Psicometria: aplicações na Enfermagem

Autores

  • Renata Eloah de Lucena Ferretti-Rebustini Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem, Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica, São Paulo, SP, Brasil http://orcid.org/0000-0002-6159-5787

DOI:

https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3994

Resumo

Os fenômenos avaliados pelos enfermeiros, em sua prática profissional ou científica, têm se tornado complexos e requerido uma multiplicidade de informações para a formação do pensamento crítico e do raciocínio clínico. Os paradigmas de avaliação em saúde têm mudado, impondo a necessidade de evolução nos processos e métodos avaliativos, tanto para mensuração de fenômenos objetivos quanto subjetivos. Avaliar fenômenos subjetivos, indiretamente observáveis, pode ser um desafio, pois depende de uma mensuração objetiva que sirva de evidência para fortalecer a impressão clínica do enfermeiro durante a avaliação. Instrumentos de medida (testes, escalas, inventários, índices, dentre outros)((1)) tornam a mensuração objetiva. Desta forma, tais instrumentos podem ser utilizados para detectar, quantificar, descrever, informar, explicar, predizer fenômenos diversos, além de orientar a tomada de conduta. Na Enfermagem, os instrumentos apoiam o processo de ensino e aprendizagem na formação inicial, continuada e permanente do enfermeiro; subsidiam a avaliação clínica inerente ao Processo de Enfermagem e à prática avançada; direcionam o gerenciamento do cuidado e mensuram fenômenos em pesquisas científicas. Porém, para que cumpram seu papel de mensuração, devem ter suas propriedades métricas analisadas. Para analisar tais propriedades, a ciência da mensuração deve ser empregada. A psicometria se preocupa com a mensuração e predição de fenômenos psicológicos, atitudinais e comportamentais((2)). Pode também ser usada em uma perspectiva clinimétrica. Quando entendida como um método de investigação, preocupa-se em avaliar os atributos de um instrumento no que se refere ao tipo de informação gerada, à validade e à confiabilidade dos dados,  relacionando-se com os procedimentos usados para avaliar tais atributos((1)), mas não se restringe ao emprego de técnicas estatísticas para analisar dados relacionados à aplicação de instrumentos((3)). Utiliza um referencial teórico próprio para fundamentar e direcionar a forma de análise dos dados, em uma perspectiva quantitativa e qualitativa combinada, relacionada ao tipo de evidência pretendida. A psicometria é norteada por dois modelos teóricos: a teoria clássica dos testes (TCT) e a teoria de resposta ao item (TRI)((1)). Cada um destes modelos direcionará a aplicação dos procedimentos psicométricos sob diferentes perspectivas. A TCT aborda o instrumento na perspectiva do conjunto de itens que o compõem e a TRI o faz na perspectiva de cada item individualmente((1)). Em ambos os modelos, um conjunto de procedimentos e técnicas combinadas avaliam as evidências de validade e de confiabilidade, que por sua vez representam os atributos necessários para evidenciar a qualidade métrica de um instrumento. Validade e confiabilidade são atributos distintos, porém inter-relacionados. A validade representa o quanto um instrumento avalia aquilo que se propõe a medir, sob diferentes perspectivas relacionadas ao tipo de validade em análise, sendo considerada a evidência mais importante da qualidade métrica de um instrumento((1)). Sem sua análise, as mensurações são potencialmente perigosas, sobretudo quando apoiam a tomada de conduta em saúde. A confiabilidade se relaciona com a constância do produto da avaliação em diferentes momentos ou situações((1)). Ambas devem ser baseadas em sólida evidência empírica. De fato, a ciência psicométrica tem evoluído de tal modo que, atualmente, seus modelos teóricos são entendidos como complementares e igualmente importantes. Eles se diferenciam no objetivo da análise e no tipo de inferência a ser apresentada. O uso de procedimentos combinados para análise de dados é o que a Psicometria contemporânea requer e nesta evolução os tipos de validade também foram se modificando. Atualmente, existem cinco tipos de evidência de validade (conteúdo do teste, processo de resposta, estrutura interna, associação com outras variáveis e consequência do uso)((1)), cada qual com um conjunto de técnicas específicas, a serem empregadas de modo encadeado. As técnicas foram aprimoradas, novos índices foram incorporados, softwares foram desenvolvidos((1),(4)). O grande desafio para o pesquisador é saber quando empregar uma técnica ou outra, de acordo com o objetivo da análise e com o modelo teórico que obrigatoriamente deve ser fundamentado nos princípios norteadores da ciência psicométrica((4)). Não há mais espaço para o emprego de técnicas comprovadamente ultrapassadas há décadas((5)). O emprego de procedimentos ultrapassados fere os princípios de integridade e boas práticas científicas e representa um desserviço para a sociedade, além de se constituir em um grande problema ético((1),(5)). A Psicometria, entendida aqui como sendo uma ciência de mensuração e não apenas um conjunto de técnicas estatísticas empregadas para análise de dados de avaliação de instrumentos, tem muito a contribuir para a Enfermagem. Pode ser usada para construir, adaptar e/ou analisar evidências de validade e confiabilidade de instrumentos que apoiem a prática científica e profissional do enfermeiro. Desde que pautada em um referencial teórico contemporâneo e bem aplicado, contribui para o delineamento de estudos com alto rigor metodológico e para o desenvolvimento do conhecimento em Enfermagem. A disponibilização de instrumentos de medida que realmente avaliem os fenômenos de interesse em enfermagem e saúde com validade e precisão é essencial para a qualidade do cuidado e segurança do paciente. É dever de todo enfermeiro pautar sua prática profissional nas melhores evidências disponíveis. É dever de todo pesquisador produzir conhecimento derivado de investigação norteada pelas melhores práticas científicas. Mais do que um dever científico, é uma obrigação social.

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Publicado

2023-08-04

Edição

Seção

Editorial

Como Citar

Psicometria: aplicações na Enfermagem. (2023). Revista Latino-Americana De Enfermagem, 31, e-3992. https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3994