Introdução. Nas tramas da cidade: produção de territórios, mercados, conflitos
DOI:
https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2025.230253Palavras-chave:
Mercados urbanos, Ocupações urbanas, Fazer-cidadeResumo
As questões aqui apresentadas, a título de introdução deste Dossiê, são fruto da elaboração colaborativa de um coletivo de pesquisadores (Grupo de Pesquisa Cidade e Trabalho, PPGS-USP), alimentada por pesquisas de cunho etnográfico empenhadas em discernir o modo como vem sendo feitas e desfeitas, configuradas ou reconfiguradas as tramas urbanas sob o impacto das transformações em curso no mundo contemporâneo. Seguindo vetores estruturantes do cenário atual no Brasil (e mundo afora), trata-se de averiguar o que acontece nos territórios afetados por dispositivos de despossessão, de poder e violência. É a questão que rege nossas pesquisas, buscando prospectar as tramas urbanas e sociais, também políticas, engendradas nos centros de comércio popular, também nas ocupações urbanas que se multiplicaram nos últimos anos no centro e periferias da cidade de São Paulo . São estes os nossos campos de pesquisa – centros do comércio popular e ocupações urbanas: lócus e contextos que acolhem trabalhadores precarizados, desempregados, gentes sem estabilidade de trabalho e moradia. Também: migrantes transnacionais de nacionalidades diversas. E, cada vez mais frequente, homens e mulheres que passaram pela experiência carcerária. O texto estrutura-se em três tópicos: Primeiro: em diálogo com o campo de debate e pesquisas sobre esses temas, construímos a noção de “refugiados urbanos” como operador analítico e descritivo de processos em curso em nossas cidades, de modo a colocar em perspectiva as diásporas migratórias, marca dos tempos que correm, e as populações sujeitas a situações (ou sob ameaça) de expulsão e deslocamento forçados de suas condições de moradia e trabalho. Trata-se aqui de traçar um plano de referência que permita apreender as transversalidades das situações e contextos urbanos tratados em nossas pesquisas, os movimentos e deslocamentos dessas populações, seus modos de territorialização e agenciamentos práticos pelos quais lidam com as circunstâncias e urgências da vida. Em termos analíticos, a noção de refugiados urbanos introduz um prisma, perspectiva, que permite apreender - e fazer ver – os jogos de poder e relações de força operantes nas circunstâncias de deslocamentos e, por essa via, o campo de tensão e conflito que se configura em torno desses pontos de incidência dos dispositivos de poder. No segundo tópico, colocamos a ênfase no que pode ser definido como “despossessões lentas” – ao lado de episódios recorrentes de violência policial e uma “maquinaria punitiva” operante em contextos cotidianos de vida e trabalho, um feixe variado de expedientes políticos, jurídicos e administrativos, também policiais, que operam como formas excludentes de gestão, fiscalização e regulação do uso dos espaços, nos centros de comércio popular e nas ocupações urbanas. Longe de serem eventos isolados, esses procedimentos ativam instituições, agências especializadas, normativas e mediações políticas que estão entramadas nas dinâmicas urbanas desses lugares. Parafraseando Charles Tilly (1996), essas formas de controle social e gestão de conflitos “fazem cidade”. E “fazem cidade” também porque esses eventos ressoam , para usar os termos de Veena Das, na “textura do ordinário” , seus efeitos se inscrevem nos arranjos cotidianos para lidar com as urgências da vida, entre ameaças e incertezas do que poderá advir e se desdobram na conflitualidade latente ou aberta que pontilha esses territórios. É a questão trabalhada no terceiro tópico do texto.
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