DOI:
https://doi.org/10.11606/issn.2175-3180.v15i29p266-291Palavras-chave:
Narrativa épica, Violência coletiva, Vítima sacrificial, Bode expiatórioResumo
Transposta das crônicas historiográficas para o suporte ficcional, a história de Inês de Castro assumiu a condição atemporal e mitológica que hoje a sustém como heroína entre heroínas da literatura universal. Na epopeia camoniana, embora não seja a primeira a mimetizar o fato histórico, tivemos a ordenação das estruturas narrativas que tornaram famoso o acontecimento histórico. Mas para além do infausto amor interrompido por razões palacianas, algo mais terrível se esconde na “paixão” de Inês de Castro. O que propomos neste artigo consiste no reconhecimento das “marcas vitimárias” que levaram a esposa póstuma do príncipe D. Pedro a se tornar o “bode expiatório” da “violência coletiva” cujo relato épico se ampara em um exemplo mitológico plasmado por Ovídio nas Metamorfoses. Ao contrapormos o sacrifício de Políxena à execução coletiva de Inês, mostraremos como uma mesma estrutura vicária se repete permitindo que o horror do fato histórico se encobrisse pela rede de analogias e alegorias do discurso poético.
Downloads
Referências
ACENHEIRO, Christovão Rodrigues. Chronicas dos senhores reis de Portugal. Lisboa: Oficina da Academia Real das Ciências de Lisboa, 1824.
AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus. Tradução, prefácio, nota biográfica e transcrições de J. Dias Pereira. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. v. 2.
ARISTÓTELES. Retórica. 2. ed. Tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005.
ARISTÓTELES. Poética. 2. ed. Tradução, introdução e notas de Paulo Pinheiro. São Paulo: Editora 34, 2017.
APULEIO. O asno de ouro. 2. ed. Tradução e notas de Ruth Guimarães. São Paulo: Editora 34, 2020.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Jeremias perseguido em Anatot. São Paulo: Paulus, 2002. p. 1387.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. O grande dia das expiações. São Paulo: Paulus, 2002. p. 184.
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Notas e comentários de Francisco de Sales Lencastre. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1927a [1572]. v. 1.
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Notas e comentários de Francisco de Sales Lencastre. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1927b [1572]. v. 2.
COULANGES, Fustel. A cidade antiga. Tradução Fernando de Aguiar. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
DOLEŽEL, Lubomír. Possible worlds of fiction and history: the postmodern stage. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2010.
EARNSHAW, Katharine M. “Enduring death and remembering the apocalypse: identity, timespace and Lucanian paradoxes”. In: MARLOW, Hilary; POLLMANN, Karla; NOORDEN, Helen Van (ed.). Eschatology in antiquity: forms and functions. London/New York: Routledge, 2021.
FERREIRA, António. Castro. 2. ed. Porto: Editorial Domingo Barreira, 1962.
FINKMANN, Simone. “The dead interlocutors”. In: REITZ, Christiane; FINKMANN, Simone. (ed.). Structures of epic poetry: vol. II. 2: configuration. Berlin/Boston: De Gruyter, 2019.
GIRARD, René. A violência e o sagrado. 2. ed. Tradução de Martha Conceição Gambini. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1990.
GIRARD, René. O bode expiatório. Tradução Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004.
GIRARD, René. A rota antiga dos homens perversos. Tradução Tiago José Risi Leme. São Paulo: Paulus, 2009.
GIRARD, René. Eu vi Satanás cair como um relâmpago. Tradução de Martha Gambini. São Paulo: Paz & Terra, 2012.
HOMERO. Odisseia. Tradução e prefácio de Carlos Alberto Nunes. 25. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
HIGINO. Fábulas. Traducción de Javier del Hoyo y José Miguel García Ruiz. Madrid: Editorial Gregos, 2009.
LOPES, Fernão. Chronica de El- Rei D. Pedro I. Lisboa: Typ. do Commercio de Portugal, 1895.
LOUREIRO, Sara de Menezes. “O conflito entre D. Afonso IV e o infante D. Pedro (1355-1356)”. Cadernos do Arquivo Municipal, Lisboa, n. 07, p. 9-63, 2004.
MAGNO, Carlos Hipólito Santa Helena. “Ignez de Castro”. Revista Brazileira: homenagem a Luiz de Camões (10 de junho de 1880). Rio de Janeiro: N. Midósi, 1880.
MARQUES, Antonio Henrique Oliveira. História de Portugal: das origens às revoluções liberais. Lisboa: Palas Editores, 1980. v. 1.
OVÍDIO. Os Fastos. Tradução de Antonio Feliciano de Castilho. Lisboa: Imprensa da Academia Real das Sciencias, 1862. v. 1.
OVÍDIO. As Heróides: cartas de amor. Tradução de Dunia Marinho Silva. São Paulo: Landy, 2003.
OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução Domingos Lucas Dias. São Paulo: Editora 34, 2017.
PARRA, Ana Raquel da Cruz. A paternidade na Idade Média: o caso de D. Dinis. 2018. Dissertação (Mestrado em História Medieval) – Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018.
PINA, Rui de. Chronica de ELREY Dom Afonso, o quarto. Lisboa: Edições Bíblion, 1936.
RESENDE, Garcia de. “Trovas que Garcia de Resende fez à morte de D. Inês de Castro...” In: GUIMARÃIS, A. J. Gonçalvez (ed.). Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1917. v. 5, p. 357-364.
RUSSO, Rute Isabel Rodrigues. A crónica de D. Pedro I: a estratégia cronística em Fernão Lopes. 2019. Dissertação (Mestrado em Estudos Medievais) – Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto, 2019.
SALES, Mariana. “Vínculos políticos luso-castelhanos no século XIV”. In: MEGIANI, Ana Paula Torres; SAMPAIO, Jorge Pereira de (org.). Inês de Castro: a época e a memória. São Paulo: Alameda, 2008.
SARAIVA, António José. O crepúsculo da Idade Média em Portugal. Lisboa: Gradiva, 1988. 1. v.
SCHMID, Wolf. Narratology: an introduction. Translated by Alexander Starritt. Berlin/New York, 2010.
SÉNECA. Troianas. Tradução Ricardo Duarte. Lisboa: Centro de Estudos Clássicos, 2014.
SILVA, André Filipe Oliveira da. A peste negra em Portugal: os casos do Entre-Douro-e-Minho e do Entre-Tejo-e-Odiana. 2021. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto, 2021.
SOUSA, Bernardo Vasconcelos e. “Inês, a dos Castro”. In: RAMOS, Rui. (org). História de Portugal. Lisboa: A esfera dos livros, 2009.
STEPHENS, John. Ancient Mediterranean religions: myth, ritual and religious experience. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2016.
TORNEOL, Nuno Fernandes. “Cantiga 80. (Tr. 110)”. In: VASCONCELLOS, Carolina Michaëlis de. (ed.). Cancioneiro da Ajuda. Halle: Max Niemeyer, 1904. v. 1.
VIDA, Marco Girolamo. The Christiad. Translated by Gertrude C. Drake and Clarence A. Forbes. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1978 [1535].
WARNER, Richard. An illustration of the Roman Antiquities discovered at Bath. Bath: Published by order of the Mayor and Corporation, 1797.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2023 Jose Queiroz
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License.
O(s) autor(es) declara(m) automaticamente ao enviar um texto para publicação na revista Desassossego que o trabalho é de sua(s) autoria(s), assumindo total responsabilidade perante a lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, no caso de plágio ou difamação, obrigando-se a responder pela originalidade do trabalho, inclusive por citações, transcrições, uso de nomes de pessoas e lugares, referências histórias e bibliográficas e tudo o mais que tiver sido incorporado ao seu texto, eximindo, desde já a equipe da Revista, bem como os organismos editoriais a ela vinculados de quaisquer prejuízos ou danos.
O(s) autor(s) permanece(m) sendo o(s) detentor(es) dos direitos autorais de seu(s) texto(s), mas autoriza(m) a equipe da Revista Desassossego a revisar, editar e publicar o texto, podendo esta sugerir alterações sempre que necessário.
O autor(s) declara(m) que sobre o seu texto não recai ônus de qualquer espécie, assim como a inexistência de contratos editoriais vigentes que impeçam sua publicação na Revista Desassossego, responsabilizando-se por reivindicações futuras e eventuais perdas e danos. Os originais enviados devem ser inéditos e não devem ser submetidos à outra(s) revista(s) durante o processo de avaliação.
Em casos de coautoria com respectivos orientadores e outros, faz-se necessária uma declaração do coautor autorizando a publicação do texto.
Entende-se, portanto, com o ato de submissão de qualquer material à Revista Desassossego, a plena concordância com estes termos e com as Normas para elaboração e submissão de trabalhos. O não cumprimento desses itens ou o não enquadramento às normas editoriais resultará na recusa do material.