Tue, 18 Aug 2020 in Geousp – Espaço e Tempo (Online)
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A Geousp disponibiliza seus artigos on-line desde o primeiro número, publicado em 1997, no link https://www.revistas.usp.br/geousp/issue/archive. São mais de duas décadas de publicações deste periódico, ancorado numa das mais respeitadas universidades brasileiras. Durante todo esse período, entre dificuldades maiores e menores, a revista vive um processo contínuo de aperfeiçoamento, fruto do trabalho dos colegas que aceitam o desafio - nada fácil - da editoração.
Neste número, tem início a colaboração dos novos editores de seção: Perla Zuzman, Universidad de Buenos Aires; Enrique Aliste Almuna, Universidade do Chile; María Fernanda Lopez, Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales; Adriana Dorfman, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Ricardo José Batista Nogueira, Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Edilson Pereira Júnior, Universidade Estadual do Ceará (UECE) e eu, Lisandra Pereira Lamoso, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), que tenho a honra de redigir o presente editorial. Seu Conselho Científico também foi ampliado e passa a contar com a valiosa colaboração dos pesquisadores: Barney Warf, Universidade do Kansas, EUA; Benno Werlen, Universidade Friedrich Schiller - Jena, Alemanha; Dariusz Wójcik, Universidade de Oxford, Oxford, Reino Unido; Fenghua Pan, Escola de Geografia - Universidade Normal de Pequim, Pequim, China; Hervé Théry, Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III, Paris, França e Universidade de São Paulo (USP), São Paulo; Marcelo Lopes de Souza, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Mónica Arroyo, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo; Roberto Lobato Corrêa, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, e Wanderley Messias da Costa, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo.
O quadro de instituições renomadas que se somam à Geousp conta com a Universidade de Buenos Aires, Argentina; Universidad Católica de Chile, Chile; Universitat de Barcelona, Espanha; Kansas University, EUA; University of Oxford, Inglaterra; Universidade Normal de Pequim, China; Universidade Friedrich Schiller - Jena, Alemanha, e Université Sorbonne Nouvelle - Paris III, França. São 12 novos membros de vários estados da federação, sendo cinco da Universidade de São Paulo. A composição não é endógena, e o aceite dos colegas e de suas respectivas instituições demonstra apreço e reconhecimento pela qualidade do periódico, que segue as melhores práticas editoriais e conta com um conselho plural temática e geograficamente.
Neste número, apresentamos onze artigos. Natalia Astegiano já era conhecida no Brasil por seu artigo “Usos corporativos del territorio en el marco del Mercosur: el caso de Fiat-Case New Holland en Argentina”, publicado no Boletim Campineiro de Geografia em 2018. O texto publicado aqui, “Objetos técnicos en la agricultura moderna: de la individuación al medio”, é uma contribuição original que mostra a operacionalização de alguns conceitos e noções desenvolvidos pelo Prof. Milton Santos, algo abstratos e difíceis, mas muito potentes para explicar o real. Natalia parte de um estudo detalhado da evolução das máquinas semeadoras e chega às consequências e relações dessa modernização em termos de ganhos de produtividade, o que já seria relevante por si. Mas sua principal contribuição é a compreensão da máquina como um objeto técnico que se relaciona, interfere e sofre interferência do espaço, compondo um conjunto de objetos técnicos.
Cássio Arruda Boechat integra o Grupo de Estudos sobre Mudanças Sociais, Agronegócio e Políticas Públicas (GEMAP). Escreve sobre um polêmico debate da questão agrária, muito discutido a partir do livro de Maria da Conceição D’Incão, O bóia-fria: acumulação e miséria, publicado em 1979. Boechat inicia o texto “A questão agrária em São Paulo: debate sobre o fim do colonato e o surgimento do boia-fria na agricultura paulista” com uma revisão bibliográfica que confronta os clássicos da literatura, ampliando tanto seu escopo que traz interpretações de Ignácio Rangel e Robert Kurz. Seu acúmulo de leituras lhe permite entrar no debate ora com críticas, ora com apontamentos que dão a ver que há uma crise maior, que perpassa inclusive o interior das famílias.
“Entre ‘o Centro e o Cosmo’: ensaio interpretativo sobre a dimensão espacial do sagrado por meio da música candomblecista” é o texto de Yasmin Estrela Sampaio e Edgar Monteiro Chagas Junior, que analisam o espaço religioso do Candomblé. Retomam a categoria do espaço sagrado e sua dimensão. Não é um texto apenas para os pesquisadores do tema, mas deve ser lido para que não nos esqueçamos do Candomblé como registro cultural do trabalho dos escravizados no Brasil. Nele estão presentes cultura, riqueza de símbolos e sons. Como lembram os autores, há terreiros nas cidades brasileiras desde o período colonial, como espaços de encontro, lazer e solidariedade entre negros, mulatos e pobres. É sobre Geografia, sobre desigualdade, sobre Brasil, que tem a música candomblecista como fio condutor.
Gustavo Francisco Teixeira Prieto e Patrícia Laczynski escrevem “São Paulo à venda: ultraneoliberalismo urbano, privatização e acumulação de capital (2017-2020)”, texto com dois pontos fortes: a reunião de informações (sobre privatização, doação ou concessão de bens públicos) e a interpretação teórica desse processo, na gestão dos governos Dória e Bruno Covas. O que pode parecer ação de um determinado governo é, segundo a robusta literatura que o texto aporta, prática de venda da cidade a título de política pública, denominada no artigo “ultraneoliberalismo urbano”.
“Uma cidade e três centros: o caso de Marabá (PA)” é a publicação de Mauro Emilio Costa e Silva, mais um resultado de pesquisa que nos ajuda a compreender aspectos da urbanização da Amazônia brasileira. Dedica-se às três áreas centrais da cidade paraense de Marabá - Marabá Pioneira, Nova Marabá e Cidade Nova -, empregando os conceitos de centro e centralidade e apresentando um trabalho de campo que mostra os diferentes usos dos meios de transporte em cada área.
O texto de Felipe Nunes Coelho Magalhães, “Da construção socioespacial dos mercados aos avanços da financeirização”, se soma à atual e necessária agenda de pesquisa que devemos discutir, visto que a financeirização não nos dá a opção de ignorá-la, seja por sua perversidade, seja pelo potencial de ações emancipatórias que pode envidar. Não se avança na compreensão em nenhum sentido sem aprofundá-la teoricamente, como faz Magalhães.
“As diversas abordagens da justiça espacial na geografia” é a contribuição de David Melo Van Den Brule. Comumente, a palavra justiça nos remete ao clássico livro de David Harvey, Justiça social e a cidade. Brule expande nosso conhecimento investigando na revisão bibliográfica os usos e as derivações do termo e como ele se tornou relevante no pensamento geográfico o no planejamento urbano, além de trazer um debate teórico-conceitual sobre justiça espacial. A história organizada por Brule é repleta de fatos interessantes, como o uso do termo, de forma mais ampla, no distante ano de 1938. Essa confirmação da historicidade dos conceitos e de seu processo de construção é reflexão que extrapola o interesse dos pesquisadores sobre o urbano e alcança várias áreas de pesquisa.
Francisco Jonh Lennon Tavares da Silva e Cláudia Maria Sabóia de Aquino fazem uma detalhada revisão em “Estado da arte das questões socioambientais urbanas em eventos científicos da Geografia brasileira (2008-2017)”. Textos desse tipo são bons instrumentos de condensação. Os sete enfoques mais apresentados nos eventos temáticos são: riscos e vulnerabilidades socioambientais; degradação dos recursos hídricos; qualidade socioambiental urbana; conflitos socioambientais urbanos; eventos pluviais extremos; resíduos sólidos urbanos e ambiente urbano e saúde. Não por acaso, todos sérios problemas nacionais. Assim, entendemos que a Geografia tem cumprido seu papel como ciência comprometida com os desafios, mas é preciso que a contribuição da academia seja acolhida pelo Estado e pelos demais agentes competentes.
Da mesma forma, “O processo histórico de ocupação e de ocorrência de enchentes na planície fluvial do rio Pinheiros de 1930 até os dias atuais”, escrito por Rodolfo Alves da Luz e Cleide Rodrigues, é outra contribuição relevante. Trata-se de uma séria histórica de 90 anos, dedicada à caracterização geomorfológica com emprego da geomorfologia antropogênica, cartografia geomorfológica, geoindicadores e abordagem histórica. Além do diagnóstico, o texto é propositivo. Apresenta informações científicas de forma didática, ilustrada com croquis, mapas, quadros e imagens. Mais um excelente registro de um dos mais importantes rios urbanos.
Francílio de Amorim dos Santos e Maria Lucia Brito da Cruz pautam as “Características e comportamento da população frente às secas: estatística multivariada dos municípios do Alto Vale da Sub-bacia do Rio Piracuruca (CE/PI)”. A pesquisa discute a ideia de criticidade como um conjunto de características e comportamentos dos indivíduos que seriam capazes de romper o sistema ou os recursos das comunidades para reagir aos efeitos das secas. Além dos resultados apresentados no caso pesquisado, o texto compartilha uma trilha metodológica, com procedimentos detalhados de pesquisa, que podem ser replicados/adaptados a outros estudos de caso, além de servir como ferramenta para intervenções de políticas públicas na sub-bacia do rio Piracuruca.
Outro texto que traz um pouco do Nordeste é “Dinâmica superficial numa bacia de drenagem semiárida mediante o uso do césio-137: estudo de caso da Bacia do Riacho Salgado-PE”, de Antonio Carlos de Barros Correa e Renata Nunes Azambuja. Os pesquisadores dedicaram-se a pesquisar o balanço erosivo com a aplicação de técnicas que empregam o césio-137, material radioativo que ficou conhecido após o acidente do reator nuclear de Chernobyl em 1986. A técnica, associada a outros instrumentos de análise, foi aplicada a uma bacia que drena para o sub-médio São Francisco, em Pernambuco, e serve de subsídio para outros estudos no semiárido brasileiro e ao conhecimento dos processos de erosividade.
Ao concluir a leitura dos artigos, penso que devemos refletir sobre as críticas feitas às pesquisas realizadas nas universidades. Muito se diz que são “isoladas da realidade”, “engavetadas”, “não têm efeito prático”. Nada disso se sustenta frente a uma análise atenta. A pesquisa tem compromisso social, é relevante, há muitos anos deixou de ser engavetada e pode ser acessada de qualquer parte do mundo que conte com um equipamento e internet. Não está nas estantes em formato impresso, e a pós-graduação se interiorizou, possibilitando pesquisa de alto nível em todas as regiões. Os resultados das pesquisas estão disponíveis de forma democrática e podem ser aplicadas, mas isso não depende apenas do esforço dos cientistas. Em seu formato eletrônico, com acesso aberto e gratuito e observando as melhores práticas editoriais, a Geousp cumpre seu papel com excelência. Conta para isso com o trabalho de pareceristas, revisores, conselho científico, técnicos de suporte e mais uma gama de colaborações valiosas, a quem votamos nosso agradecimento. Agradeço, em especial, ao editor Ricardo Mendes Antas Junior, que está à frente dos trabalhos, ao editor assistente Fernando Nadal Junqueira Villela e a nossos autores, pela confiança depositada na Geousp para divulgar seus resultados de pesquisa.
Termino esse longo editorial convidando todos à leitura e estendendo o convite para o recebimento de novas contribuições.
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Author
Lisandra Pereira Lamoso
Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MT, Brasil, Brasil