“A arte culinária na Bahia”
obra de Manuel Querino
DOI:
https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v1i2p179Palavras-chave:
Manuel Querino, Culinária na Bahia, Alimentação dos escravos, Década de 1920Resumo
A presente comunicação visa delinear o contexto sociocultural que deu origem ao conjunto de receitas coligidas por Manuel Querino (1851-1923), publicadas na obra intitulada: A arte culinária na Bahia (1922). Três décadas após a abolição do sistema escravista e a proclamação da República, diversos intelectuais brasileiros, empenhados em valorizar os traços específicos do país, procuraram distanciar-se da herança portuguesa. Ampliaram o conceito de três raças formadoras da nação: indígena, portuguesa e africana, acoplado (na visão de autores como Gilberto Freyre) a uma utópica democracia racial.
Ao apresentar um rol costumeiro de receitas soteropolitanas, Querino, estudioso negro, não limitou seu escopo à divulgação de criações culinárias locais. Comentários acompanhando o detalhamento dos preparos possibilitam ao leitor inferir o intento que orientou o empreendimento: um desejo de afirmar e dignificar o aporte cultural da população negra à modelagem de um cardápio local. Segundo observou Raul Lody (na apresentação de edição recente da obra do autor), Querino “inaugurou um olhar e um estilo em torno de matriz africana, baseado em suas vivências pessoais no Recôncavo baiano...”.
Semelhante contribuição suscita indagações. Em que circunstâncias uma culinária de matriz africana teria surgido na Bahia? Em área rural ou urbana? Nas casas ou nas ruas da cidade (às mãos de vendedoras ambulantes)? E, por conseguinte, quando foi que essas iguarias saborosas e nutritivas, de tempero marcante, elaboradas com ingredientes de custo módico e um uso trabalhoso da pedra de ralar começaram a ser amplamente apreciadas pelo conjunto da população, tornando-se elemento simbólico representativo de uma identidade baiana? Em tempos coloniais? Após a abolição?
Fundamentada na perspectiva da micro-história apresentada por Carlo Ginzburg em Mito, emblemas e sinais (1986; em versão brasileira, publicado pela Companhia das Letras, 1989), pretendo delinear uma reflexão etno-histórica sobre os fenômenos envolvidos e apontar aspectos da história da alimentação baiana que merecem discussão. Comentários rápidos de cronistas, de viajantes ou de autores do período colonial como o poeta Gregório de Matos Guerra e documentos analisados por historiadores como Richard Graham, autor da obra Alimentar a cidade: das vendedoras de rua à reforma liberal (Salvador, 1780 –1860), servirão de indícios para desvendar as peculiaridades do contexto soteropolitano que presidiram à publicação da obra de Manuel Querino.
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