Entre bebidas, panelas e educação
a produção feminina do cauim no Brasil colonial
DOI:
https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v1i2p248Palavras-chave:
Educação não escolar, Mulheres Tupinambá, Bebidas fermentadas, Cultura materialResumo
O estudo analisa as possibilidades de uma história da educação de natureza não escolar tomando como objeto de investigação os rituais de consumo do cauim entre os índios Tupinambá do Brasil colonial, grupo étnico considerado como amante das bebidas fermentadas. Metodologicamente, resulta de uma pesquisa documental baseada em fontes históricas como cartas jesuíticas e os relatos de viajantes que estiveram no Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII e presenciaram esse costume entre os indígenas. Inseridas no campo teórico das práticas alimentares, em sua interface com o conceito de educação como cultura, de Carlos Rodrigues Brandão, as práticas de beber, para além dos seus significados nutricionais, encerram dimensões simbólicas e educativas, configurando-se como estratégias significativas de entendimento das formas como homens e mulheres ordenam o mundo e lhe atribuem sentido. A fabricação das bebidas era perpassada por um conjunto de saberes que tinham suas próprias regras e códigos de conduta. Obedeciam, também, a uma concepção particular de conhecimento, cuja elaboração pautava-se em parâmetros de classificação, experimentação e controle. Eram, contudo, as mulheres as agentes por excelência da produção e transmissão desses saberes, razão pela qual a historiografia indígena precisa ser refinada em sua análise da condição feminina naquelas sociedades. Reiteram-se, assim, as possibilidades da cultura material como fonte para a compreensão das estruturas mentais e dos valores dos grupos. A cultura material que envolveu a fabricação e o consumo do cauim é um indício significativo das hierarquias sociais e dos valores entre os Tupinambá, uma vez que os bebedores tinham papéis sociais bem demarcados. Os índios mais velhos, por exemplo, recebiam tratamento especial posto que desfrutavam da honraria de valentes guerreiros, sendo, portanto, os primeiros a serem servidos. Entre as índias, a capacidade de fabricar o cauim, bem como a habilidade técnica de confeccionar e pintar as vasilhas, tarefas eminentemente femininas, também eram indícios de prestígio e poder que lhes permitiam ocupar uma situação diferenciada na sociedade, em face às mulheres que não possuíam tais habilidades. Como acontecimentos que possibilitavam a coesão social indígena, as beberagens – ao transmitirem a memória coletiva, incutirem valores, perpetuarem a tradição e promoverem a resistência indígena aos ditames da colonização – funcionavam, portanto, como instâncias de socialização ou como mediadores culturais dos saberes da coletividade, motivo pelo qual também podem ser interpretadas como uma prática eminentemente educativa.
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