John Hartley*
*Professor emérito da Universidade de Tecnologia de Queensland e editor do Jornal Internacional de Estudos Culturais1 (Sage editora, Londres). Suas obras mais recentes são: títulos originais das obras: Digital Futures for Cultural and Media Studies (Wiley-Blackwell, 2012); Communication, Cultural and Media Studies: The Key Concepts 4th edn (Routledge, 2011); The Uses of Digital Literacy (UQP, 2009; Transaction, 2010); Story Circle: Digital Storytelling Around the World (ed. with K. McWilliam Wiley-Blackwell 2009). E-mail: j.hartley@qut.edu.au.
A maior parte da criatividade no universo digital passa despercebida nas políticas e práticas da indústria e não é levada em conta nas estratégias culturais ou econômicas das indústrias criativas. É preciso encontrar formas para catalisar essa produtividade criativa, mostrando como as inovações do usuário podem contribuir para a aprendizagem social e o progresso econômico e cultural. Para isso, é preciso saber o que é um sistema aberto criativo e inovador e como ele funciona. Com base nesse diagnóstico, o autor defende a tese de que a interdisciplinaridade é urgente e há também a necessidade de uma Ciência da Cultura; o que está em jogo é uma estratégia de desenvolvimento integrado para a inovação emergente nos níveis da complexidade, produtividade e aprendizagem. Palavras-chave: Estudos Culturais, comunicação, cultura, Ciência da Cultura, interdisciplinaridade
Most of the creativity in the digital universe passes unnoticed by the industry practices and policies, and it isn´t taken into account in the cultural and economic strategies of the creative industries. We should find ways to catalyze this creative production, showing how the user´s contribution may contribute to social learning, cultural and economic advancement. To that effect, we must know what is a open creative system and how it works. Based on this diagnosis, the author claims that interdisciplinarity is urgent and that there is also a need for a science of culture. What is at stake is a strategy of integrated development, as regards the upcoming innovation in its complex, productive and learning aspects. Keywords: Cultural Studies, Communication, Culture, Science Culture, interdisciplinary
1. N.T. uma versão deste trabalho foi publicada originalmente em: International Journal of Cultural Studies
A 61a Conferência anual (2011) da Associação Internacional de Comunicação (ICA)1 sediada em Boston, nos Estados Unidos, programou pela primeira vez aulas magnas. O presidente da Associação, Larry Gross, me pediu para compor o primeiro grupo de acadêmicos experientes a testar o formato. Sem pensar no que estava entrando, aceitei. Considerando que essas eram águas nunca dantes navegadas, meu primeiro problema era: de que forma dar uma aula magna num evento como a conferência da ICA? Como muitos devem saber, ela atrai mais de 2.500 acadêmicos de diferentes países e com diferentes formações teóricas. Neste grupo tão díspar, em que o público espectador pode ter pouco em comum entre si, não há uma característica consensual a partir da qual todos entendam o ser magno. As pessoas que se filiam em alguma das divisões da ICA (digamos, em Comunicação Organizacional ou de Massa) podem ter diferenças metodológicas radicais ou até mesmo propósitos opostos quando comparados aos de outras divisões (digamos, a de Comunicação Popular ou Filosofia da Comunicação). Num contexto com tantas incertezas, uma sessão em que eu tentasse explicar quem sou – passando por meus trabalhos mais populares por causa dos mais novos que nunca ouviram falar de mim – teria pouco apelo. Mas em tal companhia, não tratar de alguma forma de meus trabalhos também não seria uma opção atraente: como seria possível estabelecer as bases para um debate?
1. N.T. International Communication Association (ICA)
Eu queria falar do campo teórico dos Estudos Culturais no qual estou em casa. Mas então aparece o segundo problema: os Estudos Culturais não têm muita relevância na opinião de muitos estudiosos da comunicação, especialmente para acadêmicos americanos de uma tradição positivista tão bem representada na ICA. Na verdade, para muitos deles, os Estudos Culturais mal contariam como um campo de estudo, já que perdeu crédito e foi abandonado depois das guerras culturais dos anos 1990 e de conhecidos escândalos acadêmicos como o engano de Sokal (Sokal, 1996, ver também Bérubé, 2009). Nestas circunstâncias pode parecer imprudente abrir uma discussão crítica sobre um campo que muitos dos presentes podem até ter ridicularizado, dispensado ou esquecido. Seria como entrar na cova do leão para chicotear um cavalo morto2. Tentando ter ideias fui conferir como o formato da aula magna tinha sido incluído na programação do evento. Não foi muito elucidativo: as aulas magnas estão sendo introduzidas este ano e nelas “acadêmicos sênior falarão brevemente sobre seus trabalhos e estarão disponíveis para conversas e para troca intelectual”.
2. N.T. Expressão original: into the lion’s den’ to ‘ flog a dead horse
Os termos que parecem se destacar são breve, conversa e troca. Uma maneira de ser breve e ao mesmo tempo provocar debate seria propor um desafio.
Então decidi fazer isso. Contudo, também queria explicar o que estava em jogo. Decidi fazer uma performance híbrida no evento, em que de fato proporia um desafio para os que estivessem interessados nos destinos dos Estudos Culturais. Ao mesmo tempo levei a sério a parte que falava da aula na expressão aula magna, trabalhando algumas das questões do campo em maior detalhe. Tendo sido pressionado pelo presidente da mesa, Jonathan Gray, a dar um título para a aula magna, criei Estudos Culturais – brincadeira; ou distúrbio infantil?3. Isso foi o que entrou no programa da ICA. A professora Maria Immacolata Vassalo de Lopes esteve presente à sessão e gentilmente me pediu um artigo para publicação. Este texto é o resultado. Primeiramente, o desafio enfrentado pelos Estudos Culturais. Em segundo lugar, o motivo pelo qual acredito que ele seja urgente.
3.Título original: Cultural Studies – just kidding; or infantile disorder?
Brincadeira?
Dizer brincadeira é fazer referência ao próprio espírito descontraído, jovial e perturbador dos Estudos Culturais encontrado nos anos 1970 e 1980 quanto fui atraído por essa área pela primeira vez. O trabalho de escritores como Paul Willis (Do Aprendizado ao Trabalho4) e de Dick Hebdige (Subcultura5), ambos associados ao Centro de Estudos Culturais Contemporâneos de Birmingham, mostrava como a cultura e o estilo jovem poderiam - e deveriam – emergir como foco de crítica cultural. Esse interesse no trabalho dos jovens se coadunou com a teoria linguística de Saussure e de Derrida, acompanhado e auxiliado por iluminações vindas da área de literatura, como a de Mikhail Bakhtin (1993) sobre o carnavalesco, de Roland Barthes (1973) sobre o prazer do texto (jouissance) e de Umberto Eco (1987) sobre a fé no falso propiciando uma justificativa teórica (ou literalmente, um pré-texto) para todo tipo de exuberância semiótica ou discursiva – o jogo de significantes se transformou em Estudos Culturais 101.
4.Título original: Learning to Labour
5. Subculture
Infelizmente para os Estudos Culturais, a proposta de levar o jogo a sério não foi amplamente aceita pela ciência da época como é hoje entre os biocientistas evolucionistas, por exemplo (Konner, 2010). De qualquer modo, os cientistas não deram imediatamente abertura para serem instruídos por não-cientistas, muito menos aqueles da linha dos formalistas, estruturalistas, marxistas, desconstrucionistas ou daqueles assim como eu, que Toby Miller apelidou de “um romântico semiótico até o momento” (2009: 187). Então, a inclinação para a brincadeira, e a inclinação para a valorização do espírito descontraído que caracterizava o início dos estudos culturais levou internamente à inovação e à instauração um campo de estudos perturbador (Lee, 2003). Mas externamente levou à classificação como “inconsequente”, a “brincadeira” = “não é sério” (por exemplo, Morrison, 1998). Tratava-se de um pequeno passo – dado com afinco a partir daquele momento em diante por diversos cientistas, jornalistas entre outros – para levar ao descrédito dos Estudos Culturais como um todo, entendido como um empreendimento em que tudo cabe, tendo poucos vínculos com o real e assumindo valores relativos sem ter nada a ver com Einstein. Fim da história? É realmente o fim de jogo para a abordagem da brincadeira?
Distúrbio infantil
Enquanto isso, a parte do meu título que se refere ao distúrbio infantil diz respeito a um folheto de V.I. Lenin (1920), Esquerdismo, doença infantil do Comunismo, em que ele repreende aqueles esquerdistas do mundo todo que se recusam a comprometer sua pureza teórica ou a participar das instituições existentes e da situação do país (por exemplo, sindicatos, parlamentos), preferindo associar-se apenas aos companheiros que têm a mesma maneira de pensar, mantendo assim a ação diretamente ligada à teoria. Lenin desdenha tal purismo classificando-o como infantil se comparado à política adulta, que implicaria em saber suficientemente bem o que se defende e qual o objetivo, e assim estar apto a trabalhar com – e no interior – de qualquer organização dada ou qualquer conjuntura com o objetivo de fazer avançar a causa. Lenin cita uma afirmação de Engels: Que inocência pueril há em apresentar a própria impaciência de uma pessoa como argumento teórico convincente!
Esse sentimento resume algumas de minhas frustrações com respeito à política gestual ou à retórica do esquerdismo acadêmico com relação ao campo da cultura (só para deixar claro, a frustração está relacionada à parte gestual e não ao esquerdismo). Não importam quais sejam as motivações ou filiações de uma pessoa, o fato de ler sobre elas dentro do objeto de estudo, de modo que um argumento teórico convincente possa ser reconhecido com referência não ao objeto de estudo mas à instância política do analista, é um problema constante nos Estudos Culturais. Certamente não é uma questão restrita somente a esse campo. Tornou-se um hábito de pensamento, um truque retórico, uma norma genérica – e como consequência, uma espécie de requisito colocado para todos os participantes – na escrita acadêmica por toda área de Humanidades e das Ciências Sociais, ao menos na Anglosfera com certeza. É uma forma de preconceito literal (prejulgamento) em que uma pessoa sabe antecipadamente quem são os mocinhos ou os bandidos da história. Num certo nível teórico, apenas o nome de um autor pode ser suficiente para determinar se um argumento é aceitável6.
6. Para uma lista dos “50 mais” dos mocinhos canonizados na área dos Estudos Culturais, o que melhor do que recorrer a um exame de qualificação em Estudos Culturais de uma universidade americana? Para passar na prova os estudantes deveriam escolher 30 entre 54 trabalhos recomendados de: Adorno & Horkheimer, Agamben, Althusser, Anderson, Ang, Anzaldua, Arendt, Barthes, Bobo, Butler, Bourdieu, Certeau, Chow, Clifford, A. Davis, Dubois, Fanon, Fiske, Foucault, Gilroy, Gramsci, Grossberg, Habermas, Hall, Hebdige, Hooks, Laclau, Lipsitz, Lowe, McRobbie, Mulvey, Penley, Radway, Rancière, Rosaldo, Rose, Said, Sedgwick, Spivak, Storey, Venturi, Warner, Williams, Williamson e Zizek. Não classificaríamos muitos desses trabalhos na categoria de brincadeira ou de distúrbio infantil, pelo menos não numa prova, mas é justamente aí que reside o problema enfrentado
pelos Estudos Culturais. (Fonte: Claremont Graduate
University:
Neste ambiente, o recurso retórico é tudo o que precisamos para substituir a evidência por valores. Entre os que acreditam neles, o mundo neoliberal passa ao largo de qualquer necessidade de maior investigação. O que quer que se associe fica sendo irredutível pela maneira auto-evidente. Saber que vivemos um capitalismo tardio ou mesmo numa modernidade tardia é outro exemplo de pensamento positivo (o capitalismo não está dando muitos sinais de estar em seu ocaso). A oposição de Blanket ao mercado é incorporada (exceto pela parte que resulta em venda de livros, ofertas de emprego ou em consultoria para o analista). Este tipo de política, dentro do que Miller chama de “ultraesquerda confortavelmente pura” (2009: 191), está perigosamente perto da má-fé.
Uma variante recente do distúrbio infantil purista obriga os analistas a encontrarem o lado negativo de qualquer possibilidade emergente. Assim, novas tecnologias que mudem as regras do jogo, por exemplo, as mídias digitais e a Internet, podem ser aceitas com espontaneidade por críticos que a adotem cedo, que as estudem rapidamente para publicar artigos sobre seus efeitos nocivos da mesma possibilidade aberta a outras pessoas mais vulneráveis – aquelas nos países em desenvolvimento, ou em grupos sociais desfavorecidos, ou simplesmente a massa de consumidores (um exemplo seria a precariedade”e o trabalho criativo (Neilson & Rossiter, 2005). Essa é uma repetição irônica do mesmo ímpeto em patologizar a vida cotidiana a que os Estudos Culturais se opuseram no campo da Psicologia Social americana com base positivista. Os puristas vêem a crítica como um dever profissional, sem nenhuma obrigação de admirar ou mesmo de admitir que existam habilidades que com essas invenções foram melhoradas e estendidas a milhares de usuários (Hartley, 2009; Potts et al, 2008). O surgimento do novo não é mais do que uma desculpa para recontar a narrativa familiar da exploração capitalista.
Sem Futuro?
Os Estudos Culturais podem ser caracterizados por uma tensão entre as tendências ao jogo e ao purismo. Ao menos ele é parcialmente constituído nelas; continuamente encontrado entre o otimismo Romântico do novo (vamos brincar!) e o pessimismo de Fausto pelo que já é sabido (isso vai acabar em choro!). Talvez seja hora de admitir que ambas as tendências podem ser problemáticas: nenhuma delas transforma evidência em saber que opera para além da Academia. Ambas transformam anedotas e a impaciência de alguém em afirmação de valores que servem para reforçar a solidariedade dentro do grupo num circuito de citação mútua, mas sem explicar o que se passa com o mundo.
Além do mais, outros estudiosos conseguem fazer a parte descontraída melhor do que nós. Notemos, por exemplo, a quantidade impressionante de desenhos atuais e mais antigos, muitos deles ingleses, que agora aparecem nas TVs educacionais e nas televisões que exibem documentários: Tony Robinson, Michael Palin, Stephen Fry etc. Enquanto isso, uma nova geração de empresas ligadas a redes de relacionamento e inovações criativas caçoam da luta de classes e das políticas anticapitalistas e assim unem ganhar a vida com fazer a diferença. Como exemplo, poderíamos até incluir as empresas que trabalham no sentido de melhorar o problema da precariedade global, organizando um trabalho digno, com a utilização de computadores, voltado para mulheres, jovens e refugiados que vivem na pobreza (por exemplo, <www.samasource.org>; <crowdflower.com>).
Assim a provocação que eu pretendia com meu título tem duas facetas – que os Estudos Culturais em seu modo descontraído seria inconsequente, exceto por ser uma perturbação disciplinar (Lee, 2003); e que os Estudos Culturais em seu modo purista (ou paranóico) é um grande erro de estratégia, exceto como área de estudo para teóricos buscando títulos. O objetivo desta provocação é começar um debate sobre as possibilidades de futuro para os Estudos Culturais. A briga entre a descontração e o purismo provocaria uma passagem de um discurso do saber para um discurso de valores? Não precisa ser assim. Como Lenin apontou, o mundo real não é puro, então precisa ser apreendido da maneira que é encontrado: “Precisamos (e devemos) começar… Não com material humano abstrato ou com material humano preparado por nós para a ocasião mas com o material humano que nos foi legado pelo capitalismo”. (Lenin, 1920).
A verdadeira questão, também conhecida por ter sido formulada por Lenin, é : “Que precisa fazer?” (1902). Com o quê o saber dos Estudos Culturais deveria se parecer, o quê seu ativismo deveria fazer? É uma velha questão, mas continua a ser urgente. Minha resposta particular está subentendida no que vem sendo dito até aqui – os Estudos Culturais precisam de uma reformulação, mas só podem conquistar isso com a ajuda e a colaboração externa. A demanda agora é por interdisciplinaridade, pelo que E. O. Wilson (1998) chama de “consiliência” entre as artes e a ciência. Neste contexto ela toma forma do que estou chamando de Ciência da Cultura. A segunda parte deste artigo será dedicada a descrever como cheguei a esta concepção.
A urgência por interdisciplinaridade tem se intensificado ao longo de minha carreira, então ela é urgente como uma reformulação acadêmica geralmente é – por exemplo, você espera 25 anos, ou o tempo que leve para que velhos professores morram até você poder chegar a algo novo. Nesse ponto, você já é um professor velho, e a renovação se faz urgente mais uma vez. Então, embora eu queira argumentar que a interdisciplinaridade é urgente, agora, não consigo imaginar que haja algo de novo nisso.
Antes que eu chegasse ao QUT (Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália) no ano de 2000, minha carreira era dedicada às chamadas Novas Humanidades, contribuindo para que fossem estabelecidos novos campos de estudos em comunicação, mídia, TV, cultura e jornalismo. Nenhum deles existia no Reino Unido quando me graduei em Literatura e Língua Inglesa pela Universidade de Wales nos anos 19707. Esses novos campos foram fundados num pensamento interdisciplinar, reunindo o raciocínio das teorias sociais e textuais, das artes visuais e literárias, da psicologia social e da economia política, sem mencionar os elementos tecnológicos e de prática, de criatividade e elementos vocacionais, oferecidos muitas vezes pelos representantes das indústrias.
7. O Departamento de inglês na Cardiff já era ultrapassado quando estudei lá. O diretor era Gwyn Jones, Cavaleiro da Ordem Islândica do Falcão. Ele estava ocupando essa posição há trinta anos, e até aquele momento nunca havia indicado uma mulher para a equipe. Era um terreno infértil para a inovação disciplinar. Para conseguir isso tive que ir para outra instituição (a Politécnica de Wales), e contribuir para estabelecer uma estrutura departamental diferente (Estudos de Comunicação)
Institucionalmente, embora houvesse forte confiança entre os envolvidos nas novas humanidades de que estaríamos no caminho certo – e para provar isso havia o conhecimento de abordagens conceituais, empíricas e práticas – enfrentamos não menos que uma recepção duvidosa e muitas vezes ativamente hostil por parte das Velhas Humanidades (Inglês, Literatura, Filosofia, etc.). Havia (e ainda há) muitas pessoas ligadas às Artes e às Ciências Sociais que olhavam para as mídias como um objeto de estudo sem valor, acabando em classificações banais de trabalhos desprezíveis, num setor que não precisaria de encorajamento por parte das universidades; muito ao contrário. Assim, não tivemos sucesso em transformar as disciplinas existentes de maneira direta. Na verdade, foi muito mais comum a reunião de refugiados de vários departamentos para começar departamentos novos, com identidades muitas vezes híbridas e instáveis (assim, cada vaga e cada departamento em que já estudei ou trabalhei tem um nome diferente).8
8. Na sequência: School of English & American Studies at the University of East Anglia (1967-8); Department of English at University College Cardiff (1969-75); School of Social & Behavioural Sciences, e depois Communication Studies, na Polytechnic of Wales (1975-84); School of Human Communication na Murdoch University (1985-95); Dept of Media Studies na Edith Cowan University (1995-6); School of English, Communication and Philosophy, e depois School of Journalism, Media and Cultural Studies, at Cardiff University (19952000); Faculty of Arts, e depois Creative Industries Faculty na QUT (2000-11).
Intelectualmente, a interdisciplinaridade envolvia fraquezas e ameaças tanto quanto forças e oportunidades. Como sempre, ela colocava questões de métodos impraticáveis. Como era possível reunir todos esses elementos: leituras críticas com base nas humanidades, uma tradição de ensino preocupada com a formação de um julgamento moral; pesquisa empírica baseada nas Ciências Sociais, habilidades baseadas no trabalho da indústria, conhecimento tecnológico e prática criativa? Isso sem falar dos métodos ligados à inovação teórica, ao engajamento político e à advocacia comunitária que motivaram muitos analistas de mídia do início, no tempo em que o estruturalismo, o marxismo, a filosofia continental e a democratização da educação superior estavam em alta. Essas são questões urgentes ainda – ou de novo – mas para mim, particularmente, elas remontam aos anos 1970; então essa urgência pode representar uma condição contínua, em que o equilíbrio pode nunca ser alcançado e o problema não ser solucionável.
Passado quase meio século, os estudos de mídia, comunicação, cultura e jornalismo ainda não se constituem como disciplinas em seu verdadeiro sentido. Eles guardam o termo classificador estudos para se distinguirem das verdadeiras disciplinas ou das ciências. Ainda assim, a partir de seu início modesto em institutos politécnicos e utilitários sem pompa, estabeleceram-se intelectualmente e institucionalmente no ensino superior do mundo todo, até em belas universidades (exceto em Oxbridge).
Tendo essa formação, eu estava pronto para o desafio das indústrias de criação quando cheguei à QUT no ano 2000 como o novo – e último – Reitor das Artes. Em um ano lançamos a primeira Faculdade de Indústrias de Criação (CIF) do mundo, inaugurada pelo premier do estado de Queensland, Peter Beattie, em julho de 2001. Como reitor fundador tive a chance de dar resposta às tendências e mudanças do ambiente externo, em que a cultura globalizada, as novas formas de mídia, as práticas criativas baseadas no mercado e a escala computacional estavam transformando o domínio do saber bem como o ambiente de trabalho que nossos graduados enfrentariam.
Não preciso dizer que esse empreendimento era interdisciplinar desde o início. Três campos foram fundidos (como cada um deles já era em si multidisciplinar):
– Mídia e comunicações (como referido acima)
– Artes de criação e de performance (incluindo produções para as telas)
– Design digital e interação computador-homem
Na ocasião, mesmo os vizinhos mais próximos acharam que tinham que manter uma boa convivência uns com os outros. Apesar do meu grande empenho para construir uma faculdade com uma escola, rapidamente houve retração em mini-escolas com não menos que 11 “disciplinas”9, cujo principal objetivo parecia ser o de derrubar fronteiras, espacialmente aquelas que foram indicadas a partir da sala do reitor. Mas perseveramos. A CIF tem agora mais de 10 anos, e as tensões interdisciplinares ainda são relevantes, mas entre nós temos conseguido alcançar o melhor desempenho de um complexo disciplinar na Austrália – maiores posições na avaliação “ERA”10. Operada pelo Conselho Australiano de Pesquisa para o Governo Federal, a ERA “avalia a qualidade da pesquisa nas instituições de ensino superior australianas usando uma combinação de indicadores e pareceres por comitês compostos por especialistas experientes e reconhecidos internacionalmente”. Tomando todo o espectro disciplinar, das artes às ciências (exceto Medicina), amplos campos de pesquisa são avaliados (códigos de dois dígitos) bem como áreas de especialidade (códigos de quatro dígitos). As notas variam de 5 (bem acima do padrão mundial) descendo até 1 (muito abaixo do padrão mundial). Nosso campo disciplinar pontuou como se segue:
9. Eram elas: Comunicação e mídia, Jornalismo, Escrita de criação, Filme e TV, Atuação e Produção Técnica, Dança, Drama, Música, Design de Comunicação, Artes Visuais, Design de Moda. Uma década inteira depois, em 2011, uma reestruturação na universidade colocou a escola de Design junto com a Faculdade da Indústria de Criação, somando Arquitetura, Design de Paisagem, Planejamento Urbano e Design de Produto e Industrial à mistura. Até agora a escola de Propaganda, Marketing e Relações Públicas está resistindo à tentação de deslocar-se para a Faculdade de Economia, em que fica sendo o único complexo disciplinar em indústrias de criação a ser oferecido na QUT e que não está integrado àquela faculdade.
10. ERA= Excelência em Pesquisa na Austrália (Excellence in Research for Australia). Fontes:< www. arc.gov.au/era/default. htm> ;< www.arc.gov. au/era/outcomes_2010/Institution/QUT ; ><www.theaustralian.com.au/higher-education/ elite-eight-head-universityresearch-ratings/storye6frgcjx-1225997293930.>
Campo com dois dígitos: Linguagem, Comunicação e Cultura = 5 Especialidade de quatro dígitos:
Comunicação e Estudos de Mídia = 5 Estudos Culturais = 4 Filme, televisão e Mídias Digitais = 3 Jornalismo e escrita profissional = 3 Artes da performance & Escrita Criativa = 3 Artes e produções visuais = 2
Conseguimos a única nota “5” no campo de dígitos na QUT; nosso total de dois 5, um 4 e três notas 3 ajudou a universidade como um todo a conseguir uma nota 3 geral (no padrão mundial) e a situar-se em 10º lugar entre todas as universidades australianas, a posição mais alta entre as novas universidades.
No entanto, mesmo com esse sucesso, a interdisciplinaridade não está assentada de maneira firme na QUT ou, mais significativamente, na ERA, cuja metodologia para pontuação desencoraja o trabalho transdisciplinar. Ainda temos um longo caminho a percorrer.
Nuances institucionais
Independentemente das conquistas no nível institucional (e das dificuldades), a necessidade de interdisciplinaridade não diminuiu. Ao contrário, aumentou. Desde a criação da Faculdade de Indústrias Criativas em 2011, a colaboração interdisciplinar na QUT galgou vários degraus para longe das disciplinas criativas básicas:
– Disciplinas integradas para educação criativa. Essa é a proposta inicial da CIF: mídia e comunicação + artes da performance + design de computadores; para gerar conhecimento e prover graduados para o setor criativo;
– Soluções disciplinares para empresas, políticas e inovações criativas baseadas no consumidor. O estabelecimento de dois centros de pesquisa de primeiro nível em 2005 (CCI e iCi)11 formalizou a colaboração entre cinco faculdades da QUT – Direito, Economia, Educação, Ciência e Tecnologia, e CIF – para trabalhar as questões do caminho para o mercado na cadeia do valor de criação para estratégias de negócio e políticas públicas;
11. CCI = o Centro ARC de Excelência para Indústrias Criativas e Inovações <www.cci.edu.au/>. iCi = QUT - Instituto para Indústrias Criativas e Inovações <www.ici.qut. edu.au/>. CCI é um centro de pesquisa nacional financiado pelo ARC; iCi é um grande instituto de pesquisa da QUT.
– Problemas conceituais da pesquisa interdisciplinar. A incerteza com relação ao papel da criatividade individual nas sociedades globalmente conectadas em rede levantou uma questão para minha Bolsa da Federação ARC sobre os usos da multimídia:12 Como os valores culturais (a produção elaborada de sentido) e os valores econômicos (a produção eficiente de mercadorias) podem ser reconciliados? Por outro lado, isso levou a um avanço conceitual pelo qual a criatividade (tanto humana quanto econômica) poderia ser repensada desde o princípio, através de um diálogo incomum entre a economia evolucionista e os estudos culturais/de mídia;
12. Ver: <www.arc.gov.au/ ncgp/fedfellows/ff_default. htm>; <www.arc.gov. au/pdf/FF05_Selection_ Report_15Jun.pdf>; <www. arc.gov.au/pdf/Fed_Fellow_ summaries_Oct2005.pdf>.
– A ciência cultural.13 Logo ficou claro que há uma necessidade urgente de se aprender a partir das disciplinas afastando-se mais ainda do comum – as ciências evolucionista e da complexidade, e os pensamentos dos sistemas e de rede. Estamos hoje neste ponto; no início da uma aventura de uma arte interdisciplinar/ciência que promete oferecer algumas respostas concretas sobre o problema da criatividade e da inovação;
13. Ver: <http:// cultural-science.org>.
Da maneira como entendo, esta é a história de um esforço sustentado para rever a ordem disciplinar do século XIX de forma que possa enfrentar os desafios educacionais, econômicos, intelectuais e científicos de um mundo cada vez mais caracterizado por interações de cunho individual (incluindo aplicações do talento criativo) com redes globais e mercados sustentados por tecnologias de mídia que evoluem rapidamente.
Humanidades em fluxo
Também vejo uma tentativa de reconectar as Humanidades – constantemente preocupadas com sentido, identidade, relações sociais, e com a criação de valores culturais e humanos – dado o acúmulo de conhecimento em geral, especialmente nas ciências naturais e evolucionistas. Meu temor é que sem essa “consiliência” (nos termos de E. O. Wilson) as Humanidades podem realmente estar condenadas à fogueira, embora tais disciplinas continuem populares entre estudantes de graduação.
Da mesma forma, as ciências lutarão para resolver problemas por vir se não responderem às questões das dimensões humanas e culturais relacionadas aos sistemas, processos e tendências de larga escala.
O fluxo inter ou transdisciplinar que agora perturba as Humanidades oferece uma nova oportunidade de repor as questões de sentido, da identidade e das relações sociais (na criação de valores humanos e culturais) ao relacionar essas preocupações com uma nova concepção da dinâmica das mudanças nos mercados globais, nas novas tecnologias (por exemplo, a criação de valores econômicos), no acúmulo de conhecimento como um processo de evolução sistêmico e complexo.
Fases externas: criatividade – “Onde diabos você foi?”
Voltando-nos para as indústrias de criação em si mesmas, antes dos anos 1990 este termo era quase desconhecido. Desde então, ele tem provocado um debate acalorado, motivado principalmente por discordâncias em relação a definições, confusões conceituais e princípios institucionais comprometidos. Em outras palavras, a ideia – a identidade mesma – das indústrias de criação emergiram não da epistemologia disciplinar mas do corte e do impulso das estratégias de negócio, das políticas públicas e, talvez com mais influência, da queda de braços entre o regional e o nacional.
Assim, a identidade ainda incerta do setor de criação foi forjada pela mudança no desenvolvimento tecnológico, econômico e cultural e pelo choque entre motivações incompatíveis dos vários agentes e empreendimentos. O debate até aqui tem se concentrado em dois problemas impraticáveis: primeiro, o que são as indústrias de criação (o que têm em comum); em segundo lugar, qual seu alcance (que fenômenos diferentes são necessários para caracterizá-las)?
No ponto em que estão as definições, até última verificação, meu colega Jason Potts (2008) identificou 17 delas, incluindo uma feita por economistas clássicos ou do Tesouro que dizem: “Não há nada aqui mesmo...” (ou seja, as indústrias da criação são como qualquer outra).
14. Para uma lista de definições, ver Potts, 2008; e para Onde diabos você foi?, ver Potts & MacDonald, 2011.
Potts e Cunningham (2008) enumeraram quatro tipos de resposta da política econômica para esse caldo de definições:
1. Fluência do mercado (subsídio à arte e às políticas de “bem-estar”;
2. Competição (políticas padrão das indústrias);
3. Crescimento (políticas de investimento e crescimento);
4. Inovação (políticas de inovação).
Apesar deste progresso analítico, evidentemente será difícil desenvolver uma ciência a partir deste campo tão confuso. Ele certamente demonstra o caráter de um saber contestado. Muito embora o avanço iterativo esteja construindo novos saberes, não há um objeto de estudo consensual, nenhuma teoria ou ponto de partida conceitual agregador, e nenhuma metodologia conceitual. Ao contrário, há uma necessidade urgente por interdisciplinaridade.
Nuances da indústria
Enquanto isso, também se provou ser difícil mensurar o alcance das indústrias da criação. A jornada para alcançar clareza conceitual e uma análise incisiva deve levar em conta um ambiente dinâmico e turbulento, em que as indústrias da criação em si (e não só o estudo disciplinar delas) estão se afastando de um aglomerado industrial incipiente e indo em direção a um contexto mais amplo, tanto econômico quanto cultural. Identifiquei quatro fases das indústrias de criação (Hartley, 2010):
1. CI-1 Núcleos de criação (canal restrito de especialistas). A definição inicial da “indústria” para as indústrias de criação: cerca de 14 setores dando saída à produções de criação (DCMS 2001);
2. CI-2 Economia da criação (sistema aberto de especialistas). Entradas criativas (serviços B2B) agregam valor na economia; negócios em todos os setores agregam valor através da inovação criativa;
3. CI-3 Cidadãos criativos (rede aberta de inovação). Conteúdo criado pelo usuário, empreendimento do próprio consumidor, movimento de fonte aberta, cultura da nuvem15, cultura DIY16, microprodutividade;
4. CI-4 Cidades criativas (sistemas adaptativos emergentes). Sistemas que se auto-organizam para gerenciamento da complexidade e da inovação, tanto no incremento (especialização) quando na arbitrariedade (mudança obtida por acaso, choque, conflito entre sistemas). As cidades (onde agora reside mais da metade da humanidade) são o lugar em que as indústrias da criação, da economia, da cultura e da inovação intercambiam e onde o empreendimento como pensado por Schumpeter prospera.
15. N.E. Cultura da nuvem ou computação em nuvens: envolve a computação móvel, redes e comunicações sociais e suas implicações sociais e políticas.
16. N.E. DIY, de Do It Yourself (do inglês faça você mesmo). O acesso à Internet só aumentou esse movimento e cada vez mais pessoas optam por buscar conhecimento e executar seus projetos.
Este é o ponto em que estamos agora. Tal história não é bem definida e certamente não progride de forma linear, já que cada fase complementa mais do que suplanta a anterior. Algumas jurisdições nunca se alteram de uma fase para a seguinte, ou não fazem conexões entre os vários estágios. Há tensões reais aqui também. O núcleo da indústria CI-1 origina um modelo completamente diferente com relação à propriedade intelectual se comparado à cultura baseada no usuário como em CI-3, por exemplo. Isso resulta numa abordagem bem diferente para a questão do copyright, do controle sobre direitos digitais e da necessidade regulatória (ver Smiers & van Schijndel, 2009). Da mesma forma, há grande diferença entre as indústrias da criação consideradas como mercados de mídia globais, como prática artística de patrimônio público, como um conteúdo coproduzido com o usuário, e como cenas urbanas baseadas localmente.
De todo modo, estou propondo que as quatro fases descritas acima também se constituam como quatro modelos diferentes de criatividade. Tais modelos não estão baseados na tentativa de definir cada vez mais precisamente como a criatividade é uma indústria mas, ao contrário, em mostrar como é necessário que ela seja entendida como estando a uma distância cada vez maior da indústria. Muito embora cada modelo subsequente, que em escopo e alcance social engloba o anterior, pode parecer um modelo econômico de criação cada vez mais amplo:
1. Núcleos: Indústria (CI-1)
2. Serviços: Economia (CI-2)
3. Cidadãos: Cultura (CI-3)
4. Cidades: Complexidade (CI-4)
É só quando se chega aos estágios 3 e 4, em que a criatividade alcança dimensões culturais que englobam as cidades, mais do que estarem confinados a processos de produção situados em empresas, que as conexões entre cultura e economia, talento individual e escala social podem ter atenção. Esta ideia se coaduna com a conceituação feita por Patrik Aspers com relação aos mercados como “ordens parciais” econômica (2010: 9). Aspers defende que “os componentes que são centrais para o entendimento dos mercados – identidades, valores, estrutura social e a cultura – são construídos cooperativamente” (2010: 171). Os mercados da criação são construídos cooperativamente em CI-3 e CI-4.
Ademais, não é apenas neste ponto que é possível se dar conta do desenvolvimento das TICs, das mídias digitais e da Internet. Em outras palavras, se confinamos a noção das indústrias da criação para as disciplinas da criação tradicionais (quase análoga) e suas formas industriais ou ocupacionais, nunca será possível perceber a importância – tanto econômica e cultural – de consumidores como agentes, de conteúdos criados pelos usuários e da crescente escala das redes sociais possibilitadas pelo computador. Como estes são motores importantes das indústrias da criação, precisaremos de todos os quatro modelos para podermos começar a desenvolver uma ciência que possa explicar a inovação criativa, independente da integração entre valores culturais e econômicos.
Como levar em conta a criatividade? Ela é ao mesmo tempo um atributo humano (talento inventivo individual), uma fonte institucional de valor cultural (as artes da criação e da performance), e um recurso da economia nacional (as indústrias midiáticas e de criação). Embora entendamos que estejam interligados, poucos avanços foram feitos para unificar o conceito, que continua sendo caótico, de senso comum e dependente de um contexto. A Ciência da Cultura, uma iniciativa minha no CCI desde 2008, tenta sistematizá-lo partindo de seus princípios, acompanhando trabalhos das teorias evolucionista, da complexidade e das redes; por exemplo, Arthur (2009), Anderson (2006), Barabási (2002), Beinhocker (2006), Lotman (1990; 2009), Zittrain (2008), entre muitos outros.
Um ponto de partida possível é o trabalho do ganhador do prêmio Nobel, Elinor Ostrom (ver, por exemplo, Poteete, Janssen & Ostrom, 2010; Hess & Ostrom, 2006). Aqui temos um modelo para a elucidação deste quadro de princípios e regras para criação como um recurso de domínio comum na “evolução das instituições de ação coletiva” (Ostrom, 1990). Enquanto o trabalho de Ostrom relaciona-se com a governança dos recursos de domínio comum, a ciência cultural dita as regras para a emergência e organização da ação criativa nos sistemas mediados, em que a linguagem, o símbolo e a comunicação são manipulados para amarrar a identidade individual e a expressão com propósito cultural, social e econômico.
Essa tendência está alinhada com meu interesse duradouro na “semiótica democrática” (Fiske & Hartley, 1978: 193-194; Fiske, 1987), termo obtido recentemente pelo professor de direito Terry Fisher (2004: 133) em oposição a restrições desastrosas que impedem as pessoas de fazerem usos criativos das mídias. Se a democracia semiótica é “simplesmente o ideal mais importante citado pelos acadêmicos que imaginam uma relação utópica entre o direito, a tecnologia e a cultura democrática” (Katyal, 2006), então os recursos de domínio comum da Internet oferecem uma oportunidade sem precedentes de transformação desse ideal na realidade cotidiana.
Concentrando-nos na noção de produtividade criativa, que pode ser definida como o trabalho criativo apropriado para novos usos por outras pessoas, a ciência da cultura utiliza uma abordagem cultural e econômica integrada para estudar o agenciamento, a escolha, a geração e a emergência da novidade nas mídias comunicacionais, especialmente nas redes digitais. Usando essa abordagem, a produtividade da criação pode ser mapeada coerentemente em três níveis de complexidade, com múltiplas implicações práticas (Dopfer et al, 2004):
• Micro: o pessoal
• Meso: institucional
• Macro: cidade/regional ou de amplitude populacional
Disciplinarmente, muitos observadores sustentam que há uma divisão fundamental entre as artes e a cultura, por um lado, e pelas forças da economia e do mercado, por outro (Gray, 2010; Hutter & Throsby, 2008); e que as pessoas comuns agem na maioria das vezes como observadores e consumidores, resultando em sua exclusão do agenciamento independente pelos interesses dos poderosos ou da elite (Deuze, 2007; Ross, 2009). Aquela indiferença, que em sua maior militância é um exemplo da perturbação infantil mencionada anteriormente, é derivada de uma crítica modernista à sociedade de massa (O’Connor, 2009; 2010). Continua academicamente forte (Gibson, 2007; Miller, 2007; Turner, 2010) independentemente das mudanças sociais e tecnológicas.
Entretanto, como defendemos anteriormente, um embate entre cultura e mercado gera apenas impasse: nenhum dos dois lados tem em conta repensar nossa conceituação geral de criatividade. Por isso, as ideias mais criativas vindas de populações leigas não são nem valorizadas e nem levadas em conta. Elas não são sistematicamente aproveitadas, coordenadas e levadas a uma utilização mais ampla no todo do processo de inovação na sociedade. A Ciência da Cultura objetiva fazer com que esses recursos de criação significativos, mas inexplorados, tornem-se analiticamente visíveis e, consequentemente, levados em conta.
Existem já muitos indicadores de como a criatividade do usuário pode tornar-se o motor de um empreendimento tanto cultural quanto político (Leadbeater, 2008; 2010), mas estes exemplos não foram marcados pelas regras definidas em comum que possibilitam uma descrição e uma análise coerente, e também não foram marcados pelo fato de que o campo cultural é bastante ocupado por grupos com interesses específicos exigindo atenção especial para suas próprias atividades contra a causa de outros. Enquanto isso, as fronteiras cada vez mais indefinidas entre produtores e consumidores, profissionais e voluntários, especialistas e amadores, analistas e ativistas, estão sujeitas a mais reformulações baseadas em demandas. No entanto, a necessidade é por um modelo de coordenação das atividades de todos os lados para uma produtividade mutuamente melhorada, como ocorre em ciências como a Astronomia, em que amadores e profissionais são felizes codependentes (Schroeder, 2007; Meyer & Schroeder, 2009).
A ciência cultural precisa desenvolver uma teoria geral da produtividade da criação para esclarecer onde os recursos e investimentos, tanto públicos quanto privados, poderão estimular um futuro mais criativo e competitivo para os indivíduos, organizações, cidades/regiões. Colocando esse importante ponto de uma outra forma, a ciência cultural procura relacionar microexplicações da produtividade da criação (produtividade cultural do significativo, relações sociais e identidades na vida cotidiana) com explicações de nível meso, familiares nas áreas de economia e do fazer político (produtividade econômica de firmas e instituições). É evidente que embora o saber disciplinar seja abundante em ambos os níveis, disciplinas diferentes estão envolvidas e elas não têm tradição de conversarem umas com as outras, muito menos de traduzirem seus insights entre si. O nível micro foi retomado nas artes e nas humanidades como o estudo e a prática do talento individual e sua produtividade; o nível meso é estudado na área de Economia e das Ciências Sociais. Cada complexo disciplinar ignora e é até mesmo hostil aos métodos, insights e propósitos do outro. Entretanto, eles são ordens parciais, devotados ao estudo de outras ordens parciais em níveis diferentes de complexidade. Precisamos colocar isso em perspectiva.
Contudo, as tentativas realizadas até hoje para tratar da produtividade criativa através de qualquer uma dessas instâncias disciplinares têm constantemente deixado algo de lado, algo que podemos pensar como sendo a questão negra do universo digital; por exemplo, a maior parte dele permanece de qualquer forma sem ser vista mesmo com o uso das tecnologias de observação disponíveis. As disciplinas das artes-Humanidades estão interessadas no talento individual, certamente, mas não apenas no talento de qualquer um. Para ser notada, a criatividade individual deve ser carismática de alguma forma, seja como a expressão de um gênio kantiano, ou tendo sucesso na “economia da atenção” contemporânea (Lanham, 2006) que transforma individualidades em celebridades. As artes e as humanidades, em resumo, raramente consideram que a produtividade da criação seja resultado do que populações inteiras fazem. Por exemplo, no contexto do trabalho desenvolvido durante uma década sobre a economia da criação (DCMS, 1998; Bennett et al, 2008; Hartley, 2005; Cunningham, 2011), houve progresso no entendimento, na medição e no aproveitamento da produtividade no nível médio, entre firmas e instituições culturais (por exemplo, o setor GLAM17). Menos progressos foram alcançados, seja teoricamente ou no empreendimento e na aplicação política, no sentido de levar em conta o que as pessoas comuns fazem, em redes sociais e nos mercados das redes sociais (Potts et al, 2008), utilizando os quase incomensuráveis recursos comunicativos e criativos à sua disposição no curso da vida cotidiana.
17. N.E. GLAM, acrônimo de Galerias, Livrarias, Arquivos e Museus.
Há um entendimento generalizado de que o público espectador das mídias e seus consumidores não são mais (se é que algum dia o foram) receptores passivos de mensagens que eram centralmente controladas (Gauntlett, 1998; 2005). Muitos estudos têm mostrado que os consumidores também agem como produtores, como editores e que em redes organizam a si próprias; o “turno participativo” tem sido apontado amplamente (Uricchio, 2004, Jenkins, 2003, 2006, 2007, 2009). Entretanto, excluindo-se alguns estudos de casos de pequena escalada ou com horizonte restrito (por exemplo, Burgess & Green, 2009; Bruns, 2005; 2008), ainda não há um senso integrador da produtividade criativa da massa cotidiana. Nem as políticas de arte e nem a economia estratégica visam explorar ou estendê-la. Usando o aparato disciplinar que herdaram (opondo-se à sua experiência humana, talvez), as melhores mentes na área de Humanidades e de Economia nem sabem que isso está ali.
De qualquer modo, seu valor está diariamente em exposição, e não apenas no florescimento do conteúdo criado pelo usuário na Internet, embora isso torne mais fácil sua visualização. Um exemplo à mão no meu próprio bairro é o trabalho de equipe espontâneo, auto-organizado, entre milhares de cidadãos no despontar das enchentes de 2001 em Queensland (Austrália), que trataram a comunidade local em si mesma com um recurso de domínio comum orsoniano em termo do esforço voluntário. A microprodutividade de massa entrou em ação. Foi relacionada de maneira bem-sucedida com os esforços de coordenação das agências oficiais do nível médio, incluindo a polícia e os serviços de emergência, para ajudar as vítimas das enchentes. Cerca de 55 mil voluntários apareceram para limpar a sujeira provocada pela inundação.18
18. Ver: <www.smh.com. au/environment/weather/ salvation-comes-withbrooms-and-gumboots20110115-19rv6.html>.
Organizações instantâneas online como a bakedrelief.org ou Truck-of-Hope ganharam vida e vieram à ação, e uma miríade de usos das mídias sociais como Facebook e Twitter possibilitaram grupos formais e informais a compartilharem da mesma forma informações e coordenarem a participação (Cheong & Cheong, 2011).
Aqui, eu diria, temos o exemplo de algo mais geral: que o impasse disciplinar no entendimento sobre a produtividade da criação resolvido na prática pelos próprios usuários, nas ações de agências auto-organizadas (sem gerência) que demonstram uma consiliência experimentada entre criatividade espontânea (arte e Humanidades) e a produtividade organizada (Economia). As possibilidades da cultura assim como as da tecnologia – culturas tecnologicamente equipadas, se quiserem – reúnem agências microprodutivas e formas mesoinstitucionais. Nossos protocolos disciplinares precisam aprender com a vivência de campo: o agenciamento da criatividade individual e a produtividade no nível do sistema podem ser entendidas e investigadas usando o mesmo modelo.
Dando uma “guinada”
A pesquisa em mídia e em comunicação, que agora já dura há mais de uma geração, desenvolveu um ferramental conceitual, abordagens, métodos e estudos de caso que demonstram a centralidade da comunicação mediada tecnologicamente entre a população comum na sociedade moderna (Baym, 2009; Bird, 2003; Papacharissi, 2010a; 2010b). Tem sido efetiva em delinear a política da vida comum mediada, mas menos interessada em sua produtividade. Permanece uma falha na aplicação de seu poder de explicação para a política corrente e para a estratégia de negócios; a relutância em atualizar modelos de comunicação politizados que levem em conta a transição possibilitada tecnologicamente, passando da influência de uma via única para mídias participativas e criadas pelo usuário.
Ao mesmo tempo, a pesquisa em comunicação não está sozinha; é influenciada pelas tendências que fluem por outros domínios de conhecimento de formas diferentes. Eles geralmente passam por transformações intelectuais em comum. As ciências deram a guinada cultural no final do século XX; a teoria social realizou uma guinada participativa mais recentemente (Bonnell & Hunt, 1999; Jacob, 1999). Agora, parece que uma nova guinada está varrendo diversos domínios disciplinares, incluindo a economia. Pode ser chamada de guinada microprodutiva.
-Talvez o mais famoso, começou com microfinança (Grameen Bank).
-Um impulso similar pode ser traçado através do conceito de microtrabalho ou de terceirização com base em valores de empresas como SamaSource e CrowdFlower, em que as tarefas digitais como entrada de dados e recuperação de dados são divididas e distribuídas para uma mão de obra global e on-demand, incluindo pessoas marginalizadas, por exemplo em campo de refugiados.
-microgeração de força elétrica (Martin, 2009).
-Tem afetado o âmbito da propriedade intelectual, antes assegurada pelas firmas e agora inundando os pormenores da vida cotidiana, impactando todos que usam um aparelho eletrônico (Montgomery, 2010; May & Hearn, 2005). Algumas firmas já procuram monetarizar “micro-copyright”, dando margem a uma nova política da propriedade intelectual (Smiers & van Schijndel, 2009).
-Seu futuro pode ser dividido entre o que pode ser conhecido como desktop – ou micromanufatura, originando do 3D – e bioimpressão, incluindo a fabricação de casas com código em rede, para uso pessoal ou como parte de uma engenharia digital distribuída (Craft Austrália, 2010; Rosas-Guyon, 2010).
Deste modo, uma tendência geral na direção de explorar a microprodutividade é observável na vida econômica, ambiental e criativa. Mas isso é atualmente o aspecto menos investigado da produtividade criativa. Os acadêmicos com um background em mídia tendem a ver a produtividade como resultado de uma produção midiática ou textual, que é produtiva de significados. Os economistas vêem a questão tal qual a Comissão de Produtividade – como eficiência industrial.19
19. A Comissão de Produtividade é uma agência do governo australiano cujo objetivo é “melhorar a produtividade e a performance econômica, reduzir regulações desnecessárias, e encorajar o desenvolvimento de indústrias australianas eficientes e competitivas internacionalmente”. Ver: <www.pc.gov.au/ about-us/principles>.
Independente das histórias e dos usos serem diferentes, ambas as noções de produtividade são úteis, com sobreposições assim como diferenças (von Hippel, 1988). Dado o crescimento das redes globais como a Internet, a microprodutividade pode ser aproveitada por um sistema de distribuição eficiente, em comum com outros sistemas de engenharia como energia, informação eletrônica etc. (Barabási, 2002).
A microprodutividade criativa
A investigação da microprodutividade criativa na mídia, nas artes e nas redes sociais oferece um campo experimental de grande dinamismo e que pode render diretrizes para entender como uma pluralidade de agentes individuais contribui para a criação de novos sentidos e valores em sistemas complexos de larga escala. Combinando mídias e perspectivas econômicas, uma definição de microprodutividade da criação para a Ciência da Cultura pode ser ensaiada. É a geração e emergência de novidade e de variedade, como a inovação, em sistemas complexos, multiagentes, multiníveis e multivalente, tecnologicamente equipados, combinando:
A chave conceitual aqui é a emergência e produtividade da inovação e descoberta (Leadbeater 2008, 2010; Leadbeater & Wong, 2010; Shirky, 2006); não simplesmente aquela da eficiência da produção nos processos existentes.
A microprodutividade requer redes sociais, reais e virtuais. Dado que as novas ideias não são inovadoras até que sejam implementadas, a inovação dessa forma é pesadamente dependente de um “aprendizado social” (Thomas & Seely Brown, 2011; Lanham 2006), através da participação disseminada na interação mediada, incluindo a cultura DIY-DIWO (Kera, 2011). Por outro lado, o aprendizado social em si mesmo é uma força poderosa na disseminação de ideias – as pessoas copiam, usam, reformulam e comunicam ideias que acharam úteis, espalhando assim as ideias e as atividades associadas.
O verdadeiro processo de aprendizado social através da comunicação e da absorção indiscriminada de ideias usando as mídias disponíveis é talvez tão antiga quanto nossas espécies. O que é novidade é a escala na qual a disseminação de ideias é possível hoje, usando a Internet e outros aplicativos digitais. Por esse motivo, recentemente é possível acompanhar o processo mesmo de aprendizado social através da recuperação de dados dentro das mídias e redes sociais. Assim, onde a microproutividade identifica a agência criativa na escala micro, o aprendizado social indica como ela trabalha na escala meso (organizacional) e macro (sistemas coordenados), que é onde a inovação pode ser observada. Dessa forma precisamos identificar até que ponto a microproudtividade e o aprendizado social, juntos compõem um campo de experimentação, adaptação e emergência de sistemas em rede.
Em termos práticos, é aí também que o potencial econômico e cultural dos investimentos em infraestrutura como em banda larga (na Austrália, a NBN ou Rede de Banda Larga Nacional) pode ser entendida como sendo mais do que simplesmente outro sistema de distribuição para fazer chegar produtos a consumidores (NBN, 2010: 12). Ele pode ser reimaginado como um sistema de compartilhamento tanto de criatividade quanto de aprendizado entre muitos (livre escala) sites e agências produtivas para além das firmas e profissionais chegando à agência produtiva da totalidade da população, algumas sendo localizadas em casas ou como autônomos, alguns surgindo da própria dinâmica da rede mesma, e outros aproveitando o conhecimento disseminado por várias fontes (multidão de fontes) para incluir a produtividade dos usuários. A banda larga pode ajudar a lançar e desenvolver o potencial criativo da população comum, mas isso apenas se o processo de surgimento da criação e da organização produtiva for entendido de maneira correta, nutrido e coordenado como parte de um movimento maior na direção da “inovação centrada no usuário” (von Hippel & Chen, 2008).
O modelo mais antigo de tal sistema é o sistema da linguagem ou, mais exatamente, a semiosfera (Lotman, 1990). O mais antigo de tal agência é o do jogo (Konner, 2010, Lotman, 1977, Thomas & Seely Brown, 2011). Em outras palavras, os recursos para a inovação, as regras para sua organização e os meios pelos quais se faz sentido dele a partir de sistemas inteiros já eram parte dos Estudos Culturais 101. Um trabalho que foi pensado para ser ou muito teórico (linguística estrutural-formalista) ou muito inconsequente (jogo) para o gosto da ciência positivista social e a economia neoclássica tornou-se central quando ligada à agenda evolucionista. A linguagem é a rede Barabasiana para a microprodutividade mais elaborada e evoluída que se pode pensar; e o jogo é um protocolo para o aprendizado social, para a experimentação naturalista, para o aprendizado pela feitura e pela cópia, utilizado por qualquer um para o desenvolvimento e manutenção de redes sociais e de relações colaborativas/competitivas como parte da formação e reforço da identidade individual e grupal. Dessa forma:
Uma das prioridades para próximas pesquisas em Ciência da Cultura, assim, é identificar como e até que ponto as inovações práticas podem ser resultantes da combinação da produção de sentido digitalmente equipada no caso da microprodutividade com o aprendizado social descontraído, para acrescentar a uma ecologia da inovação que até aqui reconhece apenas a inovação com bases firmes na ciência e na tecnologia (por exemplo, um modelo de consideração de especialistas). Precisamos descobrir como tais inovações surgem e operam nos três níveis interconectados de complexidade: pessoal (comunicação), institucional (mídias) e baseado no lugar (cultural). Mais uma vez, estas são questões centrais para os Estudos Culturais bem como para a Economia e as ciências da complexidade.
Criatividade integrada numa cultura tecnologicamente equipada
Este gráfico de 2010 produzido por analistas da IDC (International Data Corporation20) mostra tanto o potencial de agenciamento criativo quanto a escala de conectividade digital no que denominam como Universo Digital (IDC, 2010).
O diagrama deixa claro que a maior parcela da criatividade no universo digital continua sendo uma questão negra – é desconhecida da Empresa, e as firmas não são mais os agentes da inovação como foram um dia. Mas o empreendimento mediado da interação criativa e autodirigida entre todos os agentes do sistema aumenta de escala a cada ano (Halavais, 2009). A escalada dos conteúdos gerado pelo usuário pressupõe as próprias ações de um público ativo, não suas reações comportamentais, são o campo mais importante de pesquisa sobre a mudança dinâmica nos sistemas de mídia/culturais.
Este tipo de trabalho precisa urgente de colaboração interdisciplinar e inter-setorial, da mesma forma que o CCI conseguiu entre os especialistas locais e internacionais de mídia, direito, educação, administração e TI. Além disso, é necessário forçar, experimentar a “consiliência” entre as ciências da cultura e econômica, não apenas no intelectual mas também no nível institucional. Precisamos desenvolver equipes interdisciplinares, aproveitando o que as disciplinas oferecem:
Esta é a base para a solução de problemas transdisciplinares e intersetoriais nos campos do consumo de criação, cultural e econômico. Também relaciono um grupo de colegas locais e internacionais que está em expansão com parceiro nos negócios, no governo e no setor de criação. Tais parceiros incluem alguns colaboradores significativos, com quem temos trabalhado e publicado desde que projeto da ciência cultural foi lançado em 2008.21
21. Ver: <http://culturalscience.org/journal/index. php/culturalscience/ issue/archive>.
Com tal consiliência, o ferramental para moldar e mensurar a mudança dinâmica em sistemas de criação pode ser adaptado da Matemática, da Teoria da Complexidade, da Economia e da Teoria dos Jogos. Um exemplo acessível do que pode ser conquistado nos termos do que foi articulado numa abordagem da culturomics 22, usando o arquivo de livros digital do Google, o gigante do saber. A culturomics é a aplicação da coleta de alta performance e da análise de informações para o estudo da cultura humana” (Michael et al, 2010). Uma aplicação tentadora é retraçar o posicionamento relativo de diferentes palavras através do números de textos e a observação de períodos longos.
22. Culturomics é o nome dado à metodologia utilizada para realizar o projeto de pesquisa citado.
Abaixo temos alguns exemplos que circularam amplamente. Primeiro, a trajetória de duas palavras cultura e sociedade desde 1800, mostrando a recente emergência proeminente da palavra cultura desafiando a hegemonia da sociedade como um termo explicativo. De maneira similar, uma comparação entre quadros explicativos derivados da Psicologia, da Sociologia e da evolução, respectivamente, desde 1900 mostra como quadros explicativos psicológicos dominam, mas agora estão sendo alcançados – se não desafiados – pelos evolucionistas. E, finalmente, é interessante ver como mídia ofuscou imprensa como termo, desde 1900.
Tratando da emergência da culturomics com o título desafiador “As ciências invadem as Humanidades”, The Economist (2010) publicou uma história sobre o espectro da língua inglesa como é captada em métodos lexicográficos em comparação com a culturomics. Este último foi usado para isolar “1 - grama” (linha lexical – fenômeno previamente conhecido como palavras), revelando dessa forma que o inglês é duas vezes maior quando captado na OED (Oxford English Dictionary), o dicionário lexicográfico mais abrangente; e – o que é mais interessante – que ele dobrou seu vocabulário desde 1950.
A implicação de tais experimentos para a minha disciplina de origem, estudos de mídia e comunicação, é que ao invés de ficarem satisfeitos com as comunidades imaginadas (Anderson, 1991), influências comportamentais ou efeitos midiáticos contestados, hoje é possível desenvolver e testar o conceito de aprendizado social para substituir aquele da influência ou efeito midiático, pois a escala e as escolhas das comunidades mediadas podem agora ser mensuradas e analisadas, e não simplesmente imaginadas, como sempre foi o caso de conceitos como público leitor ou esfera pública. Combinado com o conceito de microprodutividade é oferecida uma abordagem que integra cultura e economia no estudo do agenciamento, escolha e emergência da novidade em sistemas que operam em amplas escalas pessoais e populacionais.
Todo tipo de país; todas as políticas das agências
Os resultados serão críticos para políticos, não apenas em países desenvolvidos em que o uso da Internet já é disseminado, se não universal, mas também em países emergentes ou em desenvolvimento, segundo essa gradação:
• Avançado (por exemplo, Austrália)
• Emergente (por exemplo, China)
• Em desenvolvimento (por exemplo, Indonésia, Tailândia, Filipinas)
Muitas agências internacionais são ativas no sentido de planejar economias criativas. Isso inclui órgãos da ONU como UNDP, UNESCO etc., assim como agências especializadas da ONU como OMPI, o FMI e o Banco Mundial. As firmas de consultoria privada são ativas, de marcas multinacionais como a KPMG, McKinsey e PwC,23 as especilistas no ramo, como a consultoria BOP ou grupos como Demos e a Fundação Mundial. Este é o agitado campo interdisciplinar da interface arte/ciência em que os valores culturais e econômicos são capazes de integrar não apenas o que já são ricos.
23. Ver, por exemplo, <www.pwc.com/gx/en/ global-entertainmentmedia-outlook/ index.jhtml>.
Inovação emergente
Está em jogo uma estratégia de desenvolvimento integrada para inovação emergente em todos os níveis:
É por esse motivo que a interdisciplinaridade é urgente; e a razão pela qual precisamos de uma Ciência da Cultura cedo, não tarde. A maior parte da criação no universo digital passa a ser notada na prática política e industrial e não levada em conta numa estratégia cultural ou econômica para as indústrias da criação. Precisamos inventar maneiras de catalisar essa produtividade da criação, mostrando como as contribuições do usuário podem colaborar para
o aprendizado social e para o avanço econômico e cultural. Para isso, precisamos reconhecer que tipo de abertura o sistema de inovação da criação oferece e como ele funciona, tanto cultural quanto economicamente. Até agora, as interdisciplinas da criação têm sido incapazes ou não têm tido ímpeto de nos dizer. Então precisamos falar com seriedade com as ciências. Elas também tem se transformado rapidamente no acordar dos avanços evolutivos, das teorias da complexidade e avanços computacionais das últimas décadas. Elas estão desenvolvendo paulatinamente uma árvore do saber de suas próprias abordagens sobre a evolução cultural, tanto nos níveis macro quanto micro de análise (Mesoudi, 2010: 9, ver figura abaixo), em que a estrutura das ciências biológicas seguindo a síntese evolucionista (lado esquerdo) é mostrada paralelamente a uma estrutura equivalente de uma ciência cultural evolucionista (lado direito):
Árvore do saber de Alex Mesoudi sobre a evolução da ciência da cultura
Fonte: <http://cultural-science.org/journal/index.php/culturalscience/article/view/35/109>.
De maneira alarmante, as abordagens com base nas Humanidades não aparecem em nenhum lugar dessa árvore (ver também Mesoudi, 2011). O saber sobre a cultura produzida hoje pelos Estudos Culturais não é significativo ou suficientemente visível até mesmo para contar como um saber na melhor prática de investigação científica sobre a cultura. Não deveríamos permitir que essa situação continuasse sem ser problematizada, pois os Estudos Culturais têm, sim, algo a oferecer. Relacionando as abordagens das Humanidades sobre identidade, relações e sentido com as da ciência sobre rede, escala e mudança conseguiríamos reconhecer e então avaliar a produtividade de todos os agentes envolvidos no sistema para a criação e não apenas de especialistas que se beneficiaram da exclusividade disciplinar no passado (Shirky, 2010; Hartley, 2012, cap. 4). Em outras palavras, a questão negra do universo digital – produtividade criativa com dimensões populacionais – torna-se visível, contável, e (no melhor sentido da palavra) explorável. A perspectiva é de que tenhamos que esperar outros trinta anos para colocá-lo no radar do saber. Assim, não temos tempo a perder.
Artigo traduzido do inglês por Andréa Limberto
Artigo recebido em 20 de agosto de 2011 e aprovado em 24 de setembro de 2011.
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