Grãos sacralizados
notas sobre a difusão popular de preparações culinárias do milho a partir do seu uso simbólico em rituais religiosos
DOI:
https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v1i2p149-150Palavras-chave:
Milho, Afro-Indígenas, Sacralidade, ArteResumo
Em nossas pesquisas acerca de uma cultura brasileira do milho, notamos algumas dinâmicas que dizem respeito à assimilação social e aos significados simbólicos do milho no Brasil que ajudam a descortinar a sua importância como alimento de resistência associado a uma sacralidade pouco visível à historiografia oficial (ver Gastronomia, Cultura e Memória: por uma cultura brasileira do milho, organizado por Myriam Melchior, em 2017). Tal seria a difusão do milho em preparações culinárias no Brasil devida aos povos afrodescendentes que adaptaram o seu uso doméstico e ritualístico, desde o período colonial (ver A Cultura Alimentar Paulista: uma civilização do milho?, de Rafaela Basso, de 2014). Este dado parece ser um elemento-chave para compreender a sobrevivência do milho em preparações culinárias populares, tendo em vista que, durante o período colonial, o milho foi quase sempre desprezado pelo colonizador. Ademais, a utilização do milho nos rituais afro-indígenas rivalizava com os cultos cristãos onde o trigo era o alimento simbólico máximo, perfazendo o vínculo metafórico com o corpo sagrado de Cristo (ver o capítulo “Formação e dinâmica das religiões afro-brasileiras”, de Vagner Gonçalves da Silva, em Religião e Sociedade na América Latina, de 2010). Embora sejam raras as informações sobre as religiões originais dos povos nativos, sobretudo no que concerne à utilização de alimentos, é possível comparar algumas práticas ritualísticas atuais herdeiras das etnias indígenas e afrodescendentes com relatos do período colonial brasileiro. A partir desta comparação, encontramos algumas características semelhantes presentes nos rituais religiosos afro-indígenas que apontam para um traço de união importantíssimo à sobrevivência do milho na alimentação brasileira.
O estudo sobre a sacralidade do milho sinaliza para modos de transmissão de uma cultura alimentar envolta em embates vinculados às suas representações e potencialidades simbólicas e mágicas. Para tanto, utilizamos fontes bibliográficas no âmbito da história da alimentação, da antropologia cultural e da memória social. Também nos apoiamos em algumas investigações de artistas brasileiros contemporâneos que nos permitiram expandir as reflexões acerca do tema. Neste sentido, este estudo busca novas formas de se pensar e perceber as tradições alimentares cujos aspectos memoriais são difusos, rarefeitos ou, por vezes, pouco visíveis na historiografia gastronômica fundamentada por aspectos ambientais, econômicos ou meramente biológicos nos quais os alimentos e suas trajetórias são observados. Trata-se também de um estudo acerca dos significados e usos simbólicos e poéticos dos alimentos na existência humana.
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