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Fri, 13 Nov 2020 in Revista de História (São Paulo)
URBANISMO E EDUCAÇÃO: IDEÁRIOS MODERNOS NAS ENGENHARIAS DA NAÇÃO. RIO DE JANEIRO, ANOS INICIAIS DO SÉCULO XX
Resumo
Este artigo aborda os modos como referenciais do urbanismo e da educação moderna foram mobilizados em projetos/projeções para a cidade do Rio de Janeiro na década de 1920, a partir da análise de produções intelectuais de engenheiros membros-fundadores da Associação Brasileira de Educação (ABE), com atenção às produções de Heitor Lyra da Silva e Everardo Backheuser. Ao dar visibilidade à presença de engenheiros nas discussões educacionais, o presente trabalho revela uma compreensão frente à relevância adquirida pelas ideias educacionais no pensamento e atuação destes profissionais no processo amplo e complexo, cujo objetivo era o de reorganizar a sociedade brasileira. Estas evidências mostram-se indissociáveis das ideias urbanas que fundamentaram transformações (projetuais e/ou efetivas) na cidade do Rio de Janeiro, à época capital federal da República.
Main Text
Em 1924, um grupo de engenheiros cariocas fundou a Associação Brasileira de Educação (ABE) (CARVALHO, 1998; GOMES, 2015)2. Principal núcleo de articulação das questões educacionais no país, esta entidade incorporou alguns dos mais notáveis pensadores e ativistas do Movimento de Renovação Educacional no Brasil. Organizada como órgão de iniciativa privada com funções de coordenação e incentivo às práticas educacionais em nível nacional, a ABE congregou diversas propostas, as quais, embora pautadas sob diferentes arranjos teórico-políticos, compartilhavam a compreensão de que a educação era o maior problema a ser enfrentado no país, e sua superação somente seria possível com a intervenção da sociedade civil, já que, naquele momento, a ação do Estado nas questões sociais se caracterizava, conforme argumentaram seus críticos, pela ausência quase total de iniciativas.
As propositivas educacionais elaboradas pelos membros-fundadores da ABE repercutiram assentadas em premissas técnico-científicas vislumbradas à época como possibilidades para a formulação e resolução da questão social no país. Tal via programática privilegiou em suas ações a atuação do profissional da engenharia. Na representação do social manejada nos discursos desses profissionais desde as décadas finais do século XIX, a aplicação do saber científico da engenharia corresponderia a tarefa operatória de intervenção pragmática na sociedade. Atuação, em conformidade à valorização dos conhecimentos teóricos em função de seu potencial de emprego premente às necessidades impostas pelo meio social. O desenvolvimento da Engenharia nacional e a ampliação dos campos de atuação do engenheiro engendrariam, assim, as mudanças sociais vistas como necessárias ao país. Ao se atrelar à dimensão da transformação da materialidade - em toda a sua complexidade - um projeto de reforma social, o qual buscava dar respostas a um projeto político de constituição da nação, estes engenheiros emparelharam um significado social a seus discursos e suas ações (CERASOLI, 1998, 2006; SILVA, 1994, 2003; MAIA, 2008; KROPF, 1994, 1996a, 1996b).
Os propósitos de interpretar e sanar os problemas do país foram estimulados no âmbito da ABE - recuperados aqui em particular por meio de produções intelectuais dos engenheiros que fundaram e/ou atuaram como membros da entidade ao longo da década de 1920 - pelo conjunto de ideias urbanas e educacionais, amplamente difundidas na capital carioca. Com foco nesse aspecto, a perspectiva abordada neste artigo denota não somente a importância de se ater aos modos como as problemáticas educacionais e urbanas movimentaram a atividade intelectual e política nas primeiras décadas do século XX, mas também as confluências entre ideários, ou seja, os modos como referenciais do urbanismo moderno e da educação moderna foram mobilizados em projetos/projeções para a cidade do Rio de Janeiro, à época, capital federal da República.
Estes ideários, assumidos à intersecção do topos de suas disciplinaridades e à ampliação dos seus horizontes, foram reconhecidos como amálgama dos discursos políticos que ocuparam um lugar importante no Ocidente ao longo da primeira modernidade; e, ao mesmo tempo, como paradigmas interpretativos desses mesmos discursos. Assim compreendidos, colocam em evidência a importância que a cidade moderna - e os saberes que se formam à partir e sobre ela - adquire ao ser considerada lócus privilegiado para a formação do cidadão nacional, projeto alternativo àquele que vigorou pelo menos a partir de 1930, o que passa a conceber a instituição escola o lócus privilegiado para tal intento. Nesse sentido, no horizonte deste trabalho se propõe abordar os índices de equacionamento da questão social sob a perspectiva da intersecção entre dois outros pontos de vista desta mesma problemática, a questão educacional e a questão urbana, conjugados por discursos críticos de caráter técnico e, por isso mesmo, pretensamente afastados das prerrogativas mesológicas, étnicas, históricas e culturais que sustentavam o suposto atraso brasileiro, fortemente mobilizadas nas discussões das plataformas políticas nacionalistas e de pensamento autoritário, até pelo menos os anos 1940 no Brasil.
Tal apreensão sustenta-se nesse artigo a partir da análise de produções intelectuais de engenheiros - com atenção às produções de Heitor Lyra da Silva e Everardo Backheuser, ambos docentes da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, à época da criação da ABE. Desta apreensão, foi possível capturar uma dimensão do debate sobre intervenção no espaço urbano que ultrapassa a noção de campos especializados (educacional, médico, arquitetônico e urbanístico), um estágio em que as problemáticas do social suscitavam um programa de reforma que integrava saberes concebidos modernos mas que, ao longo das primeiras décadas do século XX, conforme nossas hipóteses, vão sendo constituídos em campos de atuação independentes, o que aciona a necessidade de reflexão acerca das intersecções entre ideários e, portanto, das inter-relações analíticas entre campos de investigação dedicados à cidade e ao urbano. Intensamente entrelaçadas, as temáticas educacionais e urbanas não são frequentemente abordadas nas temáticas propostas pela historiografia. Em sua forma operativa, as diferenciações de campos acabam por impor certo distanciamento, ao que o investimento em novas abordagens estimula a investigação histórica e o debate teórico nessas áreas.
Dar visibilidade à presença de engenheiros nas discussões educacionais nos anos 1920 desvelou uma compreensão frente à relevância adquirida pelas ideias educacionais no pensamento e atuação destes profissionais, junto ao processo amplo e complexo que visava à reorganização da sociedade brasileira. Estas evidências mostram-se indissociáveis das ideias urbanas que fundamentaram transformações (projetuais e/ou efetivas) na cidade do Rio de Janeiro. Aproximação que amplia a compreensão acerca dos aspectos básicos da atuação destes profissionais no período, e do teor e tratamento dedicado à crítica Republicana.
Os “Engenheiros Educadores”
Deu-se na década dos anos 20 algo de similar ao que, estudando certo período da vida italiana, Giddings chamou de “sociedade conspiratória”. Sim, foi a época que propiciou as doutrinas de Machiavél... Em tais momentos, surgem “aventureiros sem escrúpulos que criam relações de fidelidade pessoal mediante a suborno e organização de interêsses privados; a intriga e a conspiração tornam-se laços sociais aceitos; o modêlo social é conspiratório”. Todas essas circunstâncias têm, porém, um efeito a considerar: exaltam a consciência social levando mesmo o homem comum a sentir-se mais integrado em sua comunidade, e os intelectuais a uma reação. Tal reação toma aqui várias formas: a criação de novos partidos políticos, de associações cívicas culturais, de interêsse pela sorte das novas gerações. Uma revisão de sentido cultural por integração de maiores e mais diferenciados elementos, então ocorre. Entre nós, ela se caracterizou por mais viva presença dos engenheiros no domínio dos estudos sociais. Por muito tempo, êsses estudos normalmente estiveram reservados aos juristas. Houve nêles depois, uma incursão de médicos, através da medicina social. A era dos 20 assinalou a presença de engenheiros, não chamados ainda a resolver problemas estritamente tecnológicos como agora, mas atraídos pelo desejo de estudar e explicar os problemas sociais, em todo o seu conjunto. É a época de um grupo brilhante de engenheiros educadores: Heitor Lira, Venâncio Filho, Everardo Backheuser, Azevedo Amaral, Ferdinando Labouriau, Tobias Moscoso, Dulcídio Pereira, Mario de Brito, Barbosa Menezes de Oliveira... Forças diferenciadas da cultura nacional parecem assim buscar maior integração. (LOURENÇO FILHO, 1960, p. 5)
Ao descrever o “clima de ideias” que caracterizou os anos 1920 no Brasil, Lourenço Filho colocou em relevo aspectos das mudanças nas formas de atuação da intelectualidade do país frente ao quadro político-social que marcou a década. Sua declaração atesta o aumento e diversificação no número de intelectuais, dos mais “diferenciados elementos”, congregados em novos espaços associativos e partidários nas principais capitais do país. Esta alteração expressou, conforme afirma, a intensificação da “consciência social” no período, algo que teria marcado uma “revisão de sentido cultural” na participação da sociedade civil junto às questões nacionais na Primeira República. É certo, a intensificação da atividade intelectual ligada à atividade política contribuiu, nos anos iniciais do século XX, para a ampliação do número de espaços associativos e partidários que reuniam grupos, em sua maioria formados por profissionais liberais integrantes das novas classes urbanas, orientados por interesses comuns e pelo desafio, proposto no período, de modernizar a sociedade brasileira e formar a Nação (GOMES, 2010, p. 12). Diante deste quadro, Lourenço Filho destaca um aspecto curioso da cidade do Rio de Janeiro, pouco evidenciado pela historiografia dedicada aos anos que antecederam os movimentos de 1930: a presença predominante de engenheiros “no domínio dos estudos sociais”. O que torna interessante a leitura de Lourenço Filho é a reivindicação que este intelectual faz do lugar de destaque assumido por um grupo específico de engenheiros nessa década na capital federal: o de “engenheiros educadores”. Os engenheiros citados por Lourenço Filho fizeram parte do grupo que fundou e/ou atuou como membro, ou diretamente à diretoria da Associação Brasileira de Educação (ABE). No decorrer da década, seus departamentos e seções foram compostos predominantemente por profissionais da engenharia e suas principais atividades realizadas nas dependências da Politécnica carioca.
As mobilizações no campo da educação ocorridas nos anos 1920 são incluídas pela historiografia dedicada ao tema entre aquelas que configuraram o Movimento de Renovação Educacional no Brasil. O estudo deste movimento constitui-se objeto privilegiado de pesquisas realizadas no campo da História da Educação as quais enfocam, principalmente, o período pós 1930. Contudo, trabalhos recentes vêm contribuindo com leituras elucidativas dos eventos ocorridos na década anterior, dedicados às relações entre política, transformações no espaço urbano e educação (GOMES, 2015, p. 29). Nesse sentido, a importância de se destacar a participação de profissionais da engenharia nas discussões educacionais, ou seja, insistir na categorização destes “intelectuais da educação” como “engenheiros-educadores”, permite o exame de suas ações no que consiste aos esforços de objetivação e intervenção do/no mundo social a partir dos referenciais que mobilizaram tanto como profissionais da engenharia quanto como docentes e cidadãos, além das suas inserções como intelectuais no campo do político.
Nossa investigação teve como objetivo alcançar pontos de confluência entre dois campos teórico-conceituais complexos e não estáveis à época, o educacional e o urbano, amplamente difundidos e tornados referenciais para a atuação sobre a questão social nos anos 1920 na capital carioca. Para tanto, consideramos a importância das ideias educacionais e urbanas no pensamento e atuação do “engenheiro-educador”, ou seja, o profissional da engenharia que ganha destaque nos anos 1920 por sua atuação junto às questões sociais. Por isso, as palavras de Lourenço Filho ilustram nossa indagação, já que ressoam uma memória do movimento nos anos 1920 marcada pela presença de engenheiros “atraídos pelo desejo de estudar e explicar os problemas sociais, em todo o seu conjunto”, o que nos permite afirmar que o projeto educacional elaborado por estes profissionais se articula ao conjunto de ações urbanísticas, médicas e arquitetônicas compreendidas à época como necessárias para reestruturar o social e, assim, colocar o país nos “trilhos do progresso”, no sentido da “modernização”.
A questão social e as problemáticas educacionais e urbanas: confluências entre ideários
Aquillo que um pequeno grupo de vontades esclarecidas emprehendeu aqui realizar, posso dizel-o livremente porque não pertenço ao numero dos iniciadores, é ao mesmo tempo uma obra de intelligencia e de coração. Comoveu-os o espetáculo da miséria, da incultura, da imprevidência que rodeia, num doloroso contraste, a nossa grande, bela e luxuosa capital, contraste a que só espíritos desatentos e sensibilidades embotadas podem ficar indiferentes, quando ele deveria gritar violentamente na consciência de todos os que têm em mãos uma parcela de poder ou um elemento qualquer de prática. Não é raro, entretanto, empregar tais recursos em serviços exclusivamente materiais, em trabalhos suntuários, que, se uma ou outra vez se harmonizam com o ambiente, muito mais frequentemente o deformam e são quase sempre adiáveis, ao menos diante do dever primordial de cuidar antes de tudo da criatura humana. Por isso já tivemos um visitante, estrangeiro ilustre, que ao defrontar o fausto arrogante de um de nossos edifícios publicos, não se poude impedir de perguntar a quem o acompanhava qual era o número de escolas que a administração da cidade mantinha. (SILVA. 1972, p. 221-222)
Em 1917, o engenheiro Heitor Lyra da Silva discursou como professor convidado na cerimônia de encerramento e entrega de diplomas das aulas do “Curso Jacobina”3. Na presença de colegas, alunos e demais participantes da solenidade, exaltou a iniciativa dos dirigentes da Escola Regional de Merity4 de atender a população pobre moradora do seu entorno, qualificando-a como uma “obra de inteligência e de coração”. O ímpeto de realização do conjunto de ações ali empreendidas havia se revelado, conforme o orador, em decorrência do sentimento que há muito ocupava uma parcela da sociedade urbana carioca em relação às condições de vida da população, sobretudo a pobre, da cidade do Rio de Janeiro. O “espetáculo da miséria, da incultura e da imprevidência” encenado cotidianamente na capital da República, como um espectro desterrado, rondava a “grande, bela e luxuosa capital”, produzindo um “doloroso contraste”, sôfrego da atuação do Estado ou ainda, conforme conclamava Heitor Lyra da Silva, de qualquer um que tivesse “uma parcela de poder ou um elemento qualquer de prática”.
Nos anos iniciais do século XX, o processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro se expressou por meio de obras de embelezamento e saneamento justificadas pela necessidade de “dar ao Rio (...) o aspecto imponente das metrópoles do velho mundo e uma nova estrutura mais compatível com as atividades econômicas e as relações sociais [ali] radicadas” (BENCHIMOL, 1985, p.599). Pouco mais de uma década após o início de sua implementação, o projeto que deu base a esse processo parecia já não mais atender às expectativas iniciais, pois o “aspecto imponente” ansiado dependia em grande medida da condição de civilidade de sua população, prognóstico de Heitor Lyra da Silva ao indicar um novo direcionamento para a atuação sobre o urbano no período: o dever primordial de “cuidar antes de tudo da criatura humana”.
Heitor Lyra da Silva deu visibilidade às suas reflexões acerca dos desdobramentos das políticas urbanas que vinham sendo implementadas na capital carioca desde os anos iniciais do século. No trecho em questão nota-se sua opinião crítica a respeito do que se configurou no período em termos de intervenção na Capital Federal da República: a atuação do Estado quase exclusivamente voltada para a ordenação/edificação das formas materiais da cidade.
Os defensores da reforma urbana levada a cabo por Pereira Passos propunham o que consideravam uma “política ‘racional’ direcionada a corrigir os erros da ‘obra espontânea’ de gestação da cidade” (BENCHIMOL, 1985, p.599) a partir de “uma mudança radical em termos de gestão urbana” no país: em lugar do “modelo liberal do Império”, naquele momento era o Estado quem assumia o planejamento e a execução das obras de melhoramentos da cidade, “num vasto programa articulado de modernização de equipamentos e serviços urbanos” (PEREIRA, 1998, p. 146). As diretrizes então assumidas para essa nova orientação foram instauradas em consonância aos projetos políticos dos governos republicanos empossados no período, cujos resultados almejados incidiriam sobre as condições de vida da população da cidade.
Nos anos finais do século XIX, alimentou-se um ufanismo pela ascensão da capital da República à condição de metrópole “civilizada”. A cidade do Rio de Janeiro tornou-se apanágio do ideário modernizador e orientou a atuação sobre o urbano na virada do século (OLIVEIRA, 2000, p.140). O programa político de Rodrigues Alves tinha por objetivo dar respostas a expectativas atreladas às noções de civilização e progresso que justificaram, entre outras medidas, o impulso dos processos migratórios, esteio do desenvolvimento econômico à época que, por sua vez, dependia em grande medida do saneamento da Capital Federal (BRENNA, 1985, p. 53; PEREIRA, 1998, p. 145; BENCHIMOL, 1985, p. 611). As obras de remodelação e saneamento do Rio de Janeiro, realizadas durante seu mandato presidencial, configuraram o espaço físico da cidade com intervenções até então nunca imaginadas. No entanto, embora o objetivo principal desta política tenha sido “trazer credibilidade, investimentos e mão-de-obra para o Brasil, ampliando assim sua participação no mundo do moderno capitalismo internacional” (PEREIRA, 1998), sua condução potencializou os contrastes sociais existentes na cidade. A despeito das intenções modernizadoras, tais políticas urbanas intensificaram a situação de pobreza e miserabilidade que acometia parte da população carioca.
Ao mesmo tempo em que a capital do país era preparada para ser um centro atrativo aos investimentos e “braços” estrangeiros, associado às obras de demolição e reconstrução material da cidade, um “cipoal de leis, aplicadas draconicamente”, passou a cobrir ou disciplinar “esferas da existência social que até então haviam permanecido à margem ou refratárias à presença legisferante do Estado” (BENCHIMOL, 1985, p. 599), prática que pouco se diferenciava daquelas exercidas pelo Estado Imperial momentos antes da mudança do sistema de governo (CUNHA, 2003, p. 130). Em vista à considerada caótica situação em que se encontrava a capital da República, a nova forma de governo nasce sob a égide da ordem pública a fim de dar solução à “questão social”. Foi característica da atribuição da polícia “uma ação regida pela perspectiva do controle social, organizado, impessoal e objetivo”, ou seja, mais disciplinar do que repressiva (CUNHA, 2003, p. 172). Contudo, a situação de pobreza e miséria se agravava progressivamente na capital da República. À população já vasta, somavam-se escravos libertos vindos inclusive de outras regiões do país, migrantes, imigrantes e desempregados - o que ampliava o número de descontentes com os baixos salários, o aumento da inflação, a explosão da crise habitacional e a ausência de um controle eficiente das doenças epidêmicas e endêmicas. A repressão policial brutal às várias manifestações populares (revoltas, greves etc.), nos anos iniciais do século XX, passou de estratégia limite à atuação constante estabelecida sob o apoio dos governantes, industriais e de fazendeiros.
É importante termos claro que, embora o Rio de Janeiro tenha se mantido como grande centro econômico e político desde os tempos coloniais e concentrado, ao longo do século XIX, a maior parte da riqueza nacional, configurou simultaneamente uma situação de pobreza e miséria agravada substancialmente ao longo do período. O Rio concentrava nos anos iniciais do século XX uma legião de pobres analfabetos vivendo de forma desvalida. As condições de vida desta população eram consideradas ameaça pública; suas habitações, potenciais focos de doenças. Além disso, havia o medo de levantes de revoltosos. Ou seja, o convívio cotidiano entre a “bela e suntuosa” capital saneada e as péssimas condições de vida de sua população pobre, impedia o alcance do status desejado para a cidade, qual seja, ser considerada digna de comparação com as metrópoles civilizadas europeias. A persistência de tais problemas, notadamente, na capital federal do país, colocava em xeque a vigência do projeto republicano.
Como vimos, as críticas formuladas pelo engenheiro Heitor Lyra da Silva em 1917 recaíam sobre a ausência de políticas públicas, ou quaisquer outras medidas voltadas para a solução da questão social na cidade. Seu posicionamento não se tratou, obviamente, de iniciativa isolada, tão pouco inédita. Dar solução à questão social já se constituía objeto de reflexão das elites cariocas desde o século XIX. Contudo, um dos pontos fundamentais das estratégias de intervenção conduzidas nos anos iniciais do século XX diz respeito à construção de uma nova imagem para a Capital Federal da República recém instaurada. Isso porque, as representações de uma cidade doente consolidadas ainda em tempos imperiais, além de não corresponderem às aspirações de civilização e progresso que folegavam os adeptos do novo regime, “envergonhavam as autoridades diante da presença de ilustres visitantes” (CARPINTÉRO, 1997, p.55).
Se nos primórdios das intervenções urbanas, e da formação do pensamento urbanístico na cidade do Rio de Janeiro, as correlações entre os saberes médicos e o desenvolvimento da engenharia na condução da questão social eram evidentes (SILVA, 2012), em fins do século XIX, a noção de habitação insalubre associada às crises epidêmicas e endêmicas, incidência de doenças infectocontagiosas e ao aumento da presença de cortiços, estalagens e casas de cômodos, tipos de habitação coletiva comumente utilizadas pela população pobre da cidade, provocou um debate sobre a importância da moradia para os trabalhadores de baixa-renda.
Atuou com relevância na formulação desta questão o engenheiro Everardo Backheuser. Em 1906, Backheuser publicou um relatório sobre as habitações populares da Capital Federal5. No documento veiculado no último ano da gestão do presidente Rodrigues Alves, o engenheiro reconhece a importância do processo de finalização das obras conduzidas por Pereira Passos no Rio de Janeiro que, conforme afirmou, estaria “fadado de origem a sofrer uma remodelação que desse ao seu conjunto um melhor aspecto”. Não obstante, expressa sua opinião crítica a respeito do alcance das medidas de saneamento da reforma. Para Backheuser “faltava, porém, cuidar do lado quiçá mais importante do saneamento, qual o da habitação hygienica - oh! principalmente hygienica - para as classes pobres” (BACKHEUSER, 1906, p. 3). O engenheiro referia-se aos problemas relacionados aos cortiços e estalagens, “um problema para o controle social dos pobres” e “uma ameaça para as condições higiênicas da cidade” (BACKHEUSER, 1906, p. 31).
Como se sabe, nos anos que antecederam a virada do século o poder público municipal, nas figuras do prefeito Barata Ribeiro e do chefe de polícia da Capital Federal, instituiu medidas severas de controle, fiscalização e eliminação deste tipo de habitação (CHALHOUB, 1996, p.16). Conquanto, tais medidas não significaram a condução de políticas públicas para a resolução do problema da habitação popular, o que só começaria a se configurar nos anos iniciais do novo século. Sobre este aspecto, lamenta Backheuser: “Ora, todas essas derrubadas e fechamentos, se vinham sanear a cidade, como de facto vinham, por outro lado punham a população pobre em difficeis contingencias. Que succedeu?” (1906, p. 107).
Backheuser responsabilizou a especulação imobiliária por definir à época valores de aluguel incompatíveis com os custos que a população pobre poderia arcar. Segundo seu relato, não havia casas baratas em número suficiente para atender à demanda do contingente populacional que, a cada dia, aumentava na cidade. Com isso, muitos grupos acabavam “morando em casas immundas e menos hygiênicas”. Além disso, segundo sua avaliação, Oswaldo Cruz teria incorrido em erro ao solicitar a revogação temporária da lei de 10 de fevereiro de 1903, a qual “prohibia qualquer concerto, por menor que fosse”, nos cortiços da Capital Federal. Assim, observou: “essa disposição era benefica, pois em pouco tempo todos elles teriam ruído”. Oswaldo Cruz ordenou pequenos concertos de saneamento o que, no entendimento do engenheiro, teria perdurado esse tipo de habitação na cidade. A solução apresentada em seu relatório exigia do poder público e da iniciativa privada atenção à construção de novas moradias higiênicas (BACKHEUSER, 1906, p. 107).
A emergência na elaboração de um programa de edificação de habitação popular, parece-nos, justificou esforços do engenheiro também no sentido de divulgar a problemática e convergir o olhar ao menos do leitor da revista Renascença, suposto membro da “aristocracia” carioca, para a questão, a fim de conscientizá-lo de sua gravidade.6 É interessante, pois, notarmos que Everardo Backheuser não somente informava seus leitores, como bem lhes apresentava soluções possíveis para a eliminação do problema. Ainda no relatório, assim, expôs as conclusões a que chegou:
Esses aspectos de sua proposta são detalhadamente abordados no texto do relatório. Acerca do segundo, Backheuser considerou como se vê o modo de agrupamento em suas relações com “a questão ainda mais geral, universal quasi, da edificação de uma cidade” (BACKHEUSER, 1906, p. 7). Ruas, fachadas, trânsito, calçamento, arborização, o valor moral dos jardins e parques, os jardins domésticos “próprios de cada casa, e que por pequenos que sejam prestam relevantes serviços já á educação das crianças, já aos proprios paes” (BACKHEUSER, 1906, p. 9-10), são tratados em relação aos preceitos urbanos gerais. Sobre o primeiro, Backheuser assim justificou a necessidade de adoção rigorosa das técnicas sanitárias nesse tipo de habitação:
As noções de meios “direto” e “indireto” presentes nesse trecho interessam especialmente à nossa reflexão. O “bem estar” a que se refere Backheuser estaria ligado, como se vê, ao conhecimento das regras relacionadas ao “asseio e á limpeza da casa”, estas, à época, a seu ver, já vulgarizadas junto às classes médias e aos ricos pela educação que o Estado e as condições sociais lhes concedera. No caso específico do pobre, a falta de instrução, do conhecimento dessas regras, justificaria, para Backheuser, a necessidade urgente da atuação do “meio direto”, ou seja, a adequação da habitação popular às prescrições mais rígidas da engenharia sanitária. O caráter formador e moralizador da habitação higiênica, assim concebida, embora realçado nas observações e prescrições de Everardo Backheuser nos anos iniciais do século, somente seria viabilizado como política urbana em tempos futuros, quando relacionado ao conceito de habitação econômica difundido após 1930 como elemento eficaz de controle e moralização dos trabalhadores (CARPINTÉRO, 1997, p. 202).
Não obstante, a educação e a persuasão não são descartadas pelo engenheiro. Nessa perspectiva, os meios diretos e indiretos não se dissociam. Pelo contrário, são complementares, embora atuem em tempos diferenciados. O engenheiro considerava uma dimensão educacional, indissociável das novas formas de morar, sobretudo quando adotadas pelas populações pobres7. Este é um indicativo importante para entendermos como a questão educacional é elaborada pelos engenheiros fundadores da ABE correlacionada à questão urbana, entre eles, o próprio Backheuser. A atuação dos meios indiretos possibilitaria ao habitante pobre da cidade os conhecimentos vistos como requisitos necessários às novas formas de morar e atuar no espaço urbano constituído moderno balizadas por preceitos do ideário de reforma urbana prevalecente.
Se voltarmos nossa reflexão às palavras proferidas por Heitor Lyra da Silva pouco mais de uma década após a publicação do relatório de seu colega Everardo Backheuser, verificamos como a questão educacional tornou-se um dos principais elementos em seus propósitos de dar solução à questão social na cidade, àquela a que se refere, ou seja, à questão urbana.
Questões urbanas como questões educacionais: Cidade Moderna, lócus privilegiado para a educação do ”povo”
Na mesma época em que Heitor Lyra da Silva expressou suas reflexões, as péssimas condições de vida da população pobre da cidade já eram consideradas, em grande medida, consequências das políticas públicas (educacionais e urbanas), ou melhor, da ausência delas, conduzidas durante os primeiros anos da República no Brasil. Em termos educacionais, não havia um sistema de ensino nacional que possibilitasse a instrução do povo sob a responsabilidade do Estado, tal qual havia sido proposto pela propaganda republicana como objetivo a ser alcançado. A opção imigrantista havia facultado uma escola para poucos (CARVALHO, 1989). Ao mesmo tempo, as condições de vida da população pobre agravavam-se já que, inflacionado o mercado de aluguéis na área central da cidade, após a reforma Pereira Passos, ocorre um aumento significativo no adensamento populacional de bairros mais pobres não atingidos pela reforma (PAIXÃO, 2013, p. 123). Isto não impedia a permanência dessa população na região central, já que, a despeito do controle e da ação do Estado, mesmo após a reforma, os populares “desenvolveram estratégias e continuaram a disputar o espaço urbano com as elites” (PAIXÃO, 2013, p. 124). Além disso, o ideário urbano-industrial demandava ações que possibilitassem a formação do trabalhador livre disciplinado e moralizado. Heitor Lyra da Silva evidencia, portanto, a constatada negligência na preparação da maior parte da população brasileira para o acesso ao que compreendia “plena cidadania”, o que exigia, em sua fala, a devida reparação. Ao se pronunciar sobre as iniciativas dos fundadores da Escola Regional de Merity, assim concluiu:
A noção de reparação presente no discurso de Heitor Lyra da Silva compõe o conjunto de suas críticas às políticas de governo assumidas com a instauração da República. Regenerar o brasileiro era “dívida republicana a ser resgatada pelas novas gerações” (CARVALHO, 2002, p.213). A população pobre não havia sido incluída em nenhum aspecto no projeto idealizado de cidade e de sociedade conduzido nos anos iniciais da vigência desse sistema de governo no país. Portanto, não caberia a essa população compor a nova paisagem projetada para a capital da República. Assim, a crítica de Heitor Lyra ao modo pelo qual a gestão pública (municipal e federal) atuava nas questões urbanas, indagava a legitimidade de uma política que privilegiava obras urbanas e um projeto imigrantista em detrimento da formação do que compreendia como o “cidadão brasileiro”.
As teses racistas que deram base para a formulação do projeto imigrantista nos finais do século XIX perdem força argumentativa nos anos iniciais do novo século, dando primazia a noção de educação, que adquire importância como elemento determinante no aperfeiçoamento dos povos. “As imagens do negro e do mestiço como ‘vadio’ continuam a inquietar esse imaginário, mas deixam de ser o signo de uma incapacidade inamovível para o trabalho livre” (CARVALHO, 1989, p.11). Ao irromperem as greves operárias no início do século, atenua-se a visão idealizada construída nos anos finais do século XIX a respeito do trabalhador imigrante disciplinado, moralizado e operoso, o que contribui para a ascensão do discurso nacionalista. As lutas empreendidas pelos imigrantes contra a ausência de leis que garantissem seus direitos básicos, o preconceito a que estavam submetidos, as longas jornadas de trabalho fabril, o trabalho infantil, etc. refletiam as várias formas de exploração do trabalho nas relações de produção em vigor na primeira república (PATTO, 1999, p. 169).
A onda de nacionalismo crescente forjava um projeto político autoritário, onde a educação era percebida como “obra de modelagem de um povo” (CARVALHO, 1998, p. 9), algo que dependia, por sua vez, do aproveitamento do chamado “elemento nacional”. Assim, a nova diretiva para a implementação de políticas urbanas na cidade do Rio de Janeiro deveria contemplar, conforme sugeria Heitor Lyra da Silva, ações “capazes de transformar cada indivíduo em factor social útil, de eleval-o moralmente, de fornecer-lhe melhores elementos de conforto e de felicidade” (SILVA, 1972, p. 233).
Com esse objetivo, Lyra e seus colegas teceram um projeto educacional com vistas à execução do que denominaram “uma verdadeira obra de educação”, para a qual ações na área da saúde e da organização do trabalho faziam-se sustentáculos imprescindíveis. É desse modo que o projeto educacional, tal qual expresso por Lyra, vai assentar-se em três pilares principais, “saúde, moral e trabalho” e se constituirá como eixo base para um projeto político alternativo para o país (CARVALHO, 1998). Ou seja, formulado numa dimensão que amplia a acepção de educação do “povo” inscrita em ações que visariam a erradicação do analfabetismo, - já que amparado pela ação tutelar das elites esclarecidas, em bases cientificistas, em intervenções na cidade orientadas pelo paradigma urbano-industrial estabelecido, tendo como lócus privilegiado para sua concretização, a cidade moderna.
Aqui, vislumbramos confluências entre as ideias educacionais e urbanas como mecanismo de reorganização do social que possibilitaria a concretização dos projetos políticos elaborados pelos engenheiros da ABE. Contudo, vale a pena salientar, esse projeto educacional não se restringiu a ações exclusivas sobre as condições de vida da população pobre da cidade. Nessa época, Lyra já se mostrava descrente acerca da atuação do Estado para a resolução dos problemas da sociedade carioca, ou mesmo, da sociedade brasileira. Suas críticas ao que considerava a posição “passiva” das classes médias urbanas que, desprovidas de uma opinião pública, não debatiam as questões políticas, consistirá na elaboração de estratégias para a educação das elites no âmbito da ABE, com vistas aos principais temas norteadores da formação da nação8.
Obviamente, as falas de Heitor Lyra da Silva e Everardo Backheuser aqui recuperadas, não figuraram uníssonas. Pelo contrário, compuseram um cabedal de produções intelectuais sobre o tema que acabou por caracterizar na cidade uma intensa propagação dos novos ideários, educacional e urbano, notadamente entre os anos 1910 e 1920. Embora os textos destes engenheiros nos deem pistas importantes de como as ações sobre a materialidade da cidade, insisto, em toda a sua complexidade, e a formação da população por meio de um processo educacional, igualmente complexo, tornaram-se elementos imprescindíveis na atuação modernizante e disciplinar que se pretendia, sobretudo no que consistiu às ações sobre as condições de vida da população pobre, importa entendermos o modo como estes ideários foram privilegiados na produção intelectual do período.
As expectativas de mudanças que permearam as décadas de 1910 e 1920 incidiram na propagação intensa de novas ideias educacionais e urbanas, argumentadas como possibilidades técnico-científicas para o rearranjo do social, tal qual ansiado por membros das elites intelectuais cariocas. Este conjunto amplo, aos poucos, constituiu um arcabouço teórico que foi sendo tomado como elementar às práticas de intervenção (social e urbana) na capital do país, anos antes do fim da Primeira República. Inicialmente, as proposições elaboradas para a cidade moderna integravam um amplo programa de ação social, onde noções de educação, engenharia e medicina, campos de atuação orientados por preceitos médicos e higiênicos, amalgamavam-se no sentido de minimizar os graves problemas “sanitários” enfrentados na cidade.
As observações de homens cultos do século XIX, “sujeitos de conhecimento” capazes de “estabelecer um distanciamento considerado necessário para a observação objetiva e a avaliação sistemática do que passa a ser designado por sociedade”, orientadas pela experiência de conhecimento corrente na avaliação da natureza (olhar analítico e classificador), forjaram as imagens do “monstro urbano” e os objetivos de vigilância que permitiram distinguir nas cidades “o abismo existente entre ricos/’civilizados’ e pobres/’selvagens’”, a “cidade cindida em duas partes irreconciliáveis”. Esse repertório assume importância no reconhecimento das más condições sanitárias de algumas áreas da cidade e, de modo notório, das péssimas condições de salubridade das moradias coletivas. Conjugadas, essas observações representaram a formação de uma nova sensibilidade no século XIX, substância orientadora das políticas sanitárias implementadas nas cidades (BRESCIANI, 2019, p. 91-92).
A importância das questões sanitárias na configuração do espaço urbano teve correspondência na formação do campo conceitual do Urbanismo “como disciplina que se propõe planejar a organização e expansão das cidades”. No decorrer do século XIX, como demonstra Stella Bresciani, “um expressivo diálogo entre especialistas de diversas nacionalidades e formação - médicos higienistas, engenheiros sanitaristas e legisladores - deu lugar a “um ‘saber atuar’ sobre a materialidade dos núcleos urbanos e sobre o comportamento do citadino, passando a constituir um campo de ação especializado” (BRESCIANI, 2018, p. 403). A operação técnica dos especialistas se dava a partir de “elementos cruzados com questões filantrópicas, religiosas e morais, tecendo um complexo campo de conceitos e de ‘pré-conceitos’” (BRESCIANI, 2019, p. 409)9.
Embora atuassem de maneira integrada, a partir de meados dos anos 1910, estes campos vão sendo reivindicados como práticas especializadas. Um volume significativo de produções intelectuais passa a divulgar novas concepções educacionais e urbanas, concebidas como modernas e modernizadoras, além de integrá-las à crítica republicana como referências atualizadas e possibilidades de superação dos problemas identificados, ao menos, na capital do país. Em que pesem os modos como o campo de conhecimento e atuação educacional se configuraram no país, relacionados ao Escolanovismo e a educação moderna, ou como as teorias educacionais se constituíram como pressupostos das teorias urbanísticas em cidades brasileiras10, a questão educacional esteve indissociada da pretensão política de forjar a identidade nacional, formar o “povo” e transformar o país em nação. No Brasil, na conjuntura política dos anos 1910 e 1920, a importância atribuída à educação pelos intelectuais que integraram o Movimento de Renovação Educacional pretendia a efetivação de reformas políticas almejadas para o país. O ideal de sociedade proposto por parte da elite brasileira preconizava, dentre outros esforços, a conquista de uma uniformidade social, organizada, moralmente adequada e adaptada ao progresso. Nesses anos, postulou-se que todos os aspectos da formação humana dependiam, de certa forma, da organização da sociedade. A emergência desta nova concepção de sociabilidade ansiava pela organização, reorganização e disciplinamento do espaço público, o que compreendia métodos de racionalização aplicados à distribuição regrada das populações em espaços considerados mais adequados, bem como controle do lazer, moradia e trabalho (CARVALHO, 1998, p. 151).
Saneamento e embelezamento constituíram o eixo dos discursos do prefeito Carlos Sampaio sobre os objetivos das intervenções urbanas consideradas necessárias à cidade durante sua gestão. A permanência destes elementos como norteadores das intervenções na materialidade da capital do país remete-nos aos argumentos e justificativas para as obras realizadas por Pereira Passos ainda no início do século e pode ser atribuída a, no mínimo, dois fatores principais: a visão de mundo orientada por certezas científicas e pelo progresso técnico que perdurava na época, a qual via “o meio como agente modificador e potencializador de uma nova ordem, instaurador de novas relações sociais” (SILVA, 2003, p. 49); e a ideia de continuidade na execução dos projetos de modernização da cidade, a qual comprometia a cada novo prefeito nomeado (KESSLER, 2001).
As obras realizadas na Capital Federal foram uma constante na Primeira República e seus custos, extremamente onerosos, renderam à municipalidade dívidas internas e externas sem precedentes, já que muitos administradores optaram por adquirir empréstimos internacionais, a maioria, justificados para a conclusão destas obras. Assim, ações que visavam solucionar problemas relacionados à saúde e a educação da população, por exemplo, sobretudo a pobre, mantiveram-se irrisórias ao longo das primeiras décadas do século XX. Somente em 1908 ocorre um incremento da assistência médico-hospitalar municipal com a criação de um posto de assistência, posteriormente transformado em hospital. No caso específico da educação pública, em 1910 a prefeitura viu-se obrigada a realizar esforços no sentido de organizar a educação primária, tendo em vista o decreto que determinava às administrações municipais a responsabilidade da oferta desta etapa escolar. As ações, no entanto, não corresponderam à demanda estipulada em 49.265 crianças, já que a prefeitura, endividada e, por isso mesmo, sem condições de ampliar a oferta escolar, manteve somente 314 escolas destinadas a tal finalidade, o que teria gerado um intenso debate sobre o tema (KESSLER, 2001, p.4).
Em 1915, críticas de cunho nacionalista denunciavam a ineficiência do poder público (federal e municipal) para a resolução do problema educacional do país e reivindicavam intervenções nesse âmbito. As justificativas ressoavam os anseios de modernização da sociedade, haja vista as potencialidades da educação para a consolidação de uma cultura nacional, requisito para a construção do Brasil como uma sociedade moderna. As preocupações com as péssimas condições de vida da população pobre, como vimos, reclamavam ações sanitárias que dotassem os habitantes da cidade de hábitos higiênicos e moralizados. A educação era ainda compreendida como mecanismo de controle social e disciplinarização destas populações, percebidas como fatores potenciais de desestabilização do social. As exigências de preparo e adaptação do habitante pobre da cidade nestes termos inscreviam ações/intervenções na cidade, dada a necessidade de distribuição regrada destas populações em espaços considerados mais adequados, além da regulamentação controlada do lazer e do trabalho.
A campanha mobilizou as elites urbanas e configurou um movimento integrado pela reforma do social. Desde o início do século, ações no campo da medicina e engenharia social já compunham o leque de mobilizações que dava forma as intervenções desse tipo na cidade, ao lado de atos de assistência e caridade organizados por entidades filantrópicas nacionais e internacionais. Os reformadores sociais, no entanto, intentavam o aperfeiçoamento de tais intervenções buscando na ciência, na técnica e em experiências internacionais avaliadas como bem-sucedidas, fontes capazes de responder proficuamente as questões com as quais se defrontavam. Nessa época, o número de associações profissionais e cívicas denunciava o entusiasmo da sociedade com a possibilidade de se construir um novo Estado, forte e centralizado, e por novas leituras da realidade do país (SILVA, 1994, p. 1-2).
As exigências impostas pela sociedade civil organizada refletiam em muitos aspectos as ações do poder público municipal. Teimava-se empregar esforços na execução de obras na área central e sul da cidade, caso emblemático da gestão do engenheiro Paulo de Frontin, em 1919. Com isso, a situação das demais regiões da capital, já bastante deterioradas, fomentava a crítica não somente à municipalidade, mas, sobretudo, ao Governo Republicano, já que as obras de embelezamento e saneamento respondiam, em muitos aspectos, aos propósitos políticos delineados nos projetos do Estado Federal para sua capital.
É justamente esse contraste apontado como vimos na fala de Heitor Lyra da Silva que potencializa a crítica das elites urbanas cariocas, incitando-as a reivindicar ações no campo educacional e intervenções urbanas que englobassem a totalidade da cidade e suas populações. Evidentemente, não foram somente estes os motivos que desencadearam a crítica destes intelectuais, já que seus projetos pretendiam um alcance nacional. Não obstante, é importante termos claro que as políticas públicas para a cidade do Rio de Janeiro, tornaram-se estopins de muitos dos excessos das elites intelectuais no período.
A historiografia da cidade do Rio de Janeiro aponta para as preocupações com a imagem da capital da República como o principal fator que teria justificado as ações implementadas sobre sua materialidade ao longo das duas primeiras décadas do século XX. Essa concepção começa a ser questionada no âmbito da administração pública durante a gestão de Carlos Sampaio. As críticas teriam partido dos próprios engenheiros que atuaram na reforma urbana e no desmonte do Morro do Castelo, para os quais os problemas da cidade deveriam ser encarados como problemas da esfera pública e serem concebidos em sua globalidade (SILVA, 1994, p. 57). O debate em torno da elaboração de um plano para a cidade teria possibilitado a constituição do urbanismo carioca, visto pelos técnicos municipais como instrumento potencial de uma nova ordem técnica para a cidade (SILVA, 1994), algo que auxilia a compreensão dos rumos adotados para a elaboração de futuras políticas públicas para o Rio de Janeiro.
As questões urbanas se constituíram objeto de preocupação constante da Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal na década. As reformas resultaram não somente de uma atualização técnica verificada na época, mas especialmente, como estratégia de atuação política da municipalidade carioca. A política foi a área na qual “se tornou evidente o caráter pluridimensional da instrução pública no início do século XX” (PAULILO, 2003, p. 94). Essa análise permite uma interpretação das práticas dos intelectuais que se incumbiram da discussão, análise e execução de projetos educacionais no âmbito do movimento de reformas da instrução pública na cidade do Rio de Janeiro nos anos 1920. A urgência em se atribuir à técnica e ao trabalho lugares de destaque nos processos educacionais, a necessidade de emparelhamento entre os processos educacionais (educação pelo trabalho, aprendizagem de uma técnica profissional) e a ordenação dos processos de produção em uma economia capitalista, as tentativas de superação de um organização dualista da educação, um ensino primário e profissional para as classes empobrecidas e ensino secundário e superior para os membros das elites abastadas com vistas ao estabelecimento de um sistema de ensino que intencionava assegurar certa unicidade, ao menos inicial, da educação pública tanto para as camadas populares quanto para as mais abastadas (estabelecida segundo princípios de uma sociedade meritocrática), procurou atender às demandas de interiorização das normas e reprodução dos comportamentos desejados não somente porque assegurariam a ordem social, mas sobretudo, porque “representavam o prolongamento do processo civilizador reivindicado pelas reformas educacionais” (PAULILO, 2003, p. 102). Essa demanda resultou num projeto considerado mais modesto, “uma tarefa de moralidade, de aquisição de maneiras educadas e respeitáveis, de novos padrões de limpeza e correção, de etiqueta sexual e de conduta adequada em público”, cujos efeitos desejados, a regeneração da sociedade pela reforma do homem, articulavam a convicção de que a educação “era não mais indício, mas fator constitutivo da sociedade como nação” (PAULILO, 2003, p. 102-103).
Tem-se, com esse conjunto de medidas, os meios de assegurar ao sistema público de ensino as funções de vigilância, controle e correção, dimensões de uma política da educação popular antevista como eixo da organização social. Contudo, interessa notar o modo como o ideário urbano difundido e propagandeado ao longo desta década orientou programas escolares na cidade do Rio de Janeiro. Já em 1927, a discussão sobre a remodelação da Capital Federal passou a inscrever nos principais programas do ensino primário da capital práticas escolares correlatas aos desígnios para a capital do país. Nesta década, os setores da engenharia responsáveis pela execução das obras na cidade discutiam a elaboração e implementação de um plano geral para o Rio de Janeiro, o qual deveria abarcar soluções conjuntas para os problemas da urbe. Os esforços realizados por estes engenheiros ocasionaram um debate sobre a necessidade de reorganização da estrutura administrativa municipal e o redirecionamento das políticas públicas, exigido também pelos demais técnicos atuantes na prefeitura nas áreas da saúde e da educação. Desta forma, a importância de projetos voltados para a consolidação da instituição escolar pública encontrou ressonância neste processo de criação de um plano urbanístico para a cidade, com vistas à resolução dos problemas urbanos.
Primeiramente, o que queremos evidenciar é a maneira como o ideário urbano é erigido nesses novos projetos. Mesmo quando a instituição escolar se torna lócus privilegiado para a execução do projeto educacional pretendido, é o ideário urbano carioca o referencial orientador da sua constituição. Contudo, ao voltarmos o nosso olhar para a produção intelectual dos engenheiros membros-fundadores da ABE, temos a cidade tomada como lócus privilegiado para a consolidação dos projetos por eles elaborados. A cidade é, assim, interpretada como imperativo educacional. Os engenheiros desempenharam um papel de destaque na divulgação desta compreensão. Para esta classe de profissionais “servir o país, era (...) ratificar a vocação da cidade como índice de civilização”, ou seja, potencializar a cidade, como espaço de educação social (da elite e do povo). Essa educação possibilitaria uma nova ordem, cabendo ao urbanismo significar “ordem, beleza, higiene e conforto” (SILVA, 1994, p. 6)
Sendo a cidade um “espaço de educação social”, foi esta tomada objeto privilegiado das ações de intervenção no social, das dinâmicas da atuação sobre o urbano e do significado das novas ideias educacionais e urbanas nesse processo. Há nos anos 1920 um incremento das políticas públicas na resolução dos problemas cariocas. Se a cidade ganha centralidade nos projetos políticos desde os anos iniciais do século, o que ocorre em termos de adequação nos anos 1920 é a estruturação técnica e a institucionalização independente dos campos de atuação, saúde, educação, engenharia e arquitetura, especialmente no âmbito da municipalidade. Como dito, o Serviço de Higiene da prefeitura coordenado por Carlos Chagas mostrava-se autônomo. Em termos educacionais, em 1926 é criado o Departamento de Instrução Pública do Distrito Federal, dirigido por Fernando de Azevedo. A criação da Comissão do Plano Geral de Melhoramentos do Distrito Federal por Alaor Prata, embora não tenha consolidado ações na cidade, contribuiu para o rearranjo técnico e administrativo municipal e para a difusão de referenciais teóricos urbanos como orientadores das intervenções na cidade, tanto no campo da saúde, quanto no da educação.
A historiografia da cidade afirma o advento, no início do século XX, da atuação especializada de reformadores frente às questões sociais. Afirma terem as ações sobre o povo procurado diferenciar as “classes perigosas” da “classe operária respeitável” e determinado para cada intervenção um âmbito do saber, uma especialidade profissional e técnicas específicas. Neste contexto surge a atuação especializada sobre a “questão urbana”, a qual centraliza suas ações na vida privada do trabalhador, considerada promíscua, desprovida de condições mínimas de higiene e, em essência, desordenada ou não-normatizada (TOPALOV, 1996). É interessante como nesta época, a palavra urbanização carregava em sua significação relação estreita entre “um modo de vida caracterizado por um comportamento e o espaço físico onde estas novas formas de sociabilidade se desenvolvem” (LEME, 2001, p. 78-79). Portanto, estaria sob a incidência do comportamento da população.
O que vale é compreendermos como, em alguns momentos, a questão educacional, parece-nos, se confunde com a questão urbana, ao mesmo tempo em que a questão urbana também parece se confundir com a questão educacional. Ambas eram constituintes de uma problemática maior, a questão social. Parece, portanto, haver uma interdependência destas ações na atuação sobre um mesmo problema.
“A verdadeira obra educacional”
A descrença em ações exclusivamente voltadas para a erradicação do analfabetismo foi índice compartilhado entre muitos dos intelectuais que se debruçaram sobre a questão educacional nos anos 1910 e 1920. Não obstante, os propósitos de Heitor Lyra da Silva na década de 1910, não refletiam a urgência na organização da instrução pública, como é possível constatar na obra de Carneiro Leão, por exemplo11. Para este engenheiro, o caso específico do “levantamento do nível popular” se definiria a partir da atuação sobre três fatores principais: higiene, moral e trabalho (CARVALHO, 1998).
A instrução, conforme argumentava Heitor Lyra da Silva, poderia constituir-se em fator de desestabilização do social. No que se refere à atuação educacional para os mais pobres, à educação se atribuía a possibilidade de disciplinarização e distribuição regrada das populações em espaços mais adequados, pela regulamentação controlada do lazer e do trabalho. Assim, atrelada, nas primeiras décadas do século XX no Brasil, uma ordem social e moral era encarada como prioridade nas práticas de ordenamento do espaço urbano. A tarefa de civilizar tornou-se índice educacional.
Neste período, a questão educacional relacionava-se aos aspectos de intervenção na cidade, sobretudo pelas possibilidades estratégicas para produzir na população comportamentos adequados à configuração social que se pretendia. Desta forma, a elite intelectual brasileira almejava a formação moral e cívica da população e em projetos políticos, estabelecia imperativos educacionais expressos, dentre outros meios, nos mais diferentes modos de pensar a configuração do espaço urbano. Assim, a cidade foi tomada como lócus privilegiado para a consolidação de projetos políticos e também para normatização do comportamento do “povo”.
Segundo a historiadora Marta Carvalho, “medidas de tipo educacional certamente se apresentavam como recursos disponíveis de adequação dos costumes urbanos às exigências do trabalho industrial na ordem capitalista, apresentando-se como alternativa à pura violência policial” que caracterizou a atuação no urbano na capital da República (CARVALHO, 1998, p. 169-170). O tema da “organização racional do trabalho” integrou as expectativas referentes à ação formadora da escola. Mas, não somente nesse espaço institucional a questão da organização do trabalho garantiria lugar nas estratégias de atuação dos engenheiros da ABE. Segundo a análise da autora, a circulação do tema deveu-se à predominância de engenheiros na entidade. A importância dos profissionais da engenharia nas estratégias de introdução do taylorismo na sociedade brasileira (CARVALHO, 1998, p. 152) e como constituinte inclusive em ações no âmbito escolar, tinha como objetivo a racionalização do trabalho industrial e adequação da questão da organização do trabalho nacional, já que nos anos 1920 o tema da transição do trabalho escravo para o trabalho livre circulava em larga escala nas produções intelectuais de membros das elites urbanas.
A saúde da população, sobretudo a pobre, definia os objetivos principais das intervenções aludidas também pelos membros da ABE. Desta forma, no interior da ABE “propunha-se a sanear a sociedade, extirpando os elementos considerados perturbadores de seu bom funcionamento, convertendo questões sociais e políticas em questões de higiene” (CARVALHO, 1998, p. 152). A engenharia sanitária adquiriu grande importância na execução de ações destinadas a solucionar esta questão. Além disso, como vimos, a educação higiênica se agregava a estas ações como meio de adequação das populações às novas formas de morar e de se integrar aos novos espaços públicos e privados. Estes referenciais se mantiveram afiliados aos discursos produzidos no âmbito da Associação ao longo da década de 1920. Mas é importante termos claro como também sustentaram o projeto que justificou a sua criação.
Saúde, moral e trabalho fizeram parte de um conjunto de referenciais que se consolidariam nos ideais de cidade moderna circulantes à época. Christian Topalov nos esclarece que os movimentos atuantes na reforma urbana nos Estados Unidos e na Europa tiveram origem nos começos do século XX com os reformadores de moradias e os primeiros urbanistas. Foram movimentos não isolados, mas, sim, bastante articulados na atuação dos homens e ideias que fundamentavam suas ações. Nesse contexto, a estratégia do amplo projeto de reforma social pretendia “mudar a cidade para mudar a sociedade e, particularmente, o povo” (TOPALOV, 1996, p. 23-24), sendo o sentido destas mudanças pretendidas o da modernização com vistas à civilização. E, como já afirmamos, a cidade, condensadora das dimensões simbólicas da sociedade moderna e, portanto, civilizada, assim considerada, possibilitaria afirmarmos o ideário urbano difundido também no Brasil, no contexto aqui abordado, como orientador das ações projetadas para a organização da sociedade com objetivos políticos.
Se nos anos iniciais do século a atuação sobre a questão social na capital da República teria se caracterizado pelo embelezamento e saneamento da cidade, responsável pela expulsão da população pobre do centro, e pela criação de um conjunto de leis dedicado a reger o comportamento dessa população, nos anos 1920, engenheiros reivindicavam um projeto considerado por eles a “verdadeira obra de educação”, prevendo ações alçadas no tripé saúde, moral e trabalho, acerca das condições de vida da população.
A descrença na eficácia de ações voltadas para a erradicação do analfabetismo como propulsora da formação do cidadão nacional, realoca nesse projeto o lócus privilegiado para sua consolidação. Nele se evoca não a instituição escolar. É antes a cidade moderna o elemento norteador das ações nele implicadas. O processo educacional reitera a adaptação dos indivíduos a uma sociedade pautada pelo ideário urbanístico moderno. É justamente por isso que a cidade moderna, enquanto conceito, pôde ser concebida como instrumento para se chegar à sociedade desejada e, portanto, para a consolidação de projetos políticos. Assim concebida, ela, a cidade, condensou as acepções de modernidade e civilização, e, portanto, sugeriu e orientou as aspirações modernizadoras para o país.
A proposta destes engenheiros inverte, de certa forma, a orientação das políticas de intervenção na cidade do Rio de Janeiro, dedicadas ao longo das primeiras décadas do século XX quase exclusivamente ao seu embelezamento e saneamento. Como vimos, entendia-se a ideia de civilização atrelada a transformações na materialidade da cidade e nas possibilidades regulamentadoras das leis. O que estes intelectuais propõem é justamente que as medidas de intervenção fossem orientadas por um objetivo maior, qual seja, o de adaptar as populações, integrando-as ao meio. Assim, as intervenções na cidade deveriam privilegiar não somente seu embelezamento e saneamento, mas essencialmente, a constituição de um espaço físico adequado à população. Neste projeto o meio continua sendo estabelecido como elemento constituidor da civilidade. Contudo, as intervenções deveriam ser orientadas de modo a privilegiar estratégias educacionais a fim de adaptar estas populações a esse quadro.
O projeto educacional elaborado pelo engenheiro Heitor Lyra da Silva e ratificado por seus colegas operaria, em suas intenções, a consolidação do cidadão-citadino, como elementos constituintes indissociáveis. Assim, anunciava medidas de intervenção na sociedade, muito além das possibilidades formativas da instituição escolar. Era necessário inventar a sociedade e o habitante que nela se projetaria. Se na América durante os processos de formação da nação, o conceito de cidade é tomado por ser ela, a cidade, “a modernidade e a civilização por definição” (GORELIK, 1999, p. 56), a cidade do Rio de Janeiro é erigida como exemplar do processo modernizador da nação e, portanto, como conceito elementar da constituição do “povo”. Deste modo, tomada como índice educativo.
Resumo
Main Text
Os “Engenheiros Educadores”
A questão social e as problemáticas educacionais e urbanas: confluências entre ideários
Questões urbanas como questões educacionais: Cidade Moderna, lócus privilegiado para a educação do ”povo”
“A verdadeira obra educacional”
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