Dossiê temático 38/3: Dimensões cronotópicas dos relatos de vida em escritas femininas
Este número tem por objetivo problematizar a construção discursiva dos relatos de vida de autoria feminina, tendo em vista a influência das diferentes dimensões cronotópicas na constituição dos discursos.
Na acepção de Bakhtin e do Círculo, a linguagem é constituída de forma dual, tanto por elementos verbais, internos às formas de linguagem, como por elementos extraverbais (o tempo, o espaço, os valores, as ideologias, a história, a cultura etc.), que incidem sobre a situação de interação discursiva e delimitam a construção dos discursos.
A partir dessa premissa, semelhante às discussões de Machado (2010) e de Santos (2023), o conceito de cronotopo proposto por Bakhtin [em diferentes pontos de sua produção (Bakhtin, 2010; 2017; 2018)] permite identificar, a partir das marcas verbais, como os elementos extraverbais delimitam a constituição da linguagem.
Por cronotopo entendemos a fusão dos elementos espaço-temporais e como estes condicionam e situam valorativamente o discurso, dando visibilidade a correlações entre as condições do “dizer”, quem diz, como se diz, o que se diz (ou ainda do que não se pode dizer, quem não pode dizer etc.), em função das dimensões cronotópicas (espaço-tempo) que marcam determinado uso de linguagem.
No contexto do romance de aventura, por exemplo, Bakhtin sugere o "cronotopo das estradas", como um espaço-tempo em que ocorrem os encontros e as reviravoltas do enredo desse enunciado. O autor propõe ainda o "cronotopo da casa", no romance biográfico, como um espaço que indicia uma certa estabilidade, ao mesmo tempo em que destaca o fator de transformação na construção das personagens. Quando pensa as primeiras formas autobiográficas e suas dimensões espaço-temporais, Bakhtin (2018) visualiza dois cronotopos distintos: o “cronotopo interno”, o espaço-tempo da vida representada, e o “cronotopo externo real” ou “cronotopo externo do relato” no qual a vida representada se realiza, seja essa de um terceiro (biografia) ou a do próprio falante (autobiografia). Pode-se pensar ainda o “cronotopo externo dos fatos relatados”, o espaço-tempo em que se situam e tomam forma os acontecimentos relatados (Santos, 2023, p. 61-62).
Em linhas gerais, temos por foco problematizar como a unidade espaço-tempo é construída discursivamente nos diferentes relatos de vida de autoria feminina e como estas duas variáveis (espaço-tempo) igualmente dimensionam as condições de produção, recepção e circulação discursivas destes relatos. Nos interessa, então, refletir acerca das singularidades na maneira com que os elementos discursivos, em diferentes cronotopos, marcam os relatos de vida produzidos por mulheres nos diversos contextos sócio-histório-culturais.
Esperamos contribuições que investiguem relatos de vida nas mais diversas formas de linguagem e materialidades linguístico-discursivas (escrita, falada, audiovisual, digital, entre outras). Igualmente, esperamos reunir trabalhos que investiguem a autoria feminina na amplitude das inscrições do termo “mulher”, no que concerne às designações de identidade de gênero, orientação sexual, raça, cultura, língua etc.
Apresentamos, a título ilustrativo, mas não exaustivo, alguns eixos e questões a serem considerados:
- Como as condições cronotópicas primárias de ocorrência dos acontecimentos narrados dimensionam a construção discursiva dos relatos femininos?
- Como o espaço-tempo em que as obras foram produzidas delimitam a produção, a recepção e/ou a circulação dos discursos nos relatos de vida de mulheres? Como a posição sócio-histórico-cultural das mulheres nesse cronotopo externo marca a construção do relato?
- Como as unidades espaço-tempo construídas nos respectivos relatos de vida permitem visualizar a interrelação de aspectos formais, estilísticos e temáticos na construção dos discursos?
- Quais cronotopos internos são mais significativos na construção interna dos relatos de vida de mulheres em suas diversas inscrições?
- Como as dimensões cronotópicas externas se relacionam com as dimensões cronotópicas internas dos diversos relatos de vida feminos?
- Como os cronotopos internos/externos de diferentes relatos de vida femininos se interrelacionam nos elementos de sua constituição discursiva?
Dessa forma, este número temático está aberto a contribuições de pesquisadores que, indistintamente da área de atuação, problematizem as dimensões espaço-temporais na construção discursiva dos relatos de vida de autoria feminina.
A Linha D’Água aceita trabalhos em português, inglês, francês ou espanhol. As submissões devem estar de acordo com as normas de submissão, disponíveis em https://www.revistas.usp.br/linhadagua/about/submissions
A revista está indexada em: Web of Science - Clarivate (ESCI), MLA, MIAR, Latindex, REDIB, Linguistic Bibliography, DOAJ, dentre outros.
Prazo de submissão: 30 de março de 2025.
Previsão de publicação: dezembro de 2025.
Editores convidados:
Vânia Lúcia Menezes Torga
vltorga@uol.com.br
Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Brasil.
Vanessa Fonseca Barbosa
vanessafonbar@usp.br
Universidade de São Paulo (USP), Brasil.
Yuri Andrei Batista Santos
batista.yuriandrei@gmail.com
Université Paris Cité, França.
Girlandia Gesteira Santos
girlandiagesteira@yahoo.com.br
Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Brasil.
Ana Cláudia Guimarães Senna
anaguisenna@hotmail.com
Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Brasil.