Tratadas e vacinadas, aguadas e cancerígenas
a colonização das dietas indígenas por sistemas de produção de carne
DOI:
https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v1i1p82-100Palavras-chave:
Carne, Ovos, Indígenas, Karitiana, Animais domésticosResumo
Neste artigo analiso um fenômeno particular ainda pouco estudado no tocante às alterações das dietas indígenas: o consumo de produtos oriundos de espécies animais exóticas, introduzidas após o encontro com os brancos. Sabemos que a carne de vários desses seres (principalmente galinhas, bois e porcos), assim como outros produtos extraídos de alguns desses animais, frequentam os cardápios de diversos grupos indígenas há tempos, mas pouco se tem refletido sobre as formas locais de incorporação dessas novidades, talvez porque tenha se considerado todos os produtos de origem animal como uma só e mesma coisa: carne, leite, ovos. Aqui, partindo do meu próprio material de pesquisa entre os Karitiana e apoiado em outras referências históricas e etnográficas, argumento que esses novos alimentos são, amiúde, claramente distinguidos dos alimentos de origem animal nativos. Esta distinção sustenta, inclusive, formas de reflexão sobre esses processos de colonização das dietas indígenas, funcionando como uma forma de crítica não apenas a essas mudanças pós-contato, mas também aos processos contemporâneos de produção de comida entre os não indígenas.
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