Trinchando o potencial gastronômico
reflexões sobre as fronteiras do comer na contemporaneidade
DOI:
https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v1i2p228Palavras-chave:
Gastronomia, Gosto, Comunidades tradicionais, CoevoluçãoResumo
Temos pensado sobre as possíveis condições e consequências das relações que a gastronomia tece com comunidades tradicionais por meio de produtos que carregam “potencial gastronômico”. Nosso recorte diz respeito à produção e à circulação da Pimenta Baniwa do Tipo Jiquitaia e à execução do Projeto Baunilha do Cerrado, ambos vinculados ao Instituto ATA, de Alex Atala. A Pimenta Baniwa do Tipo Jiquitaia é um pó à base de uma mistura de pimentas secas com sal, produzido por mulheres indígenas da etnia Baniwa, na região amazônica do Alto Rio Negro. Já o Projeto Baunilha do Cerrado é desenvolvido no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, em Cavalcante, Goiás, e prevê a estruturação de uma cadeia para escoar baunilhas nativas a partir do manejo de quilombolas Kalunga.
Os temas do gosto e dos seus processos de construção em contextos distintos impõem-se à nossa análise, levando-nos a repensar a complexidade do postulado de que “comer é cultura”, afirmado, por exemplo, por Lívia Barbosa e Massimo Montanari. Se, por um lado, aos gostos praticados pela gastronomia agradam os usos de alguns produtos provenientes de comunidades tradicionais quando transformados em ingredientes e experiências estéticas que não estão acessíveis a todas as pessoas, às comunidades tradicionais, por outro lado, voltam-se os gostos pelo manejo de uma diversidade de espécies que, histórica e simultaneamente, tem permitido suas existências, conforme lemos em Práticas e saberes de agrobiodiversidade: a contribuição de povos tradicionais (2018).
Partindo disso, os gostos dos Baniwa pelas pimentas que originam a jiquitaia, assim como os possíveis gostos dos Kalunga pelas orquídeas de baunilha, são resultantes de longevos processos de coevolução entre humanos e plantas. Como nos lembram Anna Tsing, Manuela Carneiro da Cunha e Laure Emperaire, a organização dos sentidos que envolvem os modos de vida dessas e outras comunidades tradicionais não se pauta em especismos fundados na própria separação entre natureza e cultura, cara às análises sobre o comer e a alimentação. A partir do exposto, desdobraremos algumas reflexões acerca da gastronomia e do comer, tanto do ponto de vista dos fatores sociais de formação do gosto e dos paladares – lendo autores como Pierre Bourdieu e Carlos Alberto Dória –, quanto dos fatores sociobiológicos do desenvolvimento de determinadas plantas.
Para pensar os usos e os sentidos variados que essas plantas engendram em contextos diferentes e distintos, recorreremos ainda a uma revisão bibliográfica de caráter multidisciplinar, que inclui relatos de viagens, etnografias e trabalhos nas áreas da sociologia, história, biologia e ecologia. Assim, poderemos apontar, mesmo que de modo preliminar, alguns limites e possibilidades das relações estabelecidas entre a gastronomia e as comunidades tradicionais, considerando os processos coevolutivos que subjazem as existências das últimas e, por consequência, de ingredientes com “potencial gastronômico”.
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