A poesia hip hop e a escrita como práticas libertadoras no ensino de história para as periferias na pandemia
Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP, São Paulo, Brasil
Hoje não mais se prescinde no ensino, desde o Fundamental, de proporcionar aos estudantes uma educação permeada e fundamentada por uma perspectiva questionadora, em que se estimula a emancipação, no sentido de possibilitar uma reelaboração das bases da sociedade que passa, justamente, por uma ótica libertadora da história. Os autores do artigo recém-lançado na revista Extraprensa, Cândido e Siqueira Júnior, discutem o tema, apresentando proposições pedagógicas que abrangem relações inovadoras entre a história, a educação e a cultura, dirigidas aos adolescentes dos 11 aos 14 anos de idade, cursando o Ensino Fundamental II, com ênfase nas disciplinas de História, Língua Portuguesa e Geografia.
Nesse contexto, os autores tomam como ponto de partida o pensamento do filósofo e sociólogo alemão Theodor W. Adorno e sua proposta de uma “Pedagogia Crítica”, a “Pedagogia Hip Hop”, pelo jornalista e ativista americano Marc Lamont Hill e da obra da escritora, educadora e ativista mineira, Conceição Evaristo e o conceito de “Escrevivência”, criado por ela. Essas Escrevivências se constituem em relatos dirigidos e protagonizados por moradores tidos como “vozes das periferias”, quando relatam, expõem e reivindicam condições de vida em que não predomine a pobreza, a marginalidade, o perconceito e a negligênia da sociedade e dos sistemas de ensino impostos para essa população.
O artigo busca apresentar e promover “reflexões sobre o enfrentamento da pandemia na periferia de São Paulo“, propondo “práticas de ensino que estimulem reflexões críticas sobre a formação da sociedade“, na “escuta” das experiências e do dia a dia dos estudantes, com a finalidade de embasar o procedimento de criação “de um conhecimento crítico“. Nesse sentido, cita-se Adorno, que recomenda aos alunos olharem criticamente para a história, na medida em que possam requerer um presente estruturado na justiça social e uma sociedade mais humanitária, na defesa de uma educação na qual os sujeitos possam, por meio de sua formação, elaborar o passado com discernimento para atuação no presente.
A Pedagogia Hip-Hop é introduzida no artigo como forma de reflexão para o enfrentamento da pandemia, por meio da dança, do rap e da poesia, meios de os jovens expressarem questões que estão presentes muito aquém da pandemia e que se intensifica com ela: a negação histórica da inclusão social, da população negra ao acesso cultural, educacional e, consequentemente, a constatação da realidade da pobreza. A Pedagogia Hip-Hop propõe a consciência de libertação, o empenho para a conquista da visibilidade social, o engajamento em luta de resistência. “Dar voz” ao jovem da favela é o propósito dos autores que iniciaram o projeto “ de acolhimento, cuja proposta seria justamente refletir profundamente sobre as experiências que foram vividas por todos […] no período de isolamento social mais rígido“, o da pandemia.
As discussões e conversas dos jovens em aula foram pautadas por assuntos pertinentes tais como o de o governo federal ter minimizado a pandemia, a necessidade de um eficiente e abrangente auxílio emergencial, o combate à fome, “a falta de água encanada e potável em muitas quebradas, o que dificultou as tomadas de medidas profiláticas em muitos casos“. Nesse contexto, os autores motivaram os alunos a expressarem, por meio da arte, da poesia, seus sentimentos, suas ideias, expectativas, suas e da coletividade, respostas “que entendemos à luz de Evaristo, como escrevivências“. Escrever sobre questões que dizem respeito, principalmete, à soberania e à liberdade da população negra no Brasil e os entraves para isso, a consciência sobre a crise planetária e a necessidade de reinvindicação por educação de qualidade, sem discriminações de qualquer tipo, é o que esperam os autores em sua pesquisa e no relato que constituem o artigo.
A pedagogia emancipatória é o instrumento para a troca e a elaboração criativa de novas experiências que abarquem os sonhos e os ideais de cada um. Finalizando, Cândido e Siqueira Junior concluem, pela experiência com os alunos, que estes querem e precisam escrever, compartilhar e contar suas próprias histórias. Um recado sobre a crise de saúde na qual todos atravessam, muito mais sentida pela população com menos recursos econômicos, em sua maioria negras(os) das periferias, mostra o quanto é importante o que dizem e o que estão dispostos a aprender, e, em contrapartida, o que a sociedade deve aprender com eles, os quais têm muito o que dizer, o que mostrar e o que ensinar também: “A favela é apertadinha, tá ligado, meu irmão?/O coronavírus não está para brincadeira, não/Com o Covid-19 veio a crise financeira, então/Se cuide e mantenha a prevenção!”.
Artigo
SIQUEIRA JUNIOR, K. G. de; CÂNDIDO, F. da S. Escrevivências, pedagogia hip hop e o ensino de história: reflexões sobre o enfrentamento da pandemia na periferia de São Paulo. Revista Extraprensa, São Paulo, v. 15 (Especial), p. 82-97, 2022. DOI: https://doi.org/10.11606/extraprensa2022.194131. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/194131. Acesso em: 07 jun. 2022.
Contato
Fábio da Silva Cândido – Licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal de São Paulo e professor da Rede Municipal de Ensino de São Paulo.
Kleber Galvão de Siqueira Junior – Doutorando em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo FEUSP. extraprensa@usp.br