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Fri, 26 Feb 2021 in Linha D'Água
IMIGRANTES NAS ESCOLAS COMO “NEOFALANTES”: UM MEIO PARA A INTEGRAÇÃO SOCIAL
Resumo
O seguinte trabalho propõe a aplicação da etiqueta “neofalante” a estudantes escolarizados numa língua que não materna. O conceito de neofalante vai mais além do que ser novo falante já que possibilita a determinação de políticas e enfoques pedagógicos focados na inserção linguística do sujeito, assim como ao seu êxito escolar e social. Partindo da diversidade linguística nas aulas, pretende-se discutir um marco teórico e um caso prático, nomeadamente, o da escola de ensino secundário da localidade de Burela (Galícia, Espanha). A proposta é de que é possível incorporar esta concepção no âmbito do ensino brasileiro, para que a dicotomia norma culta versus oralidade não seja sinônimo de estigmatização social.
Main Text
Introdução
A norma-padrão no Brasil é a língua presente nos livros, exigida nos vestibulares e concursos públicos, desejável em situações de comunicação formais, no mercado de trabalho, e por isso seu conhecimento é também requisito para a abertura de capitais socioeconômicos e mobilidade social (ainda que tal mobilidade seja restrita em nosso país). Quando analisamos o “dualismo das normas”1 entre a língua falada pela população brasileira e a norma-padrão ensinada nas escolas, é possível perceber que a tradição gramatical presente na norma-padrão é diferente do conjunto de regras que os falantes brasileiros utilizam em seu dia-a-dia. Embora estes sejam considerados falantes nativos do português, grande parte irá se deparar com uma língua bastante diversa em níveis sintáticos e lexicais durante a sua escolarização. Nos últimos anos essas diferenças entre norma-padrão e variações linguísticas passaram a fazer parte do currículo e, ainda que em alguns momentos de forma sutil, o preconceito linguístico passou a ser desencorajado e algumas variedades do português passaram a ser abordadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa (BRASIL, 1997), refletindo-se no conteúdo dos livros didáticos. Contudo, a presença destes traços linguísticos particulares gera estigma na sociedade. O que se propõe neste trabalho é um novo enfoque educativo incorporando novas abordagens preconizadas pelo conceito de neofalante, adaptando-se dessa forma, para a realidade linguística das escolas brasileiras. Para atingir este objetivo, a seguir, discutiremos com base em contextos nos quais surgem a ideia de neofalante e exemplificaremos com o perfil da escola a partir das políticas linguísticas adotadas.
É importante ressaltar que esse neofalantismo não é e não deve ser visto como um processo de substituição e “purificação” das variações linguísticas dos falantes, mas como um recurso de apropriação da norma-padrão como uma ferramenta de mobilidade social. Citando o professor Sírio Possenti (1996) sobre o ensino de gramática na escola: é papel da escola ensinar a língua padrão. Assim pois, enquanto algumas formas de ensinar a norma-padrão na escola acabam por estigmatizar variedades sociais e culturais que estão às margens do considerado “aceitável” em nome do mito da unidade linguística nacional, temos muitos falantes que afirmam não saber falar português e por esse estranhamento com a norma-padrão exigida passam a ser excluídos de diversos “mercados sociais” (BOURDIEU, 1977).
1 Marco teórico: neofalante e neofalantismo
O termo neofalante, de forma simplificada, refere-se a atores sociais que usam e reivindicam a propriedade de uma língua que não é, por qualquer razão, tipicamente percebida como pertencente a eles ou a “pessoas como eles”. De forma ampla, são todos aqueles que aprendem uma língua diferente de sua língua materna em algum momento de sua vida e passam a usá-la cotidianamente (RAMALLO, 2018, p. 487). Esse conceito nasceu da problematização dos termos como falante de língua estrangeira, L2, língua não-materna, entre outros que começaram a ser questionados a partir dos anos 1980 por trazerem um caráter hierárquico para os sujeitos envolvidos e características como menos legitimidade em relação à língua. A aparição do termo se dá principalmente para abordar o contexto das línguas minoritárias europeias, questionando as definições de natividade e falante nativo em seu sentido tradicional. Tenha-se em conta que desde princípios dos anos 1990 tem-se legislado na Europa para proteger as variedades minorizadas e regionais dentro dos estados que constituem a união (GIRALT; NAGORE, 2018), com o resultado da criação da Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias que vigia o estado das ditas variedades (RAMALLO, 2017).
Existem várias definições que identificam o falante nativo como uma pessoa que aprendeu uma língua em tenra idade e que tem total domínio dessa língua, ou como na definição de Kubota (2009 apudHORNSBY, 2015)2, que há uma superioridade em sua competência linguística, precisão, fluência amplitude de vocabulário, conhecimento de nuances culturais da língua. O falante nativo é, portanto, aquele que recebeu a língua na primeira infância e têm privilégios que, segundo essa definição, os falantes estrangeiros não teriam: ele não comete os mesmos erros que os nãonativos e pertence à comunidade linguística enquanto os outros não. A esse respeito, Ingrid Piller (2001:6)3 levanta algumas questões sobre a relação entre falante nativo e variação linguística, ou quais delas podem ser consideradas nativas de acordo com a definição desse falante, e conclui que “o status de falante nativo é sobre identidade social e não sobre competência linguística”. Ao confrontar os conceitos de falante nativo e língua padrão, surgem algumas inconsistências na conceituação de falante nativo que não encontram correspondente na maioria da população mundial. Comunidades de fala não costumam ser homogêneas, e a escolha que se faz sobre o padrão geralmente privilegia as camadas dominantes da sociedade.
Quando pensamos na realidade multilíngue de boa parte da população mundial, essas características parecem não se adequar completamente. O’Rourke, Pujolar e Ramallo (2015, p. 7) argumentam que a indefinição do conceito de falante nativo revela as diversas formas como a linguística enquanto disciplina tem sido produzida, mesmo que implicitamente, sobre os ideais do etnonacionalismo linguístico do século XIX, ou seja, sob ideais de descendência, herança, cultura e religião em comum. A história do falante nativo pode ser rastreada até as noções antropologicamente românticas que relacionam natividade a uma comunidade em particular, dentro de um território particular, associada com um passado histórico e autêntico. Para Ó Murchadha, et al. (2018), é necessário reconsiderar como concebemos a linguagem e como as, por vezes místicas, conceituações populares e acadêmicas de diferentes tipos de falantes alimentam projetos mais amplos de sociedade, assim como certos tipos de coesão social e linguística.
A designação neofalante, de acordo com O’Rourke e Ramallo (2015), tenta substituir a hierarquização proveniente dessas conceituações, e passa a ser aplicada em contextos diversos: desde o imigrante que aprende uma língua adicional em seu novo ambiente, até um indivíduo que aprendeu uma língua diferente da sua língua de casa ou de sua comunidade através de programas educacionais de imersão ou bilíngues.
Dentro do contexto das línguas minorizadas europeias, o rótulo de “novos falantes” tem sido utilizado em diferentes cenários para descrever indivíduos que embora nascidos em territórios (regiões, comunidades autônomas) que possuem uma língua própria diferente da língua estatal, tiveram pouca exposição a essa língua minoritária, ou não a tiveram em seu ambiente familiar e/ou comunitário, mas que a adquirem através de imersão linguística, programas educacionais bilíngues, projetos de revitalização da língua ou no momento em que voltam para a sala de aula quando adultos (O’ROURKE; PUJOLAR; RAMALLO, 2015). Os neofalantes desafiam o uso comum da língua minoritária, que muitas vezes é reduzida ao âmbito das tradições e emoções afastando-se da razão e da ordem econômica, ao ativarem a função instrumental que liga o idioma com a mobilidade social, com o prestígio e com o futuro (RAMALLO, 2013).
2 Aplicação do conceito num caso específico
O neofalante galego é prototipicamente aquele que mesmo nascido na Galiza não recebeu o galego do seio familiar, mas que passa a falá-lo a partir do processo de escolarização por uma mudança consciente a fim de preservar a língua de sua nação. É importante dizer que nem todos os galegos se tornam neofalantes ao final desse processo. Como sabemos, a situação sociolinguística do galego envolve uma série de fatores históricos, econômicos e sociais que favorecem o castelhano (MARIÑO PAZ, 1998).
O galego é uma língua marcada socialmente, o que a faz ser vista como ideológica. É muito comum que para os falantes de castelhano, ouvir um neofalante pode ser, a partir de uma simplificação conforme O’Rourke e Ramallo (2013), ouvir um nacionalista de esquerda, justamente pela questão da língua/nacionalidade ser vista como pauta identitária reivindicada pelos movimentos políticos de esquerda. Essa redução é um estereótipo, que nem sempre se confirma.
A língua galega sobreviveu aos séculos de contato com o castelhano, mas ainda assim uma combinação de fatores sociopolíticos e socioeconômicos na segunda metade do século XX acelerou o processo de substituição linguística (do galego pelo castelhano). Mesmo com as ações de política linguística houve queda no número de “falantes nativos/tradicionais” do galego. A partir do estabelecimento de uma norma linguística e com o surgimento de programas educacionais para revitalização da língua, o galego começa a se recuperar através da escola. Segundo Ramallo (2013), o aparecimento dos neofalantes galegos resulta tanto do fomento público da língua, quanto de um posicionamento consciente dos próprios falantes a respeito da condição social regressiva da língua galega. Para O’Rourke e Ramallo (2015), os neofalantes são essencialmente produtos das políticas educacionais que possibilitaram o contato das gerações mais jovens com o galego num âmbito formal. Desde o surgimento de políticas linguísticas para a promoção da língua, o sistema educativo tem sido o principal fator de transformação da língua galega em uma língua pública. Nesse contexto, a escola possibilita que seus alunos se tornem neofalantes, desde que haja motivação favorável para tal, o que pode ser incentivo para a revitalização da língua. É importante destacar que o processo de normalização galego foi bastante marcado por debates entre propostas de normativas diferentes. A aderência à norma adotada a partir de 2003 também é um fator importante quando falamos sobre os neofalantes.
O neofalante galego genérico pode ser visto como uma pessoa jovem que conhece a situação social da língua e que opta por utilizar o galego como forma de reivindicação social, política e/ou cultural (RAMALLO, 2013). Embora dentro desse grupo quase todos compartilhem dos traços supracitados, não há apenas um tipo de neofalante. Todos estão unidos pela prática social, mas apresentam diferenças no que diz respeito ao motivo de abandono da língua materna.
O perfil do neofalante galego (O’ROURKE; RAMALLO, 2015) pode ser ampliado e incluir sujeitos como falantes migrados de outras partes da Espanha, imigrantes de fora da Espanha que adquirem o galego como língua adicional, migrantes que retornam da diáspora galega e em maior número e visibilidade estão aqueles que nasceram e foram criados na Galícia. Esta última categoria recebeu o rótulo genérico de neofalante no discurso acadêmico e popular. O rótulo se refere a indivíduos que tiveram o castelhano como língua de socialização primária, mas em algum momento, normalmente entre a adolescência e o início da vida adulta, passam a adotar o galego e a substituir o castelhano.
Ramallo (2013) destaca que o fenômeno do neofalantismo na Galiza, inicia-se influenciado pelas transformações por que o idioma passou, principalmente sua oficialização, status jurídico e o reconhecimento do galego como um símbolo central da identidade galega. O processo de normalização (1982-2003) alterou a ordem sociolinguística em, pelo menos, duas direções: 1) a criação de uma nova variação (culta) no espaço linguístico e 2) a penetração dessa variedade (culta) em domínios que até há pouco eram reservados ao castelhano.
Ainda de acordo com o autor (RAMALLO, 2013), oficialização do galego permitiu também colocar em prática um modelo educacional bilíngue universal que se aplica em todo o sistema educativo, atingindo 95% da população estudantil. A partir da inclusão na escola, pela primeira vez na história toda a população menor de 40 anos pôde ter contato com a língua num âmbito formal, o que acarretou o aumento das competências linguísticas, na mudança no preconceito sobre a língua galega estar ligada ao atraso ou a incultura e por último na consciência sociolinguística sobre a situação regressiva em que a língua se encontra desde o século XX. Estes três cenários contribuíram para o surgimento dessa nova categoria de falantes de galego, que possuem muitos perfis distintos. Pelos censos dos últimos anos, pode-se estimar que os neofalantes representam 2% da população e aparecem nas cidades grandes e nas vilas de tamanho médio. Sua importância se deve ao fato de boa parte da população castelhano-falante ser candidata potencial a se tornar neofalante de galego. Esse surgimento não ocorre sem conflitos em questões de legitimidade e autenticidade da língua, mas apresenta uma perspectiva de preservação e recuperação da língua galega como própria da Galiza.
No estudo de O’Rourke e Ramallo (2013) com grupos de neofalantes e falantes tradicionais universitários são destacados dois perfis básicos de neofalante que diferem em seu cuidado com a qualidade da língua: os primeiros, que estavam em cursos universitários não ligados aos estudos de Humanidades e Filologia, seriam menos cuidadosos com a qualidade da língua, conscientes da sua “artificialidade” e avaliam as variedades dos falantes tradicionais como variedades linguísticas legítimas; o segundo perfil de alunos das Humanidades e Filologia, é o dos neofalantes muito cuidadosos com a qualidade da língua, críticos ao primeiro perfil e que consideram que sua variedade linguística é tão legítima quanto a dos falantes tradicionais.
É muito frequente que os neofalantes autoavaliem sua própria variedade como de pouco valor e utilizem expressões negativas como, “falas galego urbano”, “galego de libro”, “galego da televisión”, para se referir à pobreza idiomática e que dão um valor de autenticidade para as falas tradicionais, levando-se em conta sua fonética e vocabulário. Em outro grupo pesquisado, de falantes tradicionais universitários, o galego dos neofalantes é tido como de baixa qualidade e com muitos problemas formais. Os autores interpretam esta crítica como uma forma de exercer uma certa liderança linguística através de um discurso de apropriação da língua por parte dos falantes tradicionais universitários.
O neofalante assume um papel social consciente de compromisso com a língua, independentemente de seu perfil. As neofalas têm um perfil linguístico valorizado socialmente, baseadas num modelo estável da língua e que sofrem mais interferência do castelhano. Essas características que os diferem dos falantes tradicionais geram confl , conforme levantamento feito por O’Rourke e Ramallo (2013). Existe uma concepção diferente sobre o valor da língua. O neofalante galego está a ligado à norma-padrão e tem uma característica urbana, e mesmo que contribuam para a sobrevivência da língua galega, frequentemente tem que negociar seu direito a um espaço linguístico entre os falantes nativos de castelhano e os de galego.
O neofalantismo tem potencial para se apresentar como outro meio de preservação do número de falantes, uma vez que a transmissão intergeracional do galego como língua materna está em queda (RAMALLO, 2012). O neofalantismo constitui um movimento social que adota uma prática consciente de defesa e ativismo em prol das línguas socialmente minoritárias através de seu uso, sua reivindicação pública e sua dignificação social (RAMALLO, 2013). Tornar-se um neofalante requer tanto ação inovadora através da apropriação de um novo espaço linguístico quanto comprometimento com a mudança da sociedade por baixo e rejeição do status quo.
3 Neofalantes no ensino: do “Modelo Burela” ao possível “Modelo São Paulo”
Apenas a cidade de São Paulo recebeu 34,5% do total das matrículas de alunos estrangeiros pelo país4. Segundo os Dados Abertos da Prefeitura de São Paulo5 o número total de educandos estrangeiros matriculados na rede municipal de ensino alcançou a marca de 4.747 alunos em junho de 2017. Já nas escolas da rede estadual paulista durante o mesmo ano foram matriculados 10.298 estrangeiros de acordo com dados6 disponibilizados pelo governo do estado de São Paulo. Grande parte deles é proveniente de países da América do sul e é, portanto, falante de espanhol. De acordo com informações da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEESP), entre as 120 nacionalidades presentes no estado de São Paulo, identificam-se 39 línguas maternas, entre as quais o espanhol apresenta o maior número de falantes. Os alunos bolivianos são a maioria entre os alunos procedentes de outros países tanto na rede municipal7 quanto estadual de ensino. Diante dessa realidade, as escolas, que já apresentavam muitas dificuldades em acolher os alunos brasileiros falantes de variedades estigmatizadas, se encontram com menos recursos conceituais e didáticos para lidar com essa diversidade em expansão.
As semelhanças entre a situação de variedade de línguas em Burela e em São Paulo tornam possível o paralelo e talvez adaptação de alguns pontos do modelo implementados na Galícia. Nesta região o exemplo prototípico de ensino inclusivo para neofalantes é o chamado “Modelo Burela de Planificación Lingüística” (BOUZA AROSA et. al., 2007; PENABADE REI, 2017) como mencionado anteriormente. Foi concebido num contexto de especial convergência linguística no qual não só se pretende incluir os estudantes migrantes, mas também os próprios alunos que, mesmo nascidos na região, não falam galego.
É preciso contextualizar estas palavras, posto que nas várias legislações dos territórios com autonomia na Espanha se contempla o ensino aos migrantes dentro dos programas de “atención a la diversidad” em cada uma das escolas que estiverem presentes. Na Galícia, onde se implementou o referido projeto, além da língua oficial do estado, o castelhano, encontra-se o galego, em regime de co-oficialidade. Esse status legal, em teoria, implica que uma pessoa nascida neste território teria que ser bilíngue. Entretanto, o fracasso da implementação das políticas linguísticas propicia que mais da metade da população não possua o galego como língua inicial. Em dados colhidos no mapa sociolinguístico galego (GONZÁLEZ, 2007, p. 33) 62,1% dos galegos entre 15 e 54 anos falam unicamente o castelhano e preferem esta como língua inicial. Nas palavras dos autores (2004, p. 63) o galego deixou de ser a opção majoritária como língua inicial (60,3% no MSG-92) a de ocupar a posição minoritária (20,6% no MSG04)”.
Ocorreu neste ano a publicação do mapa “Plan de normalización da língua galega” (XUNTA DE GALICIA, 2006), com o objetivo de “favorecer o uso do idioma nos distintos âmbitos da sociedade e garantir que qualquer cidadão possa viver plenamente em galego”8. Nesta conjuntura foi idealizado o “Modelo” na cidade de Burela, no qual, além da singular situação linguística do galego, foi contemplada em torno de 12% da população cuja procedência é estrangeira: Cabo Verde, Marrocos, Argentina, Peru, Venezuela, Cuba, Romênia, Indonésia, entre outras. Sem incluir os provenientes de outras regiões da Espanha.
A Galícia não costuma receber muitos estrangeiros, e desde 2008 houve um decréscimo de 25% (RAMIL, 2019); segundo dados do Instituto Galego de Estatística9, o total dos estudantes (sem contar os universitários) era em 2018, 381.821, destes, 10.685 eram estrangeiros, mais de mil residem em Burela. Como já foi mencionado, os fluxos migratórios motivam um espaço no qual o novo habitante tem que escolher uma língua para se comunicar e, obviamente, opta por aquela com “maior prestígio”.
Esta singular configuração gerou um mosaico linguístico no qual era preciso intervir para promover a integração dos estrangeiros e também contribuir para impedir o decréscimo de galegofalantes, principalmente nos meios urbanos. Tais circunstâncias se materializaram em um projeto10 no qual se preconizava a normalização do galego nos âmbitos público e privado, abrangendo as áreas de cultura, esporte, comunicação, educação, administrativas, entre outras. Em López Vale (2011) aparece um exemplo de como o modelo começa a ser implementado em outras cidades.
A intervenção educativa se fez na escola de ensino médio intitulada IES Perdouro, através de projetos de inovação linguística11, um método o qual envolve tanto os estudantes como também os agentes sociais que trabalham dentro e fora do espaço acadêmico, de forma a se estabelecer uma relação direta entre o alunos e a sociedade na qual vivem. Adotar este meio público implica em baixo custo econômico, pois o componente principal é a predisposição pessoal.
Uma das principais atividades centra-se no “Proxecto Neo12. Trata-se de um programa de rádio, veiculado na Radio Burela, elaborado pelos próprios estudantes sob a supervisão dos professores. Abordando temas variados, o programa de rádio promove entrevistas e discussões sobre a língua galega. Entre seus objetivos estão o reforço da aprendizagem escolar; intervenção de transformação linguística e ambiental com a) socialização do modelo de integração entre as línguas da sala de aula, b) a análise de experiências de integração como motivação, temporalização, obstáculos e fatores favoráveis; e c) conhecimento de outras terras e culturas.
Segundo dados de 2012, no encontro “Acollendo en GALego. Integración lingüística e cultural do alumnado de procedencia estranxeira13, Bernardo Penabade explicou que o número de falantes adultos de galego em Burela é de 80%, enquanto que 87% de jovens da cidade falam esta língua. Situação confortável, considerando espaços urbanos onde predomina a língua castelhana em detrimento da língua galega. Contraste-se este dado com o as cifras que comenta Nandi (2016, p. 124) sobre os jovens: “a porcentagem das crianças entre cinco e quinze anos que não falam galego incrementou-se rapidamente até chegar ao ponto mais alto de 47 por cento entre 2008 e 2013, frente aos 13 por cento que apenas fala em galego”14.
Os migrantes e os seus filhos, como também os galegos que nasceram na Galícia e optaram por utilizar o castelhano como língua, permitiram a integração numa mesma comunidade linguística de todas estas pessoas no projeto neofalante. Dessa forma, consideramos interessante aplicar este tipo de medidas em espaços onde a circunstância de diversidade é grande, como é o caso de São Paulo, considerada uma grande receptora de imigração. Podemos considerar que a implementação deste modelo de projeto no espaço paulistano promoverá a integração cultural e a aprendizagem, primeiro porque envolve os imigrantes que não possuem o português como língua materna; e segundo, os falantes nativos de português com todas as suas variantes em torno do aprendizado da norma culta oral.
Conclusão
A proposta de adaptação do projeto Burela proporcionará tanto a integração social dos imigrantes nas escolas de São Paulo, como também os integrará na normalização linguística do português. Para os falantes nativos provenientes de várias partes do Brasil, a proposta é a de que eles se sintam prestigiados ao terem novos integrantes que estão aprendendo o seu sistema linguístico. Irão vivenciar uma nova forma de sociabilização, pois terão a oportunidade de aprender que temos a variação linguística em um mesmo idioma, mas que há um modelo que pode ser aprendido e que serve para unificar as falas que todos têm. Esta unificação se dá através da norma culta aprendida na escola. Cada um possui a sua variedade, - e não há problema em cada um falar a sua -, mas que há uma variedade que contempla todas elas e que, em determinados contextos sociais, é esta a variedade de maior prestígio. Cabe ensinar os usos e contextos em que elas serão veiculadas.
Resumo
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Introdução
1 Marco teórico: neofalante e neofalantismo
2 Aplicação do conceito num caso específico
3 Neofalantes no ensino: do “Modelo Burela” ao possível “Modelo São Paulo”
Conclusão
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