Artigo discute os impasses para a efetivação do Direito Humano à Alimentação Adequada
Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP, São Paulo, Brasil
A fome no Brasil é fruto, em princípio, da pobreza, cujas causas são inúmeras. Esse problema é anterior à atual crise sanitária pela qual estamos atravessando, não só no Brasil, mas no mundo todo. A distribuição de renda desigual é também fator de contribuição para aumento da crise alimentar. Contraditoriamente, não só o direito à alimentação, mas também o direito à alimentação adequada é assegurado pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, n° 11.346, de 15 de setembro de 2006 que declara: “toda pessoa deve ter preservada a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)“. Esse tema é desenvolvido por Lucia Guerra no artigo da revista Saúde e Sociedade.
Enfatiza-se a manutenção da suficiência de alimentos contra a desnutrição e suas consequências, sempre na busca da melhoria das condições de saúde, na divulgação da relação entre a “cultura alimentar e a sustentabilidade econômica, social e ambiental“, segundo os professores Burlandy e Ferraz, citados no artigo. O direito à alimentação adequada se encontra em meio a descumprimentos na prática, ocasionados pelas crises “econômica, política, social, alimentar, ambiental, climática e sanitária no âmbito mundial e sua expressão no âmbito nacional“. Nesse âmbito, a autora tece um estudo, com perspectiva crítica, sobre a implementação e cumprimento do direito à alimentação adequada, investigando o que está por trás desse ” problema social”.
A alimentação adequada implica no acesso “permanente e regular” à população, com a visão “socialmente justa” no oferecimento da qualidade, da variedade, sem deixar de lado a moderação e o prazer da comida saborosa, ou seja, no dizer da autora, da “comida de verdade”. Sendo o ato de alimentar-se um fato “social, cultural, biológico e político“, a alimentação adequada foca no consumo de nutrientes em prol da alimentação saudável, dispensando ou bem dosando alimentos propagados nas mídias, com os apelos do marketing hipinotizante ao consumidor como os “comidas viciantes”, que podem levar à desnutrição, à obesidade ou a doenças, tais como alimentos chamados “embutidos” e os gordurosos.
A comida de verdade, ComiDHAA – referência ao Direito Humano à Alimentação Adequada – é aquela que busca estar em consonância com a sustentabilidade, na medida em que consolida “pontes entre o urbano e o rural, visando a soberania alimentar e a garantia dos direitos humanos em todo o curso da vida“. Uma das dezessete metas da ONU para a agenda de 2030 é banir a fome e a miséria em âmbito global. Para isso é necessário que os governos e a sociedade estimulem a participação popular nas políticas públicas que tenham a efetivação do DHAA “como princípio ou diretriz“. No Brasil, a questão da saúde pública é complexa, já que são gritantes as desigualdades socias e a pobreza, “nos centros e periferias urbanas, além dos povos originários e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos)“.
Os fatores que provocam a afome e a pobreza são vários, não só o subdesenvolvimento econômico, mas também as doenças crônicas, as mudanças climáticas e a deterioração dos ecossistemas naturais pelo homem também contribuem para “o que tem gerado impactos desastrosos para a saúde e produzido custos sociais que ofuscam os custos econômicos“. A autora declara que a população brasileira carrega o peso de uma tradição cultural de servidão e exclusão, tornando urgente a participação e as reivindicações efeivas em relação aos direitos humanos em geral, na luta pela justa distribuição de renda e inclusão social que conduzirá a reflexos positivos no campo da saúde e da alimentação, em consequência.
Finalizando, está mais do que na hora de empreender-se mudanças culturais no Poder Executivo e no Poder Legislativo, no sentido de valorizar o Direito Humano à Alimentação Adequada. Nas atuais crises, de saúde, naturais, culturais, econômicas e políticas pelas quais o mundo está atravessando, a garantia dos direitos humanos depara-se com a limitação do papel do Estado diante do crescimento do capital internacional, causando a diminuição “dos gastos públicos e cortes significativos nos investimentos sociais, além da reorientação dos investimentos para setores que correspondem a esse interesse“.
Artigo
GUERRA, L. D. da S. Alimento de verdade para todos: desafios para a efetivação do direito humano à alimentação adequada no contexto de crise no Brasil. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 31, n. 2, 2022. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-12902022210370pt. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/sausoc/article/view/197964. Acesso em: 25 maio 2022.
Contatos
Lúcia Dias da Silva Guerra – Departamento de Política, Gestão e Saúde, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. luciadsguerra@alumni.usp.br