Caras leitoras, caros leitores.

É com orgulho e alegria que entregamos a vocês mais uma edição da Novos Olhares. Ela é aberta com a seção Um Outro Olhar, na qual republicamos o texto “América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social”, de Jesús Martín-Barbero (1937-2021). Ele é resultado da transcrição e adaptação de uma palestra ministrada pelo autor e publicada, originalmente, no livro Sujeito, o lado oculto do receptor (São Paulo: Brasiliense, 1995), organizado por Mauro Wilton de Sousa, professor titular do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). O texto nos oferece uma extraordinária visão de um momento ainda inicial do desenvolvimento dos Estudos Culturais Latino-Americanos, apresentada por aquele que foi, certamente, seu autor de maior destaque. Além de possibilitar aos leitores uma oportunidade de (re)visitar as bases desse debate, o texto é apresentado aqui como uma homenagem a seu autor e aos quase trinta anos de publicação do livro - uma referência fundamental para os estudos de comunicação no Brasil. Seu organizador também foi o criador da Novos Olhare s, em 1988, e o seu primeiro editor. Mauro Wilton também foi o idealizador e coordenador do Grupo de Estudos Sobre Práticas de Recepção a Produtos Mediáticos, que organizou o seminário Sujeito, o lado oculto do receptor, realizado na ECA/USP, em 21/10/1991, onde teve lugar a palestra de Jesús Martín-Barbero da qual resultou o texto agora republicado.

A edição reúne, ainda, outros nove artigos, inéditos e recebidos através de nosso Call for Papers. No primeiro deles, Maria Cristina Palma Mungiolie Analú Bernasconi Arab discutem os resultados de pesquisa acerca de grupos de fãs no Facebook que se dedicaram a comentar e a debater a telenovela Pantanal (Globo, 2022). São analisadas as versões da telenovela exibidas em 1990 e 2022, com o objetivo de situá-las no cenário televisivo nacional e discutir o tratamento temático e estético de ambas as produções, articulando-o ao contexto televisivo de cada época. Na sequência, Regina Lucia Gomes Souza e Silva, baseada nos estudos históricos contextuais de Janet Staiger, analisa como ocorreu a recepção crítica de três filmes premiados na Mostra de Cinema Tiradentes: Canto dos Ossos (Jorge Polo e Petrus de Bairros, 2020), Acucena (Isaac Donato, 2021) e Sessão bruta (Coletivo As Talavistas, 2022).

Seguem-se, então, dois textos ligados ao rádio. No primeiro deles, Roscéli Kochhann apresenta o recorte de uma pesquisa mais ampla, cujo objetivo é desenvolver um protocolo aberto para investigações sobre os processos de comunicação radiofônica. O momento atual da pesquisa forneceu indícios de que é necessário olhar para pelo menos quatro camadas de observação: a caracterização do ouvinte; a tecnologia envolta no objeto empírico; a caracterização do produto radiofônico; e os elementos contextuais. No texto seguinte, João Cubas Martins, Maíra Rossin Gioia de Brito, José Carlos Fernandes e Valquíria Michela John analisam o processo de migração AM-FM em duas emissoras de Curitiba-PR. Considerando que o Paraná, segundo dados da Agência Nacional de Comunicações (Anatel), é um dos estados com maior número de rádios migradas, os autores traçam a historicidade do processo, que transborda questões ligadas à legislação e adversidades peculiares a cada uma das rádios analisadas.

A seguir, Francisco Leite, Isabela Xavier Gonçalves, Telma Luiza de Azevedo, Luciana Moherdaui e Everaldo Pereira buscam observar criticamente alguns impactos e transformações que a Inteligência Artificial (IA) vem operando nas relações e nos processos socioculturais no contemporâneo brasileiro. Nessa direção, os autores se propõem a explicar e delinear o conceito de IA responsável (IAR), ressaltando o papel-chave da participação social nos debates e processos de construções regulatórias. Também voltado ao contexto do digital, Thiago Henrique de Jesus-Silva investiga, por meio de uma revisão bibliográfica, o conceito de hegemonia algorítmica e a influência crucial que os algoritmos exercem na mediação dos fluxos de informação nas plataformas digitais. Ao se fundamentar em autores como Antonio Gramsci, Gilles Deleuze e David Lyon, o texto examina como os algoritmos não apenas moldam debates públicos, mas também reconfiguram as estruturas de poder contemporâneas.

No trabalho seguinte, Leticia Myrrha de Paula, Silva Neves e Marcio de Vasconcellos Serelle investigam, por meio da análise da voz da narradora de Caderno Afegão- livro da jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho -, a alternância entre o diário pessoal e a reportagem, bem como as adesões entre as identidades textual e autoral, manifestas a partir de questões de gênero, que o choque entre diferentes culturas faz emergir. Já José Augusto Mendes Lobato discute a formulação de fronteiras entre identidade e alteridade na representação de refugiados e imigrantes na cultura audiovisual. Mais especificamente, examina a circulação e reverberação das “narrativas de alteridade”, buscando entender como sujeitos representados em obras documentais e de ficção (dois documentários e uma telenovela) leem seus conteúdos.

Fechando esta edição, Daniel Macêdo apresenta, a partir de relatos testemunhais, o processo de criação de campos de concentração descentralizados, ao longo da malha ferroviária do Ceará, para conter os fluxos migratórios aos centros urbanos dos refugiados da Seca de 1932. A engenharia de regulação dos corpos articulada através desses campos é discutida, na reflexão do autor, como um processo necropolítico.

Uma boa leitura e um excelente 2025 a todos!