De sesmaria a latifúndio: a reconstituição da cadeia dominial de um assentamento rural em Goiás
DOI:
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.202539114.017Palavras-chave:
Reforma agrária, Cadeia dominial, Assentamento rural, SesmariaResumo
O artigo reconstrói a cadeia dominial de uma antiga sesmaria, localizada no estado de Goiás, Brasil, até sua transformação em Assentamento Rural, demonstrando como a legislação agrária e os operadores da justiça foram utilizados para beneficiar os grandes proprietários rurais. Reconstruímos a cadeia dominial da antiga sesmaria analisando, ao mesmo tempo, o conjunto normativo referente à legislação agrária brasileira e os vestígios da referida sesmaria, mobilizados em arquivos históricos, cartoriais e no processo administrativo de desapropriação do imóvel, sob a guarda do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O argumento se desenvolve em duas dimensões: 1. Examinando a extensa legislação fundiária produzida pelo Estado, enfatizamos o modo como a normativa foi produzida de forma a legitimar uma ordem - de fato já estabelecida - e criar as condições necessárias para a implementação do mercado de terras e facilitar a transição seletiva da propriedade pública para agentes particulares. 2. Seguindo as sucessivas transmissões e transformações do referido imóvel, desde a concessão de sesmaria até o processo de desapropriação para fins de reforma agrária, argumentamos que a atuação dos agentes públicos envolvidos nesse processo, em diferentes níveis, expressa um voluntarismo que, ao final, tornou a implementação do Projeto de Assentamento Acaba Vida um caso paradigmático de como a reforma agrária no Brasil beneficiou os interesses privados em detrimento de sua função social.
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