Você sabia que temos um relógio alimentar?

2021-04-29

Esse relógio não marca as horas como os outros que conhecemos, mas regula o comportamento dos animais em relação à alimentação na presença ou ausência de luz ou em relação à disponibilidade de alimento. Esse tema foi debatido no artigo “Relógio Alimentar: Mecanismos da Sincronização Circadiana por Alimento”. A pesquisa foi publicada em 2019 na Revista Biologia da USP e teve como autores três pesquisadores do Laboratório de Neurobiologia e Ritmicidade Biológica, do Departamento de Fisiologia e Comportamento, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Natal), são eles: Breno Tercio Santos Carneiro, Mario André Leocadio-Miguel e John Fontenele Araujo. 

Para entendermos a discussão, faz-se necessário primeiro entender o que são os estudos de ritmicidade biológica. Eles têm se direcionado, sobretudo, aos ritmos circadianos, são eles relacionados a identificação de um sistema interno gerador de um ritmo, ou seja, um sistema capaz de gerar alternâncias de estado. Um exemplo facilitador de entendimento é o claro-escuro. Nele, é possível identificar, por exemplo, como nosso comportamento é condicionado a realizar determinadas tarefas durante o dia e outras durante a noite. 

Portanto, os pesquisadores começaram a buscar como se dava a via de transmissão de informações luminosas para o sistema nervoso central, especificamente o hipotálamo (região do cérebro que regula o metabolismo), entendendo a relação da luz com as funções fisiológicas. Os pesquisadores mostram que a região anterior ao hipotálamo, conhecida como Núcleo Supraquiasmático (NSQ), é o principal componente circadiano em mamíferos a partir do ciclo claro-escuro. Entretanto, outros sinais temporais também sincronizam o organismo, como, por exemplo: o horário da alimentação, disponibilidade de alimento em ciclos (como verão/inverno) e a alternâncias das marés (para espécies marinhas). 

Saindo da sincronização fótica (referente à luz), os pesquisadores começaram a se debruçar sobre as sincronizações por alimento. Os primeiros estudos nessa linha foram realizados em 1920 e foram os responsáveis pela identificação do que hoje é conhecido como: Atividade Antecipatória ao Alimento (AAA). Isso é, um comportamento anterior à alimentação, que se expressava quando animais tinham um horário fixo para comer (em ratos 25 minutos antes da refeição, em abelhas, 1 horas). Além disso, em roedores, outros comportamentos foram observados, como atividade locomotora, temperatura corporal e variações de sono de acordo com a disponibilidade/escassez de alimento.

A partir das observações de sincronização por alimento, começou-se a estudar as propriedades da AAA. A partir dos experimentos com ratos, alguns aspectos do comportamento antecipatório têm sido o foco dos estudos nas últimas décadas, são eles: o limite circadiano (ratos são incapazes de antecipar horários de alimentação que se repetem com períodos menores que 23 ou maiores que 29 horas); ressignificação com presença de dias transientes após mudança no horário de alimentação (quando muda o horário de alimentação bruscamente a atividade antecipatória demora alguns dias para se estabilizar até um novo padrão); e a persistência em condições constantes (quando retira a alimentação por três dias os ratos mostram um aumento da atividade motora na mesma fase em que anteriormente exibiam atividade antecipatória). 

Além desses estudos, houve vários experimentos utilizando lesões em áreas específicas no sistema nervoso central para identificar o oscilador sincronizado por alimento. Entretanto, as conclusões não obtiveram um oscilador responsável, mas identificaram que tal comportamento é gerado a partir de sistemas de múltiplos componentes, ou seja, o processo de sincronização de alimento é entendido como um fenômeno que envolve a coordenação da atividade de vários osciladores circadianos (periféricos e centrais), que regulam a fisiologia e o comportamento.

 

Por Alan de Jesus

Jornalista e especialista em Divulgação Científica.