Iniciativa Global para o Controle do Câncer Infantil: aumentando o acesso, melhorando a qualidade, salvando vidas

Autores

  • Regina Aparecida Garcia de Lima Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. http://orcid.org/0000-0002-0611-5621
  • Luís Carlos Lopes-Júnior Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências da Saúde, Vitória, ES, Brasil. http://orcid.org/0000-0002-2424-6510
  • Edmara Bazoni Soares Maia Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Enfermagem, Departamento de Enfermagem Pediátrica, São Paulo, SP, Brasil. http://orcid.org/0000-0003-2996-6936
  • Soad Fuentes-Alabi Organización Panamericana de la Salud, Departamento de Enfermedades No Transmisibles, Unidad de Cancer, Washington, D.C., Estados Unidos da América. http://orcid.org/0000-0003-4245-3537
  • María Liliana Vásquez Ponce Pan American Health Organization, Unit of Non Communicable Diseases, Washington, D.C., Estados Unidos da América. http://orcid.org/0000-0002-9584-3208

DOI:

https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.4000

Resumo

As estatísticas globais de câncer são cada vez mais alarmantes: em 2022 houve aproximadamente 20 milhões de novos casos de câncer e 10 milhões de mortes(1). Em particular, em relação ao câncer infantojuvenil, a cada ano cerca de 280.000 crianças e adolescentes de 0 a 19 anos desenvolvem câncer em todo o mundo(2) e, desses, 9 em cada 10 vivem em países de baixa e média renda, onde o tratamento geralmente não está disponível ou é de alto custo(2). Na América Latina e no Caribe, estima-se que pelo menos 29.000 menores de 19 anos desenvolverão câncer a cada ano. Em países de alta renda, mais de 80% das crianças e dos adolescentes com câncer são curados, mas a taxa de cura é de aproximadamente 20% nos países de baixa e média renda(3).

As mortes evitáveis por câncer nesta população em países de baixa e média renda estão relacionadas ao subdiagnóstico, ao diagnóstico tardio ou incorreto, às dificuldades de acesso a cuidados de saúde, a doença avançada no estabelecimento do diagnóstico, a falta de acesso a tratamento e cuidados de suporte em centros de referência ou a profissionais de saúde com conhecimento e treinamento especializados. Podem, ainda, ocorrer por abandono do tratamento em decorrência das dificuldades das famílias de assumirem os custos diretos dos cuidados de saúde, morte por toxicidade das drogas e maiores taxas de recorrência. Razões subjacentes para essa disparidade têm sido vinculadas a indicadores dos sistemas de saúde, como gasto nacional anual com saúde per capita, número de médicos e enfermeiras por 1.000 habitantes e capacidade institucional. No que se refere à capacidade institucional, destaca-se o número inadequado de profissionais de saúde qualificados e recursos limitados de cuidados de suporte, por exemplo, medicamentos e hemoderivados(3).

Mesmo considerado mais raro quando comparado ao câncer do adulto, o câncer infanto-juvenil também figura como relevante problema de saúde pública(2). Investir em programas de controle do câncer, em particular do câncer infantojuvenil, supera os custos econômicos, pois cada criança ou adolescente que morre prematuramente em decorrência da enfermidade representa uma perda para a família e ameaça à coesão familiar, levando, também, a uma perda social em longo prazo. Além da justificativa econômica, as políticas para o controle do câncer infantojuvenil devem incorporar os princípios da equidade, dos direitos humanos e da justiça social(3-4). Tais princípios estão apoiados na Declaração de Alma-Ata(5) quando ela trata da valorização da vida e da dignidade humana, afirmando que todas as pessoas importam e não podem ser deixadas para trás. A necessidade crucial de equidade nos cuidados oncológicos, independentemente da idade, dos antecedentes sociodemográficos ou do diagnóstico, é a base da justiça social nos serviços de saúde(4). Neste sentido, o local onde uma criança ou adolescente reside não deve determinar se eles sobreviverão ou não ao câncer.

Para enfrentar essa profunda desigualdade, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o St. Jude Children’s Research Hospital lançaram, em 2018, a Iniciativa Global da OMS para o Controle de Câncer Infantil, e para atingir o objetivo declarado de aumentar a sobrevida de crianças e adolescentes com câncer para pelo menos 60% até 2030, melhorias no acesso e qualidade de cuidados foram estabelecidas(3). Para tanto, a Iniciativa estabeleceu dois objetivos principais: aumentar a capacidade dos países de fornecer serviços e informações de qualidade e aumentar a prioridade do câncer infantojuvenil em nível global, nacional e regional, a partir do CureAll framework(3).

A estrutura CureAll enfatiza a necessidade de cuidados multidisciplinares centrados na família de crianças e adolescentes com câncer. Prevê o desenvolvimento de recursos direcionados aos profissionais de saúde como fundamental para garantir que práticas baseadas em evidências sejam implementadas no cuidado oncológico. Tais recursos, incluindo orientações, cursos de treinamento e relatórios técnicos, fornecem aos profissionais de saúde as ferramentas e informações necessárias para fornecer cuidados de qualidade, adaptados às necessidades de seus pacientes.

Inúmeras estratégias têm sido propostas para melhorar a taxa de sobrevivência de crianças e adolescentes com câncer em países de baixa e media renda, incluindo esforços de conscientização da comunidade, atendimento orientado por protocolos cooperativos e atendimento interdisciplinar. A necessidade de enfermeiros oncológicos pediátricos competentes é um aspecto do cuidado universalmente reconhecido como essencial em todas essas estratégias(6).

A OMS reconhece os enfermeiros como “clínicos de linha de frente”, essenciais para melhorar o acesso aos cuidados de saúde(7). Neste sentido, educação especializada, quantitativo adequado de pessoal e equipamentos são necessários para apoiar a complexa prática de enfermagem. Os cuidados de enfermagem em oncologia pediátrica requerem um amplo e profundo conhecimento do câncer infantojuvenil e habilidades clínicas avançadas. Hospitais em países de alta renda fornecem educação permanente para enfermeiros de oncologia pediátrica recém-contratados, diferentemente das instituições de saúde dos países de baixa e média renda, onde muitas vezes isso não está disponível. Ademais, em muitos países um plano de carreira profissional para enfermeiros nem sempre está pactuado para regular o papel e as funções do enfermeiro oncológico e, em última instância, o aporte financeiro de acordo com suas competências(6-7).

Nesse sentido, a recente obra “Escopo da Prática de Enfermagem Pediátrica Oncológica na América Latina”(8), como parte da CureAll Framework, lançada em janeiro de 2023 pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), carrega o ineditismo de reunir e sistematizar as recomendações para apoiar as enfermeiras e os enfermeiros da América Latina e do Caribe no seu ofício de cuidar de crianças e adolescentes com câncer, bem como de suas famílias. A presente obra é destinada a gestores de saúde, gerentes hospitalares, instituições formadoras e para a Enfermagem Oncológica, principalmente enfermeiras e enfermeiros especialistas em Oncologia Pediátrica, com o objetivo de apresentar as Competências Essenciais para a Prática dos Enfermeiros Pediatras Oncológicos da América Latina e do Caribe. As bases teóricas de sustentação para a sistematização das recomendações contidas na presente obra foram o Cuidado Centrado no Paciente e na Família, referencial reconhecido internacionalmente e amplamente utilizado como um arcabouço teórico que possibilita a interlocução entre as diferentes realidades desta prática. A segunda base teórica foi o Caring for Teenagers and Young Adults with Cancer: a Competence and Career Framework for Nursing, elaborado pelo Teenage Cancer Trust/Royal College of Nursing. Esse documento apresenta o processo de construção das competências dos enfermeiros para o cuidado ao adolescente e adulto jovem com câncer, sustentada em seis domínios:1) Cuidados clínicos e de suporte; 2) Educação e pesquisa; 3) Envolvimento e advocacy; 4) Equipe interprofissional e trajetória da criança ou adolescente com câncer e sua família; 5) Liderança e desenvolvimento profissional e 6) Desenvolvimento de políticas e serviços de saúde.

As duas bases teóricas estão alinhadas, também, às diretrizes da Aliança Global da OMS para o Controle do Câncer Infantil no que diz respeito à necessidade de centros de excelência e redes de atendimento com equipes interprofissionais especializadas e prática colaborativa. Assim, a educação permanente e o treinamento são peças-chave para aumentar as habilidades, os conhecimentos clínicos, a liderança e a capacidade política dos enfermeiros em oncologia pediátrica.

Os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, educadores e partes interessadas (stakeholders) precisam identificar e incorporar as competências essenciais que determinam o escopo da prática do cuidado seguro e qualificado, a partir de conhecimentos, habilidades e atitudes, características necessárias para a prática profissional eficaz. A identificação dessas competências garante que as profissões de saúde sejam bem definidas, promove forças de trabalho competentes, facilita a avaliação de forma oportuna, autônima e científica por meio de prática baseada em evidência, bem como facilita a mobilidade profissional.

A Iniciativa Global é uma política pública que apresenta aos enfermeiros e as enfermeiras da Oncopediatria diretrizes para que eles possam mudar as circunstâncias, onde quer que atuem, para atingir a meta de aumentar a taxa de sobrevida de crianças e adolescentes com câncer nas próximas décadas.

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Publicado

2023-10-06

Edição

Seção

Editorial

Como Citar

Iniciativa Global para o Controle do Câncer Infantil: aumentando o acesso, melhorando a qualidade, salvando vidas. (2023). Revista Latino-Americana De Enfermagem, 31, e4000. https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.4000