Virado de feijão
discursos médicos sobre a culinária caipira em São Paulo (1890-1930)
DOI:
https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v1i2p161-162Palavras-chave:
Culinária caipira, São Paulo, Abastecimento de alimentos, Saúde pública, HistóriaResumo
Nos últimos anos, a formação de uma culinária caipira em São Paulo se constituiu em objeto de reflexão de historiadores, cientistas sociais e gastrônomos interessados na história da alimentação. No livro A culinária caipira da Paulistânia (2018), os autores Carlos Alberto Dória e Marcelo Côrrea Bastos observam que a origem deste modo de comer se situa na conjunção de hábitos alimentares portugueses e indígenas, plasmados na figura do bandeirante e consolidados no amplo território desbravado e colonizado pelos paulistas do período colonial. Esta culinária caipira teria se modificado somente no final do século XIX, após o advento da República, sob a influência de transformações socioeconômicas promovidas pela expansão cafeeira e o processo de urbanização deste período.
Nesta apresentação, discutimos como esta tese dialoga com uma tradição intelectual que remete ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e suas proposições acerca da identidade paulista, cuja elaboração simbólica se caracterizou por uma construção mítica da figura do caipira e do bandeirante, na qual a presença e a contribuição dos negros foram escamoteadas do processo histórico regional. Quanto à desagregação desta culinária caipira na Primeira República, analisamos a intervenção dos médicos e das instituições paulistas de saúde pública, organizadas no período, na fiscalização sanitária dos alimentos e na formulação de propostas de reforma dos hábitos alimentares vigentes, como dimensões fundamentais para os projetos de modernização de São Paulo promovidos pelas elites cafeeiras.
Desse modo, visamos contribuir para o debate historiográfico sobre a formação desta culinária caipira pelos sertões do país, analisando as condições socioeconômicas do abastecimento de gêneros alimentícios em São Paulo, nos séculos XVIII e XIX, no qual os negros se engajaram diretamente na produção e comércio de alimentos, “interagindo nas práticas sociais e nos relacionamentos deste universo caipira”, conforme observa Maria Cristina Cortez Wissenbach.
Em relação às transformações nos hábitos alimentares em São Paulo, no início do século XX, a análise dos discursos das autoridades médicas vinculadas às instituições paulistas de medicina e de saúde pública aponta para uma crescente suspeita sanitária sobre os gêneros que compõem a alimentação do caipira – milho, feijão, carne de porco – em um contexto de elaboração de uma ideia de dieta moderna e saudável, baseada nos conhecimentos das ciências da Higiene.
Concomitantemente, os médicos incentivaram a diversificação na produção agrícola de alimentos em São Paulo, particularmente de gêneros associados a uma cultura alimentar europeia como o pão de trigo, o vinho e a carne de vaca, como uma medida para reduzir a dependência da economia paulista em relação à cultura cafeeira e proporcionar melhores condições sociais para a adaptação e fixação do imigrante europeu no estado.
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