Açúcares e americanidades
sobre representações sociais do açúcar nas Américas e impactos nas tradições da doçaria
DOI:
https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v1i2p151-152Palavras-chave:
Tradições do açúcar, Américas, Colonialidade-modernidade, Representações sociais, ResistênciaResumo
As tradições da doçaria brasileira remontam a práticas milenares. Na Pérsia Sasaniana, por volta de 460 CE, o processo de refino do xarope de cana-de-açúcar já existia, e o açúcar era exportado para os países vizinhos. Dessa região, as tradições da doçaria foram difundidas em torno do Mediterrâneo e suas influências chegaram à Península Ibérica. Portugal, aliás, foi o maior difusor da cultura do açúcar, sendo responsável pelo estabelecimento de refinarias em Flandres, na Antuérpia e Amsterdã, tendo dominado o seu comércio atlântico e impulsionado a empresa colonizadora das Américas. O interesse por dominar os lucros e o mercado do açúcar levaram a uma sucessão de práticas violentas para a tomada de entrepostos, colônias e negócios marítimos dos portugueses pelos holandeses e os ingleses. Estes últimos se tornaram “vitoriosos” no controle da nova commodity. A plantation dos ingleses, consoante o antropólogo Sidney Mintz, foi o primeiro empreendimento capitalista. Logo, podemos dizer que a história do açúcar é também a da invenção do sistema-mundo moderno. Segundo os sociólogos Immanuel Wallerstein e Aníbal Quijano, esse sistema mundo-moderno caracterizou-se pelo nascimento de uma nova identidade: a americanidade. A partir da posição geossocial que estava fora de um sistema cultural, histórico, socioeconômico e geopolítico já existente, as Américas produziram uma contraface ao mundo europeizado, inventando desigualdades de culturas e “raças” e entre periferias e os países centrais da modernidade. Considerando essas condições, como poderíamos pensar a representação social do açúcar no âmbito da americanidade? Uma pesquisa sobre a “evolução” dos doces na história da alimentação nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha nos auxilia a responder a questão. Verificou-se que, quando se trata de explicar a origem dos doces nessas regiões, cuja cultura tem pouca relação com as tradições milenares da cana-de-açúcar, há uma omissão do seu vínculo histórico com estas tradições. É como se a cultura das caldas de açúcar, tal como nas tradições brasileiras, fosse apenas uma tipologia menor, esvaziada de sua importância histórica. Num exame atento, pautado pelo conceito de americanidade, encontraremos elementos para perceber que a cultura do açúcar de cana-de-açúcar foi associada à etnicidade periférica, pautada por representações negativas. A historiografia em questão desvinculou-se de sua participação nas práticas violentas da exploração do açúcar, passando a enfatizar positivamente os açúcares artificializados, o uso da tecnologia e a indústria. O estudo nos ajuda a entender melhor a construção social de representações negativas do açúcar, com as quais convivemos na contemporaneidade e de que maneiras estas não coadunam com a importância social e cultural do açúcar no Brasil. O estudo fornece um contraponto aos discursos atuais sobre os males causados pelo açúcar de cana-de-açúcar, fortalecendo argumentos em prol da valorização e importância da doçaria brasileira.
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