O dono da figueira e a origem de Jesus: uma crítica xamânica ao cristianismo
DOI:
https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2014.87761Palavras-chave:
Guarani, Mbya, Tupi-Guarani, xamanismo, etnolo- gia indígena, mitologia, cristianismo, Jesus, missões.Resumo
Nesse trabalho, apresento uma discussão centrada em uma narrativa a respeito da “origem de Jesus” (Tupãra’y ou filho de Tupã), coletada em uma aldeia guarani situada na região do Vale do Ribeira/SP. A referida narrativa, que evoca uma série de correspondências lógicas entre a origem dos brancos e a origem dos guarani, nos remete a uma discussão a respeito da importância do chamado “xamanismo horizontal” (Hugh-Jones, 1994) nos procedimentos de cura, ao situar a interpretação nativa do episódio da vinda de Jesus na plataforma terrestre como apenas um exemplo dentre os muitos nos quais figura a circulação de potências agentivas provenientes da morada de Tupã, na retaliação (-jepy) de infortúnios impetrados por seres invisíveis (jaexa va’e’ỹ kuery), mais especificamente o espírito dono da figueira. A discussão nos levará, enfim, a uma crítica xamânica (Albert, 2002) do “complexo da culpa cristã”, que transparecerá de um diálogo entre o cacique guarani que narra o episódio e um missionário cristão que buscava convencê-lo em vão de sua responsabilidade pela morte de Jesus. Exploro ainda os procedimentos através dos quais os Guarani incorporaram a narrativa dos missionários para criticar a sua visão, atribuindo um estatuto de verdade incompleta à religião cristã, que tomaria equivocadamente uma divindade “secundária” pelo criador da terra. Por fim, esboço hipóteses a respeito do que seria a versão guarani da “ideologia bipartida ameríndia” (Lévi-Strauss, 1994), fundada no que chamo de um “platonismo em desequilíbrio perpétuo”.
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