Rastros, ruínas e decadência: contribuições para uma antropologia dos arquivos
DOI:
https://doi.org/10.11606/1678-9857.ra.2022.197956Palavras-chave:
Arquivos, Maputo, memória, fotografia, ruínasResumo
Neste ensaio, proponho pensar o arquivo como cidade e a cidade como arquivo. As análises formuladas ao longo desse itinerário de mão-dupla, que permeiam documentos e ruas, embasam-se em três imagens conceituais: rastro, ruína e decadência. A partir de Maputo, capital moçambicana, problematizo meu trabalho de campo mostrando como esse exercício afetivo e epistemológico de “caminhar-pesquisar” envolve um olhar duplicado sobre o arquivo e a cidade. Esse olhar me levou, de um lado, a analisar os meios de controle e de silenciamento que cercam histórias e memórias presentes em ambos os espaços; de outro, a escavar outros sentidos que ameaçam esses mecanismos. Meu argumento é que o arquivo, como a cidade, é um espaço vivo, repleto de tensões, hiatos e ambiguidades. Por isso, é preciso testar os limites de se pensar, conjunta e comparativamente, o arquivo institucional e o arquivo urbano. Com esse olhar duplicado, problematizo os rastros das histórias oficiais e como elas são negociadas e disputadas – em imagens guardadas pelo Estado ou em monumentos escondidos.
Downloads
Referências
IMAGENS
Maputo. José Cabral, Maputo, sem data. Fonte: Almeida et all (2012).
Cenário da minha infância. Ricardo Rangel, Lourenço Marques (Maputo), 1960. Fonte: Rangel (1994).
Vista parcial da Pastelaria Continental. Ricardo Rangel, Lourenço Marques (Maputo), anos 1960. Fonte: CDFF.
Prédio Pott. Jorge Almeida, Maputo, sem data. Fonte: Almeida et all (2012).
Vila Algarve. Moisés Mucelo, Maputo, 2017. Fonte: Google Maps. Disponível em: https://bit.ly/2MCR5Eo. Acesso em: 22/10/2019.
Vila Algarve. Bruna Triana, Maputo, 2017. Fonte: Acervo Pessoal.
O outro destino dos heróis. Ricardo Rangel, Maputo, 1975. Fonte: Rangel (1994).
Samora Machel. Bruna Triana, Maputo, 2015. Fonte: Acervo pessoal.
Salazar de castigo na Biblioteca Nacional. Bruna Triana, Maputo, 2015. Fonte: Acervo pessoal.
“Onde o negro só podia ser servente e só o branco era homem”. Repartição dos Serviços Cartográficos e Cadastrais de Lourenço Marques (nos anos 1960). O racismo se conjugava de diversas maneiras. Ricardo Rangel, Lourenço Marques (Maputo), anos 1960. Fonte: CEA (1983).
Estátuas Coloniais. Ricardo Rangel, Maputo, 1981. Fonte: CDFF.
Não leves mais. Ricardo Rangel, Lourenço Marques (Maputo), 1974. Fonte: CDFF.
Porto de Lourenço Marques. Ricardo Rangel, Lourenço Marques (Maputo), 1974. Fonte: CDFF.
Rua dos desertores. Ricardo Rangel, Lourenço Marques (Maputo), 1974. Fonte: Revista Tempo, n. 220, 1974.
Messy Colonialism; Wild Decolonization. Ângela Ferreira, instalação “A Story Within a Story”, Gotemburgo/2015. Fonte: Ferreira (2016).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Jorge; HEREINKSEN, Jesper; MARTIN, Eden (Curadores). 2012. Maputo, 125 anos. Maputo, CCFM.
ARNFRED, Signe; MENESES, Maria Paula. 2018. “Mozambican Capulanas: Tracing Histories and Memories”. In: BERTELSEN, Bjørn E.; KHAN, Sheila P.; MENESES, Maria P. (Org.). Mozambique on the Move. Leiden, Brill, pp.186-210.
ASSMANN, Aleida. 2011. Espaços da Recordação. Campinas, Ed. da Unicamp.
BAIA, Alexandre H. 2009. Os conteúdos da urbanização em Moçambique: considerações a partir da expansão da cidade de Nampula. São Paulo, Tese de Doutorado, FFLCH/USP.
BENJAMIN, Walter. 1978. A Berlim Chronicle. Nova York, Schocken Books.
BENJAMIN, Walter. 1994. Obras escolhidas I: Magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense.
BENJAMIN, Walter. 1987. Obras escolhidas II: Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense.
BENJAMIN, Walter. 2000. Obras escolhidas III: Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. São Paulo, Brasiliense.
BENJAMIN, Walter. 2009. Passagens. Belo Horizonte, UFMG.
BORGES COELHO, João Paulo. 2015. Abrir a fábula: questões da política do passado em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais, 106: 153-166. https://doi.org/10.4000/rccs.5926
BORGES COELHO, João Paulo. 2009. Crónica da rua 513.2. Maputo, Ndjira.
BORGES COELHO, João Paulo. 2013a. Politics and Contemporary History in Mozambique: A Set of Epistemological Notes. Kronos, v. 39, n. 1: 20-31. http://www.scielo.org.za/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0259-01902013000100002&lng=en&nrm=iso
BORGES COELHO, João Paulo. 2013b. Rainhas da Noite. Maputo, Ndajira.
BORGES COELHO, João Paulo. 2007. Memória das Guerras Moçambicanas. Conferência, Coimbra: Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia, 5 de Julho de 2007.
BRAGANÇA, Aquino de; DEPELCHIN, Jacques. 1986. Da idealização da Frelimo à compreensão da história de Moçambique. Estudos Moçambicanos, n. 5/6: 29-52.
BUCKLEY, Liam. 2005. Objects of Love and Decay: Colonial Photographs in a Postcolonial Archive. Cultural Anthropology, v. 20, n. 2: 249-270. https://doi.org/10.1525/can.2005.20.2.249
CABAÇO, José L. 2009. Moçambique: identidade, colonialismo e libertação. São Paulo, Unesp.
CAHEN, Michel. 2002. Les bandits: un historien au Mozambique. Paris, Centro Cultural Calouste Gulbenkian.
CALVINO, Ítalo. 1990. As cidades invisíveis. São Paulo, Cia das Letras.
CARNEIRO, Sueli. 2005. A construção do outro como não-ser como fundamento do Ser. São Paulo, Tese de Doutorado, FE/USP.
CASTEL BRANCO, Ruth K. 2013. “A formalização do trabalho doméstico na cidade de Maputo: desafios para o estado e organizações laborais”. In: BRITO, Luís de; CASTEL BRANCO, Carlos N.; CHICHAVA, Sérgio; FRANCISCO, António (Orgs.). Desafios para Moçambique. Maputo, IESE, pp. 307-330.
CEA. 1983. Boletim Não Vamos Esquecer. Centro de Estudos Africanos/UEM, 2/3.
CRUZ e SILVA, Teresa. 2015. Memória, história e narrativa: Os desafios da escrita biográfica no contexto da luta nacionalista em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais, 106: 133-152. https://doi.org/10.4000/rccs.5916
CTV. 2016. Análise jurídica do processo de reassentamento – Ponte Maputo Katembe. Maputo: Centro Terra Viva - Estudos e Advocacia Ambiental.
CUNHA, Olívia Maria Gomes da. 2005. Do ponto de vista de quem? Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 36: 7-32. https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2242
CUNHA, Olívia Maria Gomes da. 2004. Tempo imperfeito: uma etnografia do arquivo. MANA, v. 10, n. 2: 287-322. https://doi.org/10.1590/S0104-93132004000200003
CUNHA, Olívia Maria Gomes da. 2021. Are the things really burnt? HAU, v. 11, n. 1: 291-298. https://doi.org/10.1086/713900
DIDI-HUBERMAN, George. 2012. Quando as imagens tocam o real. Pós, v. 2, n. 4: 206-219. https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistapos/article/view/15454
ENWEZOR, Okwui. 2007. Archive Fever: Uses of the Document in Contemporary Art. Nova York, International Center of Photography.
FANON, Franz. 2005. Os condenados da terra. Juiz de Fora, UFJF.
FEIJÓ, João. 2017. “Mudam-se os tempos, mudam-se os modos de pensar? (Des)continuidades nas reflexões sobre o trabalho em Moçambique”. In: ALI, Rosimina; CASTEL BRANCO, Carlos N.; MUIANGA, Carlos (Orgs.). Emprego e transformação económica e social em Moçambique. Maputo, IESE, pp. 327-353.
FERREIRA, Ângela. 2016. Os limites do poder: do padrão dos descobrimentos e o retorno ao arquivo. Mesa-redonda “Retornar – Traços de Memória”, Lisboa
GAGNEBIN, Jeanne Marie. 2006. Lembrar, escrever, esquecer. São Paulo, Ed. 34.
GARRAMUÑO, Florencia. 2011. “Da memória à presença: práticas de arquivo na cultura contemporânea”. In: SOUZA, Eneida Ma. de; MIRANDA, Wander M. (Orgs). Crítica e Coleção. Belo Horizonte, UFMG, pp. 204-217.
GILROY, Paul. 2005. Postcolonial Melancholia. Nova York, Columbia University Press.
HARRIS, Verne. 2002. The Archival Sliver: Power, Memory, and Archives in South Africa. Archival Science, v. 2: 63-86. https://doi.org/10.1007/BF02435631
KILOMBA, Grada. 2019. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro, Cobogó.
LAMBEK, Michael. 1996. “The Past Imperfect: Remembering as Moral Practice”. In: ANTZE, P.; LAMBEK, M. (Eds.). Tense Past: Cultural Essays in Trauma and Memory. Routledge, London, pp. 235-254.
MACHAVA, Benedito. 2018. The Morality of Revolution: Urban Cleanup Campaigns, Reeducation Camps, and Citizenship in Socialist Mozambique (1974-1988). Ann Arbor, Tese de doutorado, Universidade de Michigan.
MALOA, Joaquim. 2016. A urbanização moçambicana: uma proposta de interpretação. São Paulo, Tese de doutorado, FFLCH/USP.
MARQUEZ, Renata. 2017. Davi no museu. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, 11. https://piseagrama.org/davi-no-museu/.
MATEUS, Dalila. 2012. Memórias do Colonialismo e da Guerra. Lisboa, Edições ASA.
MBEMBE, Achille. 2002. “The Power of the Archive and its Limits”. In: HAMILTON, Carolyn (Org.). Refiguring the Archive. Cape Town, Kluwer Academic Publishers, pp.19-26.
McCLINTOCK, Anne. 2010. Couro Imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas, Ed. da Unicamp.
MENESES, Maria Paula. 2015. Xiconhoca, o inimigo: Narrativas de violência sobre a construção da nação em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais, 106: 9-52. https://doi.org/10.4000/rccs.5869
MIGNOLO, Walter. 2006. “Os esplendores e as misérias da ‘ciência’”. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. Conhecimento prudente para uma vida decente. São Paulo, Cortez, pp. 667-707.
POLLAK, Michael. 1992. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos, 5 (10): 200-215. https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1941
RANGEL, Ricardo. 1994. Ricardo Rangel - Fotógrafo de Moçambique. Paris, CCFM/ Editions Findakly.
RIBEIRO, Gabriel M. 2012. “É Pena Seres Mulato!”: Ensaio sobre relações raciais. Cadernos de Estudos Africanos, 23: 22-51. https://revistas.rcaap.pt/cea/article/view/8037
RIZZO, Lorena; SMITH, Tina; GRENDON, Paul; MIESCHER, Giorgio. 2015. Usakos, photographs beyond ruins. Suíça, Basler Afrika Bibliographien.
SAID, Edward. 1989. Representing the Colonized: Anthropology’s Interlocutors. Critical Inquiry, v. 15, n. 2: 205-225. https://www.jstor.org/stable/1343582
SANTIAGO, Silviano. 1978. “O entre-lugar do discurso latino-americano”. In: Uma literatura nos trópicos. São Paulo, Perspectiva, pp. 11-28.
STOLER, Ann Laura. 2008. Imperial debris: reflections on ruins and ruination. Cultural Anthropology, v. 23, n. 2: 191-219. https://www.jstor.org/stable/20484502
STOLER, Ann Laura. 2002. Colonial archives and the arts of governance. Archival Science, 2: 87-109. https://doi.org/10.1007/BF02435632
TAYLOR, Anne-Christine. 1997. L’oubli des morts et la mémoire des meurtres. Expériences de l’histoire chez les Jivaro. Terrain, 29. https://doi.org/10.4000/terrain.3234
THOMAZ, Omar R. 2009. Moçambique: Identidade, colonialismo e libertação - Não vamos esquecer. Via Atlântica, 16: 267-273. https://doi.org/10.11606/va.v0i16.50481
THOMAZ, Omar R. 2006. “Raça”, nação e status: histórias de guerra e “relações raciais” em Moçambique. Revista USP, 68: 252-268. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i68p252-268.
TRIANA, Bruna. 2017. Arquivos E Imagens (Pós) Coloniais: Contribuições Analíticas Sobre Duas Coleções Fotográficas. GIS - Gesto, Imagem e Som, v. 2, n. 1: 37-60. https://doi.org/10.11606/issn.2525-3123.gis.2017.129127.
TRIANA, Bruna. 2020. Ensaios em preto e branco: arquivo, memória e cidade nas fotografias de Ricardo Rangel. São Paulo, Tese de doutorado, FFLCH/USP.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2022 Revista de Antropologia
![Creative Commons License](http://i.creativecommons.org/l/by/4.0/88x31.png)
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Autores que publicam na Revista de Antropologia concordam com os seguintes termos:
a) Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.
b) Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista.
c) Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) após o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre).
Dados de financiamento
-
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Números do Financiamento 2014/25152-0