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Pele negra em jalecos brancos – experiência e relatos sobre racismo na medicina

Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP, São Paulo, Brasil

O artigo da Revista de Antropologia nos traz um relato revelador dos bastidores de um centro médico de pesquisa de campo em que uma estudante de doutorado e autora do artigo nos conta sua experiência de acompanhamento clínico com enfoque nos aspectos antropológicos do estudo. Renata Castro, em sua pesquisa de campo, observou e transcreveu seu cotidiano como pesquisadora negra, deparando-se com situações em que se viu envolvida, o que a levou a refletir como o racimo de gênero afetou seu trabalho, suas conclusões sobre a pesquisa farmacêutica, sobre a medicina e sobre a antropologia. O texto relatao trabalho de algumas médicas brancas em suas atividades de condução de protocolos de pesquisa clínica“. Castro, enquanto vestida com um jaleco branco, analisou “o campo da medicina como espaço marcado pela branquidade e, estendendo tal crítica à antropologia.”

A pele negra recoberta por jalecos brancos suscitou o contraste das mais variadas opiniões e atitudes em relação às pessoas brancas vestindo jalecos brancos, em um cenário de convivência e um contexto em que “a branquidade é normalizada”. A rotina da pesquisa constituiu-se em acompanhamento das médicas no relacionamento com os pacientes, visando à observação do ponto de vista antropológico, isto é, humano em sua totalidade – as atitudes, os costumes, as crenças de todo gênero: sociais, políticas e culturais. O intuito da investigação foi observar as pessoas que conviviam naquele centro médico, tanto médicos e pacientes como enfermeiros e funcionários, a partir dessa perspectiva abrangente, sempre esbarrando no racismo que permeou a presença da pesquisadora no centro médico.

Muitas vezes, a pesquisadora, negra de jaleco branco, foi confundida com uma recepcionista e uma enfermeira, raras vezes vista como médica, em um universo praticamente habitado por médicas brancas que adotavam, quase todas, as mesmas maneiras de vestir-se e apresentarem-se: cabelos loiros longos, sapatos de salto alto  e unhas compridas pintadas, em contraste com Rosana Castro, que se vestia seguindo seus próprios padrões: cabelos black power, calça jeans e camiseta, por exemplo. Ao comentário:” a gente quase não vê médico da nossa cor, né?”, discute-se sobre as cotas para ingresso no ensino superior público como “fundamentais  para contrapor essa inércia sistêmica“, o que remete ao lugar dos negros na sociedade, que, junto dos preconceitos sobre gênero e sexualidade se mostraram como fatores essenciais para a compreensão do relacionamento “entre os profissionais e pacientes do Cronicenter e deles comigo“, afirma a autora.

O texto aborda a questão do uso do jaleco pela pesquisadora no consultório ligada a um contexto sexual por médicas e pacientes relacionado à cor da pele, em uma clara conjuntura de rascismo de gênero. Ora, “pele branca, jalecos brancos: branquidade e racismo na medicina” é uma frase significativa da experiência pela qual passou Rosana Castro. Além disso, constata-se que a pele negra está vinculada ao trabalho doméstico, e “a pele branca diria respeito à postura e à aparência  necessárias à autoridade característica ao profissional da medicina”. Mesmo portando uma segunda pele, jaleco branco, por cima de sua pele negra, a autora nunca foi chamada de doutora ou participou de discussões sobre casos clínicos no Centro Clínico. A posição no espaço fíco, sempre ao lado ou mais atrás de uma médica, no consultório, não permitia que fosse vista como alguém em treinamento profissional na área ou como “uma quase-médica“.

Quando o médico é negro, há uma tendência à suspeita de incompetência profissional, na presunção dos brancos que “o preto seria naturalmente desajustado para o exercício médico“. O professor  negro, o médico negro, em uma concepção velada, mas imposta, não podem cometer uma falha ou um erro. As políticas de cotas raciais em universidades federais e estaduais não foram suficientes para aumentar o número de médicos negros, pois, no campo da medicina no país, os brancos, assim como os graduandos e docentes de Antroplogia, pertencentes a categorias economicamente mais privilegiadas, são maioria, situação agravada pelo ataque feroz do atual governo às cotas raciais. A autora finaliza chamando a atenção para os necessários registro e “estudo dos modos com que nossos corpos experimentam e produzem antropologias,da graduação à docência, dos bancos de sala de aula à pesquisa de campo“.

Artigo

CASTRO, R. Pele negra, jalecos brancos: racismo, cor(po) e (est)ética no trabalho de campo antropológico. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 65, n. 1, e192796, 2022. ISSN: 1678-9857. DOI: https://doi.org/10.11606/1678-9857.ra.2022.192796. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/192796. Acesso em: 13 de junho de 2022

Contato

Rosana Castro – Professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado  do Rio de Janeiro. e-mail: rosana.rc.castro@gmail.com

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