Os monstros da razão na formação docente: ressonâncias da meritocracia e da medicalização na educação inclusiva
DOI:
https://doi.org/10.1590/S1678-4634202551286866porPalavras-chave:
Educação inclusiva, Formação docente, Meritocracia, Medicalização, PsicanáliseResumo
Se a medicalização da educação é um tema de crescente interesse no debate acadêmico, sua presença reverbera na educação inclusiva. Nos últimos anos, pesquisas do campo da psicanálise vêm contribuindo para a problematização deste fenômeno, apontando um imperativo de formação que destitui o desejo e a experiência subjetiva. O presente texto visa se debruçar sobre dois monstros da razão mercadológica, cunhada nos moldes neoliberais: a medicalização e a meritocracia, que ressoam como angústia docente. Nesse contexto, as expectativas de eficiência no desempenho escolar se frustram, configurando uma das primeiras feridas narcísicas e marcas sociais de exclusão. A formação continuada, quando apresentada como solução imperativa aos impasses da inclusão, oferece um nome e uma cicatrização para fechar esta ferida identitária. O artigo mapeia as tensões promovidas pela ideologia meritocrática no sentimento de necessidade de formação continuada pelo viés empresarial de controle, culpabilização, tecnicismo e padronização. E, como resultado, são identificadas repercussões desses ideários da educação inclusiva, apresentando suas ressonâncias à luz do conceito psicanalítico de angústia.
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