As posições de Newton, Locke e Berkeley sobre a natureza da gravitação
DOI:
https://doi.org/10.1590/S1678-31662013000400005Resumo
Ao defender, nos Princípios matemáticos de filosofia natural, a existência de uma força de gravitação universal, Newton desencadeou uma onda de dúvidas e objeções filosóficas. Suas próprias declarações sobre a natureza da gravitação não são facilmente interpretáveis como formando um conjunto consistente de opiniões. Por um lado, logo após fornecer as três definições de "quantidades de forças centrípetas" (Defs. 6-8), Newton observa que está tratando tais forças "matematicamente", sem se pronunciar sobre sua realidade física. Mas, por outro lado, no Escólio Geral inserido no final da segunda edição do livro, Newton diz que foi capaz de "explicar" vários fenômenos de movimento por meio da força de gravidade - que ele mostrou ser um tipo de força centrípeta -, embora não tivesse ainda conseguido explicar a causa dessa força. Uma interpretação plausível dessas últimas afirmações é que Newton acreditava que pôde inferir, a partir dos fenômenos, a existência da força de gravidade, enquanto agente causal real de certos movimentos, mas que ainda não havia tido sucesso em descobrir a causa dessa causa. O objetivo principal do presente artigo não é aprofundar a análise histórica das declarações de Newton, mas examinar como essa questão se insere no debate mais geral sobre o estatuto epistemológico das hipóteses científicas que transcendem a experiência imediata. Segundo a posição defendida, entre muitos outros, por John Locke, tais hipóteses devem ser interpretadas como tentativas legítimas de descrever aspectos inobserváveis da realidade. Em contraste com isso, no caso específico das hipóteses sobre forças - de gravitação ou quaisquer outras -, George Berkeley argumentou vigorosamente a favor de sua interpretação como meros artifícios teóricos úteis às "demonstrações matemáticas" na ciência da mecânica. Ao longo da análise das vantagens e desvantagens filosóficas dessas posições opostas, indica-se aqui que, embora a interpretação realista pareça fazer mais justiça ao desenvolvimento real da física após os Princípios matemáticos, a interpretação instrumentalista de Berkeley tem o mérito filosófico inegável de representar uma adesão mais firme ao empirismo, que é, de um modo ou de outro, valorizado por ambas as partes envolvidas na disputa sobre a natureza da gravitação.Downloads
Referências
Adam, C. & Tannery, P. (Ed.). Oeuvres de Descartes. Paris: Vrin, 1971. v. 9.
Ayers, M. R. (Ed.). Philosophical works of Georges Berkeley. London: Everyman, 1975.
Ayers, M. R. Mechanism, superaddition, and the proof of God’s existence in Locke’s Essay. The Philosophical Review, 90, 2, p. 210-51, 1981.
Ayers, M. R. Locke. Epistemology and ontology. London: Routledge, 1991.
Barra, E. S. O. Em que sentido Newton pode dizer “hypotheses non fingo”? Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, 5, 1-2, p. 221-45, 1995.
Barra, E. S. O. A primazia das relações sobre as essências: as forças como entidades matemáticas nos Principia de Newton. Scientiae Studia, 8, 4, p. 547-69, 2010.
Berkeley, G. Alciphron, or the minute philosopher. 1732. In: Complete works of Georges Berkeley. v. 5. Charlosttesville: InteLex Cooporation. (Série “Past Masters) (Alciphron)
Berkeley, G. Siris. 3 ed. 1752 [1744]. In: Complete works of Georges Berkeley. v. 3. Charlosttesville: InteLex Cooporation. (Série “Past Masters) (Siris)
Berkeley, G. Philosophical Commentaries. Ayers, M. R. (Ed.). Philosophical works of Georges Berkeley. London: Everyman, 1975 [1707-1708]. p. 305-412. (Comentários)
Berkeley, G. A treatise concerning the principles of human knowledge. In: Ayers, M. R. (Ed.). Philosophical works of Georges Berkeley. London: Everyman, 1975 [1710]. p. 71-153. (Princípios)
Berkeley, G. Three dialogues between Hylas and Philonous. In: Ayers, M. R. (Ed.). Philosophical works of Georges Berkeley. London: Everyman, 1975 [1713]. p. 155-252.
Berkeley, G. De motu. Tradução A. A. Luce; revisão M. R. Ayers. In: Ayers, M. R. (Ed.). Philosophical works of Georges Berkeley. London: Everyman, 1975 [1720]. p. 253-76. (De motu)
Cajori, F. An historical and explanatory appendix. In: Newton, I. Mathematical principles of natural philosophy. Tradução A. Motte; revisão F. Cajori. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 1934. p. 627-80.
Cala Vitery, F. E. La cuestión 31 de la Óptica o el programa de las fuerzas en la filosofía mecánica. Scientiae Studia, 4, 2, p. 177-220, 2006.
Chibeni, S. S. A fundamentação empírica das leis dinâmicas de Newton. Revista Brasileira de Ensino de Física, 21, 1, p. 1-14, 1999.
Chibeni, S. S. Locke on the epistemological status of scientific laws. Principia, 9, 1-2, p. 19-41, 2005.
Chibeni, S. S. Locke e o materialismo. In: Moraes, J. Q. K. (Org.). Materialismo e evolucionismo. Campinas: CLE, 2007. p. 163-92. (Coleção CLE, v. 47).
Chibeni, S. S. Berkeley: uma física sem causas eficientes. Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, 18, 2, p. 357-90, 2008.
Chibeni, S. S. Berkeley e o papel das hipóteses na filosofia natural. Scientiae Studia, 8, 3, p. 389-419, 2010.
Chibeni, S. S. Locke e a distinção entre qualidades primárias e secundárias. No prelo.
Clatterbaugh, K. The causation debate in modern philosophy, 1637-1739. New York: Routledge, 1999.
Cohen, I. B. Hypotheses in Newton’s philosophy. Physis, 8, p. 163-84, 1966.
Cohen, I. B. & Smith, G. E. (Ed.). The Cambridge companion to Newton. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.
Colodny, R. B. (Ed.). Beyond the edge of certainty. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1965.
Cummins, P. D. Berkeley on minds and agency. In: Winkler, K. (Ed.). The Cambridge companion to Berkeley. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 190-229.
Descartes, R. Les principes de la philosophie. In: Adam, C. & Tannery, P. (Ed.). Oeuvres de Descartes. Paris: Vrin, 1971 [1644]. v. 9.
Dijksterhuis, E. J. The mechanization of the world picture. Princeton: Princeton University Press, 1986.
Downing, L. Berkeley’s natural philosophy and philosophy of science. In: Winkler, K. (Ed.). The Cambridge companion to Berkeley. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 230-65.
Ellis, B. The origin and nature of Newton’s laws of motion. In: Colodny, R. B. (Ed.). Beyond the edge of certainty. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1965. p. 29-67.
Farr, J. The way of hypotheses: Locke on method. Journal of the History of Ideas, 48, 1, p. 51-72, 1987.
Janiak, A. Newton and the reality of force. Journal of the History of Philosophy, 45, 1, p. 127-47, 2007.
Laudan, L. The nature and sources of Locke’s view on hypotheses. Journal of the History of Ideas, 28, p. 211-23, 1967.
Locke, J. Elements of natural philosophy. In: Tegg, T. et al. (Ed.). The works of John Locke. Dublin: Cumming, 1823. v. 3, p. 301-30.
Locke, J. Reply to the Bishop of Worcester’s answer to his second letter. In: Tegg, T. et al. (Ed.). The works of John Locke. Dublin: Cumming, 1823. v. 4, p. 191-498. (Segunda resposta)
Locke, J. Some thoughts concerning education. In: Tegg, T. et al. (eds.). The works of John Locke. Dublin: Cumming, 1823. v. 9, p. 1-205. (Pensamentos)
Locke, J. An essay concerning human understanding. Introdução e notas P. H. Nidditch. Oxford: Clarendon Press, 1975. (Ensaio)
Locke, J. Method. In: Farr, J. The way of hypotheses: Locke on method. Journal of the History of Ideas, 48, 1, p. 70-2, 1987. (Método)
Loparic, Z. Andreas Osiander: prefácio ao De revolutionibus orbium coelestium de Copérnico. Cadernos de História e Filosofia da Ciência, 1, p. 44-61, 1980.
Mach, E. The science of mechanics. La Salle, Illinois: The Open Court, 1974.
Mandelbaum, M. Philosophy, science and sense perception. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1964.
McDonald, J. F. Properties and causes: an approach to the problem of hypothesis in the scientific methodology of Sir Isaac Newton. Annals of Science, 28, 3, p. 217-33, 1972.
Moraes, J. Q. K. (Org.). Materialismo e evolucionismo. Campinas: CLE, 2007. (Coleção CLE, v. 47).
Newton, I. Mathematical principles of natural philosophy. Tradução A. Motte; revisão F. Cajori. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 1934. (Principia)
Newton, I. Opticks, or a Treatise of the reflections, refractions, infractions, and colours of Light. 4 ed. London: William Innys, 1730. (Óptica)
Popper, K. Conjectures and refutations. London: Routledge and Kegan, 1972.
Tegg, T. et al. (Ed.). The works of John Locke. Dublin: Cumming, 1823. 10 v.
Tipton, I. C. (Ed.). Locke on human understanding. Selected Essays. Oxford: Oxford University Press, 1977.
Shapiro, A. E. Newton’s “experimental philosophy”. Early Science and Medicine, 9, 3, p. 185-217, 2004.
Yolton, J. W. John Locke and the compass of human understanding. Cambridge: Cambridge University Press, 1970.
Yost Junior, R. M. Locke’s rejection of hypotheses about sub-microscopic events. Journal of the History of Ideas, 12, p. 111-30, 1951.
Wilson, M. D. Supperadded properties: the limits of mechanism in Locke. American Philosophical Quarterly, 16, 2, p. 143-50, 1979.
Winkler, K. (Ed.). The Cambridge companion to Berkeley. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2013 Scientiae Studia

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.
A revista detém os direitos autorais de todos os textos nela publicados. Os autores estão autorizados a republicar seus textos mediante menção da publicação anterior na revista. A revista adota a Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.