A MÃE-MÁ: REFLEXÕES SOBRE CONTOS DE FADAS FRANCESES
DOI:
https://doi.org/10.11606/issn.2316-3976.v3i5p176-188Palavras-chave:
Bruxa. Mal. Contos de fadas.Resumo
A bruxa constituiu uma das mais populares criações do homem e sua permanência em nossas consciências concede existência e perenidade à personagem. Ela foi uma personagem que, na Idade Média, ninguém ousava se aproximar. Nesse momento, o discurso em circulação determinava que era uma inimiga, agente da desordem e do Mal. Essa visão negativa foi passando, progressivamente, da representação histórica para a representação literária e contribuiu para a construção de uma memória coletiva desse “tipo feminino”. Assim sendo, os estudos históricos e literários esforçam-se para recuperar e esclarecer as especificidades dessa personagem. Na literatura, a bruxa, representada pela mãe-malvada, encontra-se em inúmeras narrativas de contos de fadas como, por exemplo, as do autor Charles Perrault que, aos olhos da posteridade, inaugurou os contos de fadas como forma literária infantil. Isto posto, o presente artigo, tomando como base as pesquisas de Bruno Bettelheim (1980) e Mariza Mendes (2000), por exemplo, discutir-se-á, como a bruxa, descrita como uma mãe malvada, é representada nos contos de Charles Perrault. Para isso, estudaremos como Perrault se apropriou de imagens que a simbolizam, criando representações que tornaram a “malvada” uma evidência no que se tornaria o gênero literatura infantil, uma vez que sabemos que os contos de fadas concederam cor e fantasia à sua figura.
Downloads
Referências
Era uma vez um rei e uma rainha que estavam muito desgostosos por não terem filhos – mais desgostosos do que se pode imaginar. Eles faziam tudo o que era possível no mundo para conseguir isso: banhavam-se em águas milagrosas, faziam promessas, peregrinações, mas nada dava resultado. Mas finalmente um dia a rainha engravidou e teve uma filha (PERRAULT, 1994, p.89).
por várias vezes, para levá-lo a se explicar, a rainha disse ao príncipe que ele precisava arrumar a sua vida, mas ele jamais teve coragem de confiar a ela o seu segredo. Embora a amasse, ele a temia, porque sua mãe pertencia à raça dos ogros e o rei só se casara com ela por causa de sua grande riqueza (PERRAULT, 1994, p.106) (Grifos nossos).
Falava-se mesmo à boca pequena na corte que ela tinha as mesmas inclinações dos ogros e que, quando via criancinhas, precisava fazer um esforço terrível para não se atirar sobre elas. Por isso, o príncipe jamais quis contar a ela o seu segredo (PERRAULT, 1994, p.106).
um papel significativo como área sagrada e misteriosa, habitada por deuses bons e maus, por espíritos e demônios, por homens selvagens, por entidades femininas [...]. Por essa razão, representações de florestas ou a floresta na qualidade de cenário de ações dramáticas muitas vezes referem-se simbolicamente ao irracional.
a mãe ogra é uma personagem tão universal e tão antigo quanto o próprio canibalismo, tão antigo quanto a humanidade. [...] Por trás das acusações feitas nos séculos XV-XVII contra tantas feiticeiras que teriam matado crianças para oferecê-las a Satã encontrava-se, no inconsciente, esse temor sem idade do demônio fêmea assassino de recém-nascidos (DELUMEAU, 2009, p. 465).
A ogra reconheceu a voz da rainha e dos meninos; furiosa por ter sido enganada, ela ordenou logo na manhã seguinte, com uma voz terrível que fez tremer todo mundo, que fosse colocada no centro do pátio uma grande tina cheia de sapos, cobras e lagartos, para dentro dela jogar a rainha e seus filhos, o mordomo, a mulher dele e a sua auxiliar. Deu ordem também para que todos fossem trazidos com as mãos atadas às costas. Todos já estavam lá, com os carrascos prontos para jogá-los dentro da tina, quando o rei, que ninguém esperava que voltasse tão cedo, entrou no pátio a cavalo. [...] ao ver aquele horrível espetáculo perguntou, aturdido, o que significava tudo aquilo. Ninguém teve coragem de lhe dizer, mas a ogra, enfurecida pelo que tinha acontecido, mergulhou de cabeça dentro da tina e foi devorada num segundo pelos horríveis bichos que ela mesma mandara colocar lá dentro (PERRAULT, 1994, p. 111).
A mais velha se parecia tanto com ela, no físico e no temperamento, que quem via a filha via a mãe. As duas, mãe e filha, eram tão desagradáveis e tão orgulhosas que viver com elas era impossível. A caçula, que era o retrato do pai, por sua doçura e bondade tinha ainda a seu favor o fato de ser uma das moças mais lindas que se pode imaginar. Como todo mundo gosta de quem lhe é semelhante, a mãe era louca pela filha mais velha e, por outro lado, tinha uma aversão pela caçula. Obrigava-a a comer na cozinha e trabalhar sem descanso (PERRAULT, 1994, p. 181).
Logo que estes nasciam eram entregues as amas de leite que ficavam responsabilizadas pelos seus cuidados. Posteriormente, as crianças eram encaminhadas aos conventos para receberem as primeiras instruções. A mãe era uma pessoa distante dos filhos e apenas em ocasiões excepcionais intervinha na educação destes (BAUER, 2001, p. 35).
Graças à nutriz, a esposa de um homem abastado se vê livre de uma das tarefas mais pesadas que em geral lhe cabem; e mesmo que em função disso engravide com maior freqüência, ainda dispõe de tempo livre para dedicar-se à conversação, à leitura ou ao passeio. Trata-se de um modo distinto de encarar a vida, ainda que a mulher pague caro por essa liberdade: afastamento dos entes queridos, dependência cada vez mais acentuada com relação ao marido (GÉLIS, 1991, p.320).
Uma viúva é uma mulher, quer dizer, um ser fraco e um pouco besta. Segue-se primeiramente que, não tendo perto dela um marido, pessoa sábia que poderia frear suas loucuras e lhe dar bons conselhos, ela cai o tempo todo no vício; e em seguida sua fraqueza, sua credulidade, sua lascívia naturais a levam, mais que outras, a escutar favoravelmente as odiosas propostas do Diabo (BECHTEL, 2000, pp. 193-194).
Ao contrário do que acontece em muitas estórias infantis modernas, nos contos de fadas o mal é tão onipresente quanto a virtude. Em praticamente todo conto de fadas, o bem e o mal recebem corpo na forma de algumas figuras e de suas ações, já que bem e mal são onipresentes na vida e as propensões para ambos estão presentes em todo homem. É esta dualidade que coloca o problema moral e requisita a luta para resolvê-lo (BETTELHEIM, 1980, p. 15).
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Ao enviar o material para publicação, o(s) autor(es) declara(m) automaticamente que o trabalho é de sua(s) autoria(s), assumindo total responsabilidade perante a lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, no caso de plágio ou difamação, obrigando-se a responder pela originalidade do trabalho, inclusive por citações, transcrições, uso de nomes de pessoas e lugares, referências histórias e bibliográficas e tudo o mais que tiver sido incorporado ao seu texto, eximindo, desde já a equipe da Revista Non Plus, bem como os organismos editoriais a ela vinculados. O(s) autor(s) permanece(m) sendo o(s) detentor(es) dos direitos autorais de seu(s) texto(s), mas autoriza(m) a equipe da Revista Non Plusa revisar, editar e publicar o texto, podendo esta sugerir alterações sempre que necessário.
O autor(s) declara(m) que sobre o seu texto não recai ônus de qualquer espécie, assim como a inexistência de contratos editoriais vigentes que impeçam sua publicação na Revista Non Plus, responsabilizando-se por reivindicações futuras e eventuais perdas e danos. Os originais enviados devem ser inéditos e não devem ser submetidos à outra(s) revista(s) durante o processo de avaliação.
Em casos de coautoria com respectivos orientadores e outros, faz-se necessária uma declaração do coautor autorizando a publicação do texto.
Entende-se, portanto, com o ato de submissão de qualquer material à Revista Non Plus, a plena concordância com estes termos e com as Normas para elaboração e submissão de trabalhos. O não cumprimento desses itens ou o não enquadramento às normas editoriais resultará na recusa do material.