A vida (por Pe. Christian Ferreira)
A Vida[1]
Por Christian Ferreira[2]
A vida vale mais do que o sustento e o corpo mais do que as vestes.
(Lc 12,23)
Com esta frase de Jesus de Nazaré, do evangelho de Lucas, gostaria de iniciar uma singela e sucinta fala sobre a vida. Creio que, para além de qualquer posicionamento religioso, político ou cultural, a vida é um valor universal, pois, em todo tempo e lugar, onde há seres humanos plenos de consciência, a vida sempre é valorizada. E, de fato, ela deve mesmo ser valorizada, pois não há presente maior que recebemos se não o dom, a graça, a oportunidade de existir e praticar a vida. Se a vida é um dom, devemos compreendê-la como uma pedra bruta ou uma simples semente – ambas precisam do nosso esforço, da nossa mão, do nosso suor para alcançar a sua máxima potência. Daí a necessidade de sentido na vida, pois, como disse Sêneca, “quando não se sabe para qual porto navegar, nenhum vento é favorável”[3].
Infelizmente, perdemos muito de nossa capacidade de encontrar sentido na e para a vida. Às vezes, muitos de nós, vamos apenas vivendo deliberadamente dia após dia, sem projeto, sem objetivo. Qual o sentido de uma vida assim? Alguns procuram sentido nos bens, no sustento, mas, a vida é muito mais do que os bens. Outros acabam por se fechar em si mesmos, tornando-se frios e amargos – que tristeza! Creio que o maior sentido para a nossa vida seja o amor. Não o amor considerado como um sentimento epidérmico e superficial – não! Mas o amor como uma atitude ontológica, livre e consciente de se abrir à vida que brota de nossas relações com as pessoas que conosco partilham o seu dom de existir. Também acredito piamente na maior herança que podemos receber daqueles que já se foram e que podemos deixar para os que ficam: justamente uma vida bem vivida, bem-amada, bem compartilhada.
Um dia a Dama Blanca beijará o nosso rosto. Oxalá possamos aceitar este beijo casto e fraterno nos sentindo ufanos, orgulhosos de termos vivido e amado a vida como um dom, como um talento. Os dons e talentos que temos não são para ficarem guardados, mas para serem partilhados com aqueles que amamos. Orgulhamo-nos dos que já terminaram esta jornada tendo vivido assim – amando! E que o exemplo deles nos ensine a também vivermos desta maneira, pois, como nos diz São Paulo: “o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”[4].
[1] Oração espiritual declamada pelo próprio autor no 214º Concerto da USP Filarmônica, no Theatro Pedro II, a 26 de novembro de 2024, antes da sua própria apresentação como solista da obra La Dama Blanca, para barítono e orquestra – uma composição musical do maestro Prof. Dr. Rubens Russomanno Ricciardi (*Ribeirão Preto, 1964), com poema de Agustín Gómez-Lubián Urioste, conhecido revolucionário Chiqui de Cuba (Santa Clara de Cuba, 1937-1957).
[2] Padre da Arquidiocese de Ribeirão Preto, estudante de graduação no Bacharelado em Canto pelo Departamento de Música da FFCLRP-USP e bolsista do Programa Unificado de Bolsas da USP (Bolsa PUB), sob orientação da Profa. Dra. Maria Yuka de Almeida Prado.
[3] SÊNECA, Carta 71: Sobre o Bem Supremo, nº 2-3.
[4] 1Cor 13,7.