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Fri, 24 Feb 2023 in Organicom
Comunicação, Agenda 2030 da ONU e organizações
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No ano de 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) lança um ousado plano de go v ernança global chamado A genda 2030. Trata-se de um grande chamado às organizações do mundo todo – entre elas, empresas, instituições públicas, Estados, terceiro setor e sociedade civil – para articularem estratégias integradas visando garantir a viabilidade da vida das sociedades humanas e dos ecossistemas ambientais do presente e das futuras gerações.
Fruto de ações coletivas anteriores voltadas para o debate em sustentabilidade da vida – conferências mundiais do clima e meio ambiente (como a Eco-92 e a Rio+20), pauta do desenvolvimento de populações (Cairo+20), agenda das mulheres e meninas e equidade de gênero (Pequim+20), entre outras –, a Agenda 2030 representa a continuidade da conhecida Agenda dos Objetivos do Milênio (ODM), cuja vigência foi de 2000 a 2015.
Construída com base no conceito de desenvolvimento sustentável e estruturada em torno de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), esta nova agenda nasce a partir de uma perspectiva crítica e do engajamento na busca do equilíbrio e da sobrevivência da complexa, frágil e interdependente relação entre os ecossistemas planetários e os grupos humanos mediante a pauta da transformação social.
Como alerta a Unesco (2021), o que aprendemos até agora não nos prepara efetivamente para os desafios que o futuro nos apresenta. A iminência da mudança climática e o impacto sobre as populações costeiras e alterações na fauna e flora; os fluxos migratórios decorrentes de inúmeras motivações, que desafiam os Estados e a sociedade civil na busca de soluções complexas; queimadas florestais; contaminação do solo e das águas; a insuficiência energética e o impacto dos combustíveis fósseis; a segurança alimentar; a pandemia de covid-19; e outras tantas questões emergenciais revelam que a degradação ambiental e o modelo produtivo e energético atual podem colapsar o complexo arranjo dos ecossistemas ambientais e humanos em nossa Terra se não mudarmos radicalmente nossa rota em direção ao futuro.
Do ponto de vista comunicacional, este cenário também representa um desafio à medida que nos referimos à dimensão simbólica e aspiracional da Agenda 2030 para o engajamento e compromisso das comunidades com o futuro. Nessa perspectiva, é evidente a necessidade de promoção de ações e produtos da cultura que colaborem para influenciar os imaginários sociais na conformação e projeção de uma cultura dos ODS. A transição do paradigma produtivista e da sociedade do consumismo para um estilo de vida sustentável deve encontrar apoio nas lógicas comunicacionais e produções culturais, já que, sem engajamento da cidadania, as instituições pouco podem fazer para fortalecer o sentido de compromisso com uma agenda de transformação.
Partindo desse debate, este dossiê 39, “Comunicação, Agenda 2030 da ONU e Organizações”, da revista Organicom, oferece distintos pontos de vista para pensar essa articulação. Iniciamos com o artigo de Margarida Krohling Kunsch intitulado “Estratégias comunicativas nos processos de parcerias para implementação da Agenda 2030 da ONU”, no qual a autora propõe uma discussão sobre o papel estratégico da comunicação na promoção da sustentabilidade com especial foco no ODS 17 – fortalecer mecanismos de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável, articulando atores estratégicos, tais como o poder público, a sociedade civil e as organizações privadas e do terceiro setor.
No contexto da relação estratégica entre comunicação e educação, o segundo artigo do dossiê recebe o título “Comunicação e Educação para o Desenvolvimento Sustentável: a articulação entre a graduação na Unesp e a Agenda 2030”, produzido por Isadora Sonego Pinhabe, Raquel Cabral e Thiago Gehre Galvão. Neste debate, os autores apresentam os resultados de uma pesquisa, financiada por agência de fomento, na qual se realiza um estudo sobre o ensino de graduação e sua relação com a Agenda 2030 na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), que conta com mais de 136 cursos distribuídos em mais de 26 cidades do interior de São Paulo. Um dos principais debates realizados no artigo sinaliza o relevante processo empreendido pela educação para o desenvolvimento sustentável (EDS), seu impacto nas instituições educacionais e na formação dos futuros profissionais, que vão liderar as organizações do futuro e enfrentar complexos problemas decorrentes do paradigma consumista atual.
O terceiro artigo, intitulado “Aproximación conceptual de las capacidades comunicacionales en las organizaciones para la Agenda Global 2030”, de autoria de Patricia Durán Bravo e Nancy Cisneros Martínez, apresenta uma reflexão teórico-conceitual sobre as capacidades do sistema comunicacional das organizações para ativar processos de colaboração para o desenvolvimento sustentável, reconhecendo-as como líderes estratégicos de transformação social.
Já em torno da discussão sobre a participação de empresas privadas para o avanço da Agenda 2030 no complexo contexto do Antropoceno, o artigo “Governança colaborativa para a Agenda 2030: organizações e complexidade perante os desafios do Antropoceno”, produzido por Rita Machado de Campos Nardy, Eli Borges Junior e Massimo Di Felice, nos apresenta a reflexão sobre como mobilizar o setor privado no engajamento para a implementação dos ODS, a partir da análise sobre a governança colaborativa no Consórcio Cerrado das Águas de Minas Gerais.
Já em relação à conexão entre discurso e prática, o artigo “Organizações, discursos e práticas em sustentabilidade: estudo da comunicação sobre o desenvolvimento sustentável em relatórios corporativos”, produzido por José Augusto Mendes Lobato e Rodrigo César Severino Neiva, nos oferece a reflexão crítica em torno da produção de relatórios corporativos de sustentabilidade (ESG – environmental, social and governance) e seu impacto no relacionamento com stakeholders e na reputação organizacional.
Já o artigo “Agenda 2030 e os ODS: a comunicação na página da ONU Brasil no Facebook”, produzido por Carla Negrim Fernandes de Paiva e Caroline Kraus Luvizotto, apresenta a análise de conteúdos publicados na referida página com o objetivo de identificar a dinâmica de comunicação e a necessidade de interação com vistas à mobilização social que fomente o engajamento e compromisso da cidadania com a Agenda 2030.
O último artigo desta seção intitulado “Contribuições de uma entidade de representação setorial no atingimento do ODS 4 no Brasil”, produzido por Thiago Severo Gonçalves, Ana Clarissa Matte Zanardo dos Santos e Vicente Reis Medeiros, apresenta uma importante discussão em torno de ações e parcerias institucionais voltadas para a consecução do ODS 4 a partir de um estudo qualitativo, debatendo a educação para o desenvolvimento sustentável.
Abrindo a seção seguinte, apresentamos a entrevista realizada com Mariana Alcalay, representante da Unesco no Brasil e ponto focal da Agenda 2030; Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil; e Ana Paula Fava, coordenadora executiva da Comissão Estadual para a Agenda 2030 em São Paulo. Com o título “Reflexões convergentes sobre a Agenda 2030 da ONU a partir de diferentes setores da sociedade”, os três entrevistados oferecem visões singulares e convergentes em torno do processo de implementação dos ODS a partir de distintos setores da sociedade, envolvendo o setor público, empresas privadas e a atuação de organizações internacionais. Os relatos sinalizam importantes articulações multissetoriais, fundamentais para o avanço desta agenda, além de sua dimensão aspiracional, que revela o papel estratégico da comunicação para a projeção e promoção de uma cultura em torno do desenvolvimento sustentável.
A seção “Depoimento” conta com um texto intitulado “Comunicación, Agenda 2030 de la ONU y Organizaciones”, produzido por Raúl Herrera Echenique, que apresenta relatos de importantes profissionais atuantes em toda a América Latina e engajados com a implementação da Agenda 2030 em diversos âmbitos.
Já a seção “Espaço Aberto” reúne artigos de temáticas variadas e que oferecem relevantes olhares para o fenômeno comunicacional. O primeiro deles recebe o título de “Categorias emergentes de comunicação para gestão da inovação em grandes empresas”, de autoria de Fabio Botelho Josgrilberg, Luciana Hashiba e Renata Juliotti, e apresenta resultados de uma pesquisa sobre gestão da inovação aberta, tendo como objeto de análise entrevistas semiestruturadas com 11 líderes de inovação de grandes empresas brasileiras, realizadas entre maio e julho de 2020.
Partindo da análise crítica sobre como os clubes de futebol podem ser compreendidos como organizações que oportunizam importantes espaços de criação de memórias e afetividades, o segundo artigo tem como título “O papel organizacional de clubes de futebol brasileiros e os conceitos de organização e instituição” e foi produzido por Eduardo Carlassara, Ary Rocco e Keynayanna Késsia Costa Fortaleza. O texto apresenta reflexões teóricas a partir dos conceitos de organização e instituição para sinalizar possíveis caminhos para uma taxonomia organizacional de entidades no contexto da indústria do esporte.
O artigo seguinte, intitulado “Pobreza menstrual: análise da reportagem exibida no Fantástico na perspectiva da metodologia do imaginário”, de autoria de Suelen Gotardo, propõe uma reflexão sobre a relação entre pobreza menstrual e desigualdade de gênero, adotando a perspectiva metodológica das tecnologias do imaginário e da análise discursiva de imaginários, sinalizando a necessidade de revisão das expressões de violência que abordam a questão de gênero no contexto da dignidade menstrual.
O quarto artigo recebe o título de “Etapas para a construção do plano de comunicação interna para instalações animais em universidades públicas brasileiras”, produzido por Fábio Tonissi Moroni, Raquel Borges-Moroni, Eduardo Loebel, Cristiane Betanho e Renata Rodrigues Daher Paulo, e propõe um plano de comunicação interna em universidades que trabalham com instalações animais para atividades de ensino e pesquisa, a partir das teorias institucionais.
O último artigo desta seção tem como título “A representação simbólica do burnout na revista Exame: o uso ideológico de conteúdos do imaginário” com autoria de Malena Contrera e Rafael Rodrigues de Souza. A partir das teorias do imaginário e com base em autores da Sociologia do Trabalho, problematiza as escolhas editoriais da matéria publicada na revista Exame, edição 1.203, de 2020, sobre a síndrome de burnout. O texto busca compreender e tensionar alinhamentos ideológicos de mídia a partir de uma perspectiva simbólica.
Iniciamos a seção “Resenha” com o texto intitulado “Comunicação para a paz: reflexões sobre cenários desafiadores para uma sociedade mais justa e igualitária”, produzido por João de Deus Dias Neto. A referida resenha abre esta seção trazendo reflexões sobre a obra Comunicação, contradições narrativas e desinformação em contextos contemporâneos, organizada por Larissa Pelúcio e Raquel Cabral e publicada em 2021 pela Cultura Acadêmica. A obra apresenta uma série de textos produzidos por vários pesquisadores do Brasil, Uruguai, Espanha e Portugal, abordando o atual debate sobre o fenômeno da desinformação e dos discursos de ódio em múltiplas dimensões, incluindo a pertinência de uma perspectiva crítica da Agenda 2030 para o enfrentamento desse cenário profundamente marcado por violências narrativas.
A segunda resenha leva o título “Uma proposta de leitura crítica da Agenda 2030”, produzida por Diuan dos Santos Feltrin, apresentando uma visão singular sobre a publicação Guia Agenda 2030: integrando ODS, educação e sociedade, organizada por Raquel Cabral e Thiago Gehre e publicada em 2020 mediante uma parceria interinstitucional entre a Unesp e a Universidade de Brasília (UnB). Trata-se de publicação técnica voltada para orientar educadores, pesquisadores e demais profissionais engajados com aextensão universitária ea transformação social a partir do processo de territorialização dos ODS. Propõe, ainda, um exercício de releitura crítica da Agenda 2030 a partir da realidade dos povos do Sul Global, apresentando três novos ODS para além dos 17 da agenda oficial: ODS 18 – Igualdade Racial; ODS 19 – Cultura, Arte e Comunicação; e ODS 20 – Direitos dos Povos Originários e Comunidades Tradicionais.
A terceira resenha, intitulada “Na trilha dos impressos: subversão e resistência”, produzida por Ana Claudia Braun Endo, apresenta reflexões sobre a obra Impressos subversivos: arte, cultura e política no Brasil 1924-1964, de autoria de Maria Luiza Tucci Carneiro, publicada pela editora Intermeios em 2020. O livro aborda a discussão sobre a tendência aos extremismos, tendo em vista os fenômenos contemporâneos do uso da violência para posicionamentos radicais extremos, mas partindo de uma perspectiva histórica com base na análise de materiais impressos considerados “subversivos”, produzidos por intelectuais, artistas, estudantes e todos aqueles rotulados como “anarquistas, comunistas ou marxistas”, no período político compreendido entre 1924 e 1964 no Brasil.
Fundamentados em toda essa riqueza e diversidade de olhares e visões críticas em torno dos processos comunicacionais envolvendo opinião pública, instituições e demais atores da sociedade para a implementação de uma agenda de desenvolvimento sustentável, que igualmente exige o compromisso com a reparação das injustiças do passado e com a transformação social dos territórios, estamos convictos de que este número temático da Organicom nos oferece reflexões fundamentais para apoiar estudos, pesquisas e debates diante das respostas e soluções aos complexos desafios que o presente e o futuro nos anunciam.
Convidamos você a realizar esta jornada de leitura e profunda reflexão sobre as relações entre a comunicação e seus desdobramentos para a implementação de uma agenda que se fundamenta numa radical mudança de cultura do paradigma consumista para um modelo fundamentado no equilíbrio entre ecossistemas ambientais e sociedades humanas, que poderá garantir a sustentabilidade e a viabilidade da vida neste planeta.
Reviewing Editor
MARGARIDA MARIA KROHLING KUNSCH
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Editor
MARGARIDA MARIA KROHLING KUNSCH
Editor
RAQUEL CABRAL
Editor
RAÚL HERRERA ECHENIQUE
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