A assistência ao negro na instituição asilar do Juquery de 1898 a 1930

Autores

  • Amanda Carolina Franciscatto Avezani Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Enfermagem. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. São Paulo, SP, Brasil https://orcid.org/0000-0002-7769-7809
  • João Fernando Marcolan Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Enfermagem. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. São Paulo, SP, Brasil https://orcid.org/0000-0001-8881-7311

DOI:

https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2022056004305

Palavras-chave:

Pacientes Internados, Grupo com Ancestrais do Continente Africano, Racismo, Hospitais Psiquiátricos, história, Assistência à Saúde Mental

Resumo

OBJETIVO Desvelar a assistência prestada aos indivíduos negros internados no período de 1898 a 1930 no Hospício do Juquery, considerados o contexto social e a hegemonia do saber médico da época. MÉTODOS Estudo exploratório-descritivo, qualitativo, análise documental, em prontuários de indivíduos negros(as) internados(as) desde a abertura do Hospício do Juquery em 1898 até 1930. Recorte temporal abarcou direções institucionais específicas e contexto histórico, político, econômico e social vivenciado pela população negra. Realizado no Arquivo do Patrimônio Histórico-cultural do Complexo Hospitalar do Juquery, entre julho e dezembro de 2019. Utilizado instrumento com questões referentes a dados sociodemográficos, data e anamnese de entrada, exame físico e psíquico, hipótese diagnóstica, tratamentos realizados, intercorrências, desfecho e motivo. Análise realizada segundo etapas da análise documental e pautada nos referenciais teóricos psiquiátricos do período. RESULTADOS Foram vistos todos os prontuários do período, cerca de 6.300, dos quais aproximadamente 1.400 eram de negros(as). Desses prontuários, foram incluídos 457, 140 de mulheres e 317 de homens, considerados com informações significativas para objetivos do estudo. Maioria dos participantes teve internações de longa permanência, cuja finalidade não pareceu estar atrelada à possibilidade de cura ou reinserção social, mas à segregação. A partir dos diagnósticos descritos, a impressão é que esses sujeitos compunham nicho com condições imutáveis, permanentes, não passíveis de terapêuticas que possibilitassem retorno à sociedade, exemplificada pela degeneração. Quantidade significativa dos prontuários não traz dados sobre tratamentos, o que reforça a hipótese de que eram mantidos internados não para proposta de cuidado, mas como um depósito da incurabilidade; quando trazem dados observamos empirismo voluntarioso do médico. Metade dos prontuários descreve os desfechos das pessoas internadas e apontam registros muito altos de mortes, seguidos de encaminhamentos para outras instituições de internação a prolongar a vida de confinamento. CONCLUSÕES Internados sofreram com isolamento e assistência focados na política de Estado aliada à ciência, sobretudo psiquiátrica, para legitimar exclusão dos socialmente indesejáveis.

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Publicado

2022-10-17

Edição

Seção

Artigos Originais

Como Citar

Avezani, A. C. F., & Marcolan, J. F. (2022). A assistência ao negro na instituição asilar do Juquery de 1898 a 1930. Revista De Saúde Pública, 56, 90. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2022056004305